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OPERAÇÃO ANACONDA
Bernardi, da PF, aparece em gravações pedindo dinheiro a empresas; ele ainda é suspeito de ter firma ilegal
Delegado é acusado de liberar contrabando
MARIO CESAR CARVALHO
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O delegado da Polícia Federal
Nivaldo Bernardi, 50, gosta de recitar um currículo superlativo: foi
o primeiro a fechar a galeria Pajé,
o shopping do contrabando em
São Paulo, e fez a maior apreensão
de café em Foz de Iguaçu, uma fila
de 11 carretas em 1986.
Agora, Bernardi pode ser incriminado por meras quatro conversas gravadas pela Operação Anaconda: nelas, o delegado aparece
em busca de um dinheiro cuja origem não é definida e, segundo outros policiais, teria ajudado a liberar um contrabando que fora
apreendido por seus agentes em
uma empresa de computadores.
Numa conversa com um policial civil, ele pergunta: "E a nossa
empresa, Bró? Já começou?". O
policial diz: "Já começou, já". A lei
proíbe policiais de serem donos
de empresas de segurança.
Bernardi disse à Folha que o dinheiro mencionado nas conversas era patrocínio para sua equipe
de corridas -ele é bicampeão
paulista de Força Livre, na qual
corre com um Omega e diz gastar
de R$ 5.000 a R$ 6.000 por mês.
Chefe da Delegacia Institucional
em São Paulo, responsável pela
segurança de autoridades, ele ganha R$ 8.000 líquidos por mês.
Proteção ao contrabando
O principal delito captado pelas
gravações é a ação de um grupo
de policiais para liberar componentes eletrônicos contrabandeados. Os policiais federais que analisaram as conversas ficaram assustados porque a beneficiada pelo contrabando não é uma empresa de fundo de quintal. É a Metron, que em 2002 suplantou gigantes globais como a Dell e a HP
e assumiu a liderança do mercado
brasileiro de micros, feito noticiado pelo "The New York Times".
O segredo? A empresa foi escolhida por Silvio Santos para fabricar o "computador do milhão".
Com essa operação, produziu 200
mil computadores e faturou R$
400 milhões. Em julho deste ano,
porém, a empresa anunciou que
passava por dificuldades.
As conversas gravadas sobre a
Metron ocorreram nos dias 17 e 18
de dezembro de 2002. A PF
apreendera um caminhão de
componentes contrabandeados
da importadora Delta que deveria
ser entregue na sede da Metron,
na zona sul de São Paulo.
Acompanha a apreensão uma
discussão entre delegados e agentes da PF que lembra uma disputa
de quadrilha. O delegado da PF
José Augusto Bellini e o empresário Wagner Rocha comandam a
ação para liberar a mercadoria
-ambos foram presos pela Operação Anaconda, acusados de integrar um grupo que venderia
sentenças judiciais. Bellini liga para um agente e este avisa que a ordem de apreensão partira do delegado Carlos Tadeu Tarso. "É porque não tão dando dinheiro para
ele", completa o delegado.
"A Metron é nossa"
Os dois diálogos mais reveladores das relações da PF com contrabandistas são de Bellini. Numa
conversa, ele pergunta aos agentes o que eles estão fazendo na
empresa -"porque a Metron é
nossa". A frase foi interpretada
pela PF como se a empresa pagasse proteção ao delegado pelos atos
ilícitos que cometesse.
Depois de desistir de procurar
por Bernardi, que poderia ter resolvido o problema porque à época dirigia a delegacia fazendária,
Bellini diz em tom de desabafo:
"Ele [Nivaldo] tem de dar porrada
nos meninos que foram lá sem ordem". "Meninos" é a forma como
ele trata os agentes da PF.
Um dia depois de a mercadoria
ter sido liberada, Wagner Rocha
relata a Bellini a conversa que tivera com um diretor da Metron,
chamado Silvio. O diretor contou
que Bernardi ficara "puto" com a
intromissão de Rocha, "mas
quem resolveu [a liberação do
contrabando] foi ele [Bernardi]".
Rocha conta que não havia usado o nome de Bernardi para liberar a mercadoria, mas fica furioso
com o puxão de orelhas: "O Nivaldo vive lá pegando máquina,
pegando patrocínio". Não fica
claro se a empresa é a Metron.
O dono da Metron, Leone Picciotto, é irmão de Enrico Picciotto, sócio de uma corretora (a
Split) envolvida em escândalos financeiros. Em 1997, a CPI dos
Precatórios concluiu que a Split
enviou ilegalmente dinheiro para
fora do país, operou sem lastro financeiro e sonegou impostos.
Enrico e seis funcionários da Split
acabaram absolvidos pelo juiz
João Carlos da Rocha Mattos, preso pela Anaconda. A PF suspeita
que a sentença foi comprada.
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