São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

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CASO BANESTADO

Justiça uruguaia permite interrogatório de "comendador", suspeito de ser o chefe do crime organizado no MT

Fim de CPI barra depoimento de Arcanjo

FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A pedido da CPI do Banestado, a Justiça uruguaia autorizou a realização do interrogatório de João Arcanjo Ribeiro, suspeito de ser o chefe do crime organizado em Mato Grosso, e deve ouvi-lo em 16 de fevereiro, às 9h. Os trabalhos da comissão, porém, encerraram-se abruptamente anteontem pelo presidente da CPI, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), acusado de envolvimento com o "comendador Arcanjo".
O contador de Arcanjo, Luiz Alberto Dondo Gonçalves, disse em depoimento à Justiça que Antero recebeu dinheiro do comendador para campanha eleitoral. Arcanjo, que está preso no Uruguai, é acusado de lavagem de dinheiro e de evasão de divisas em um montante que pode chegar a US$ 1 bilhão.
A assessoria de imprensa do presidente da CPI disse que ele já sabia da autorização da Justiça uruguaia para realizar o interrogatório quando encerrou os trabalhos, à revelia da Mesa Diretora do Congresso e dos demais integrantes da CPI. A Folha deixou recados ontem no celular do senador e com sua assessoria, mas não obteve retorno.
A CPI foi instalada no dia 27 de junho de 2003 para investigar o envio irregular de dinheiro para o exterior entre 1996 e 2002. Os trabalhos, no entanto, foram atropelados por uma guerra política entre governo e oposição, que se acusaram mutuamente de utilizar indevidamente informações obtidas a partir de cerca de 1.200 quebras de sigilos bancário e fiscal.
O deputado José Mentor (PT-SP) apresentou relatório recomendando o indiciamento de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, por supostamente facilitar a evasão de divisas do país. Já Antero fez um voto em separado -na prática, um outro relatório- propondo o indiciamento do atual presidente do BC, Henrique Meirelles.
A líder do PT, senadora Ideli Salvatti (SC), e Mentor conseguiram uma decisão da Mesa do Congresso anulando a sessão do dia 21, quando Antero apresentou seu voto, e impedindo a reunião da comissão anteontem. Ela alega que a CPI não consta da pauta da convocação extraordinária do Congresso entre os dias 16 e 30 deste mês. Pela Constituição, os trabalhos se encerram no dia 15.
Antero não só realizou a sessão anteontem como encerrou os trabalhos da CPI sem a votação de um relatório final, uma vez que não havia quórum. O ofício da Mesa determinava que o prazo para encerrar os trabalhos era 27 fevereiro -a comissão poderia retomar os trabalhos após o recesso, no dia 15 de fevereiro.
O presidente da comissão enviou para o Ministério Público Federal três relatórios: o dele, o de Mentor e o do deputado Edmar Moreira (PL-MG), além de 51 sugestões de mudanças feitas por membros da CPI.
As investigações em relação ao comendador começaram em julho de 2003 e culminaram na aprovação, em maio deste ano, do envio de uma carta rogatória ao Uruguai com 165 perguntas. Sobre se a autorização para o interrogatório teria sido a motivação de Antero para encerrar os trabalhos, Mentor respondeu que "quem tem que responder sobre isso é ele", mas defendeu a necessidade de concluir os trabalhos.
O Ministério das Relações Exteriores comunicou o acolhimento do pedido da CPI pela Justiça uruguaia à secretária nacional de Justiça, Cláudia Chagas, na última sexta-feira. Esse deve ser mais um argumento usado pelo PT para requerer a reabertura da CPI. Já foi encaminhado recurso à Mesa Diretora, e o relator ameaça entrar com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal.
"Esses relatórios são uma seleção pequena. O relator indiciou 91 pessoas, eu coloquei mais um pouco. Nem funcionando por 40 anos a CPI conseguiria investigar tudo", disse Antero pela manhã, antes de se tornar pública a informação sobre Arcanjo.


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