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São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Bernardi, da PF, aparece em gravações pedindo dinheiro a empresas; ele ainda é suspeito de ter firma ilegal

Delegado é acusado de liberar contrabando

MARIO CESAR CARVALHO
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O delegado da Polícia Federal Nivaldo Bernardi, 50, gosta de recitar um currículo superlativo: foi o primeiro a fechar a galeria Pajé, o shopping do contrabando em São Paulo, e fez a maior apreensão de café em Foz de Iguaçu, uma fila de 11 carretas em 1986.
Agora, Bernardi pode ser incriminado por meras quatro conversas gravadas pela Operação Anaconda: nelas, o delegado aparece em busca de um dinheiro cuja origem não é definida e, segundo outros policiais, teria ajudado a liberar um contrabando que fora apreendido por seus agentes em uma empresa de computadores.
Numa conversa com um policial civil, ele pergunta: "E a nossa empresa, Bró? Já começou?". O policial diz: "Já começou, já". A lei proíbe policiais de serem donos de empresas de segurança.
Bernardi disse à Folha que o dinheiro mencionado nas conversas era patrocínio para sua equipe de corridas -ele é bicampeão paulista de Força Livre, na qual corre com um Omega e diz gastar de R$ 5.000 a R$ 6.000 por mês. Chefe da Delegacia Institucional em São Paulo, responsável pela segurança de autoridades, ele ganha R$ 8.000 líquidos por mês.

Proteção ao contrabando
O principal delito captado pelas gravações é a ação de um grupo de policiais para liberar componentes eletrônicos contrabandeados. Os policiais federais que analisaram as conversas ficaram assustados porque a beneficiada pelo contrabando não é uma empresa de fundo de quintal. É a Metron, que em 2002 suplantou gigantes globais como a Dell e a HP e assumiu a liderança do mercado brasileiro de micros, feito noticiado pelo "The New York Times".
O segredo? A empresa foi escolhida por Silvio Santos para fabricar o "computador do milhão". Com essa operação, produziu 200 mil computadores e faturou R$ 400 milhões. Em julho deste ano, porém, a empresa anunciou que passava por dificuldades.
As conversas gravadas sobre a Metron ocorreram nos dias 17 e 18 de dezembro de 2002. A PF apreendera um caminhão de componentes contrabandeados da importadora Delta que deveria ser entregue na sede da Metron, na zona sul de São Paulo.
Acompanha a apreensão uma discussão entre delegados e agentes da PF que lembra uma disputa de quadrilha. O delegado da PF José Augusto Bellini e o empresário Wagner Rocha comandam a ação para liberar a mercadoria -ambos foram presos pela Operação Anaconda, acusados de integrar um grupo que venderia sentenças judiciais. Bellini liga para um agente e este avisa que a ordem de apreensão partira do delegado Carlos Tadeu Tarso. "É porque não tão dando dinheiro para ele", completa o delegado.

"A Metron é nossa"
Os dois diálogos mais reveladores das relações da PF com contrabandistas são de Bellini. Numa conversa, ele pergunta aos agentes o que eles estão fazendo na empresa -"porque a Metron é nossa". A frase foi interpretada pela PF como se a empresa pagasse proteção ao delegado pelos atos ilícitos que cometesse.
Depois de desistir de procurar por Bernardi, que poderia ter resolvido o problema porque à época dirigia a delegacia fazendária, Bellini diz em tom de desabafo: "Ele [Nivaldo] tem de dar porrada nos meninos que foram lá sem ordem". "Meninos" é a forma como ele trata os agentes da PF.
Um dia depois de a mercadoria ter sido liberada, Wagner Rocha relata a Bellini a conversa que tivera com um diretor da Metron, chamado Silvio. O diretor contou que Bernardi ficara "puto" com a intromissão de Rocha, "mas quem resolveu [a liberação do contrabando] foi ele [Bernardi]".
Rocha conta que não havia usado o nome de Bernardi para liberar a mercadoria, mas fica furioso com o puxão de orelhas: "O Nivaldo vive lá pegando máquina, pegando patrocínio". Não fica claro se a empresa é a Metron.
O dono da Metron, Leone Picciotto, é irmão de Enrico Picciotto, sócio de uma corretora (a Split) envolvida em escândalos financeiros. Em 1997, a CPI dos Precatórios concluiu que a Split enviou ilegalmente dinheiro para fora do país, operou sem lastro financeiro e sonegou impostos. Enrico e seis funcionários da Split acabaram absolvidos pelo juiz João Carlos da Rocha Mattos, preso pela Anaconda. A PF suspeita que a sentença foi comprada.



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