São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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TERRA SEM LEI/OUTRO LADO
Delegados reconhecem dificuldades para o trabalho e dizem ser necessário banco de dados nacional
Polícia pede força-tarefa e ajuda do Exército


DO ENVIADO ESPECIAL AO SUL DO PARÁ

Os delegados da Polícia Civil mais graduados no sul e no sudeste do Pará apóiam a idéia da criação de uma força-tarefa da Polícia Federal, com apoio da Polícia Civil e até do serviço de inteligência do Exército, para localizar e prender os acusados de crimes de pistolagem que têm contra si mandados de prisão decretados pela Justiça paraense.
Os superintendentes da Polícia Civil nas duas regiões, Hélcio Dantas (sudeste), 51, e Luiz Antonio Ferreira (sul), 34, respondem por 36 municípios, com população estimada em 1 milhão de habitantes. No entanto, apenas 20 dessas cidades têm uma delegacia de Polícia Civil -as outras são atendidas por destacamentos da Polícia Militar. Essas 14 cidades sem delegados também não têm juízes de Direito.
Os delegados reconhecem que não há um banco de dados atualizado sobre mandados de prisão que aguardam cumprimento. A única delegacia especializada em capturas funciona em Belém (PA). A superintendência do sul, localizada em Redenção (PA), fica a cerca de 1.000 km de Belém.
Sem um controle dos mandados, Dantas e Ferreira não sabem dizer nem mesmo o número de ordens de prisão a serem cumpridas, porque muitas já não têm valor jurídico.
"Não tenho condições de dizer se são cem, 200 ou 300 mandados [ativos]", disse Dantas.
Os mandados perdem a validade ou porque houve uma nova decisão judicial ou porque já foram cumpridos em outro lugar e a medida acabou não sendo informada à Polícia Civil da região.
"É necessário um banco de dados nacional, atualizado, com acesso às fotografias das pessoas", disse Dantas. O colega Ferreira concorda: "Quem emite o mandado não é o delegado, é o juiz. Deveria haver uma central nacional para onde o juiz poderia remeter cópia desses mandados".
Os dois delegados também concordam que a principal característica em prol de uma força-tarefa federal é a possibilidade de fazer buscas em vários Estados ao mesmo tempo -o campo de atuação da Polícia Civil é restrito ao próprio Estado.
"Tem pistoleiros que vêm do Nordeste, de Mato Grosso, do Maranhão, matam e vão embora", disse Dantas. "O crime caminha no Brasil todo", diz Ferreira.
O delegado responsável pelo policiamento no sul aponta um outro papel que o Exército poderia exercer nas duas regiões: realizar um levantamento sobre a situação fundiária de toda a região.
Segundo ele, muitos dos conflitos no campo poderiam ser evitados se o poder público conseguisse definir com antecedência e sem dúvidas a quem pertence a área, quem tem o direito de ocupá-la. Há muitas terras sem títulos ou com títulos "podres", fajutos, o que acaba tornando-as foco de disputas entre os supostos donos e trabalhadores rurais sem terra que reivindicam as propriedades.
Segundo o delegado, o governo federal deveria também fazer levantamentos rotineiros sobre a situação dos que estão na terra, checar sua documentação pessoal.
Para explicar o não-cumprimento dos mandados, os delegados também mencionam a geografia do Estado. "A área é muito vasta, há muitas fazendas, muitas áreas de mata, com estradas vicinais intransitáveis", disse Ferreira. Segundo ele, a situação tem melhorado, o déficit de policiais foi reduzido nos últimos dois anos e os veículos usados policiais estão em bom estado.
Procurado, o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), não foi localizado para falar sobre o assunto. Segundo sua assessoria, desde a última segunda-feira ele está na França, para participar de um evento cultural sobre as potencialidades econômicas do Brasil. A viagem deverá se estender até o final desta semana.
A assessoria de comunicação da Secretaria Especial de Defesa Social do Pará (equivalente à Secretaria de Segurança Pública em outros Estados) informou que o secretário, Manoel Santino, somente deverá se manifestar a respeito da reportagem na segunda-feira.
A assessoria foi procurada na quinta-feira e na sexta-feira. Na quinta, o secretário estava em viagem a trabalho, No dia seguinte, informou que só atenderia na segunda-feira, tendo sido informado sobre o teor da reportagem.
O juiz federal de Marabá, Francisco de Assis Garcês Castro Júnior, 36, que determinou a prisão do líder do assentamento em Tucuruí (PA) Ademar Ribeiro de Souza, afirmou que o detento responde a quatro processos relacionados aos protestos contra o Incra. O juiz reconheceu que Souza havia pedido proteção da Polícia Federal para depor, após ter sofrido um atentado a bala. Mas, segundo o magistrado, Souza foi preso fora do assentamento, perto da sede do Incra em Marabá. Para Castro Júnior, isso demonstraria que Souza poderia ter se ausentado do assentamento para comparecer às audiências na Justiça Federal, se quisesse.
Segundo o advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra), José Batista Gonçalves Afonso, 40, defensor de Souza, ele só decidiu sair do assentamento porque estava acompanhado de dezenas de trabalhadores rurais que foram participar de uma audiência no Incra, em Marabá. (RV)


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