MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA

Indícios de fraude no cadastramento eleitoral podem comprometer o resultado das próximas eleições municipais, em outubro de 2004. Esses indícios foram reconhecidos nos últimos dias pela Justiça Eleitoral em resposta a pedido de investigação que aponta 30 municípios no país com mais eleitores que habitantes.
A lista chega a 142 municípios quando contabilizados aqueles cujo eleitorado supera 90% do número de habitantes, num flagrante atentado à lógica matemática: como menores de 16 anos não podem votar e pessoas idosas ou analfabetas só votam se quiserem, pelo menos três a cada dez moradores de determinado município não são eleitores.
"Tenho a suspeita de que, em grande parte, a fraude está presente", comenta o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Sálvio de Figueiredo. "O quadro de anomalia exige medidas excepcionais."
Entre as providências, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) estuda rever o eleitorado em 1.304 municípios -mais de 20% do total-, onde pelo menos oito a cada dez moradores são eleitores.
O objetivo é tentar conter fraudes na eleição de 2004. Mas o projeto ainda enfrenta um obstáculo: falta de verba no Orçamento. "Vamos ter de correr para arrumar dinheiro, os processos terão de ser aprovados um a um", completou o corregedor. A falta de dinheiro vem sendo apontada como argumento pela Justiça Eleitoral para tolerar distorções no eleitorado já há algum tempo.
Em 2001, uma circular do TSE impôs uma interpretação mais elástica da Lei Eleitoral, editada quatro anos antes e que determinava a revisão ou pelo menos a verificação do eleitorado toda vez que ultrapassasse a marca de 65% da população, considerada então um padrão de normalidade.
Segundo dados do TSE, a média nacional para a relação entre eleitorado e população é de 67,84%. O limite de tolerância fixado pelo TSE é de 80% nessa relação. Uma revisão geral do eleitorado, que eliminasse por completo os indícios de fraude, está fora dos planos do tribunal.
Neste ano, já foram autorizadas revisões do eleitorado em 164 municípios do país, a partir de pedidos feitos por tribunais regionais.

Pesquisa nacional
O recadastramento do eleitorado é a solução apontada pelo deputado Rubens Otoni (PT-GO), autor do pedido de investigação protocolado no TSE depois do Carnaval. O deputado levou ao tribunal o levantamento que cruza dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre população dos municípios com os dados do eleitorado do próprio tribunal.
"Há uma flagrante prova de fraude do processo eleitoral", insiste o deputado. A principal explicação que ele oferece para o fenômeno é a transferência irregular de eleitores para municípios menores feita por políticos em busca de mandato.
No ato do alistamento ou da transferência dos títulos, os cartórios costumam pedir comprovante de residência, como conta de luz ou de água. Mas poucos são os cartórios que vão conferir.
A liberalidade da Justiça Eleitoral já levou a excessos no passado. Dez anos atrás, um processo de revisão do eleitorado provocado pelo mesmo deputado Rubens Otoni corrigiu, no município goiano de Nova Veneza, um caso tido como escandaloso: eram 7.000 eleitores contra 6.500 moradores; 300 deles davam um mesmo endereço como moradia, outros se diziam moradores de andares altíssimos numa cidade onde são raros os sobrados.
Assim como sobram eleitores em algumas cidades, faltam em outras. É o caso de Águas Lindas de Goiás, onde os eleitores não chegam a um a cada três moradores. Segundo o deputado, em uma cidade como Bora (SP), com 795 habitantes, cem votos elegem um vereador. Em Bora, há 1.077 eleitores registrados. "Se você tirar 150 eleitores de SP, não faz diferença, mas se esses eleitores chegarem a uma cidadezinha do interior paulista elegem dois vereadores, sem contar o prefeito."


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frases
Índice