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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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ELIO GASPARI

Como pegar prefeito ladrão

A turma que botou o prefeito de Ribeirão Bonito (SP) na mesma cela onde estão o médico pedófilo e o esquartejador da ex-namorada aprontou outra. Redigiram um manual anti-roubalheira. Chama-se "O Combate à Corrupção nas Prefeituras".
A turma de Ribeirão Bonito, composta por cinco meninos que se educaram na cidade e se tornaram sessentões bem-sucedidos ou felizes, gastou menos de um ano atrás do prefeito Antonio Sérgio de Mello Buzzá. Com o socorro do Ministério Público, depuseram-no em abril passado e obrigaram-no a se esconder. Fizeram tanto barulho que o foragido foi achado em Rondônia numa região de influência do narcotráfico. Nessa turma de vingadores da Viúva estão o atual presidente da Alcoa, Josmar Verillo, e o consultor Antoninho Trevisan. Todos formaram a Associação dos Amigos de Ribeirão Bonito, a Amarribo.
A turma viu-se solicitada a contar como agiu e até hoje tem gente achando que prevaleceram porque tinham um pé no andar de cima. A cartilha mostra que a felicidade está ao alcance de todos. Com a ajuda de patrocinadores (Klabin, Fiesp e Petrapak) botarão na rua 10 mil exemplares do manual. O texto já está na internet e, no dia 15, a versão impressa será lançada numa breve cerimônia.
A partir da cartilha da Amarribo, pode-se montar uma rede para caçar prefeito ladrão. Seus indicadores são mais precisos para avaliar a conduta da administração em cidades pequenas. Mas seus princípios gerais valem tanto para Guaribas como para São Paulo.
Quem quiser caçar prefeito ladrão pode examinar dez itens de sua conduta. São os seguintes:
1) A declaração de bens apresentada pelo prefeito tem valores aparentemente exagerados em obras de arte, ouro, papéis ao portador ou gado. Podem ser bens-sabonete. Lavam qualquer coisa.
2) O prefeito é acusado de ter favorecido uma empresa, e ela foi formada pouco antes de sua posse. É quase certo que a suspeita seja procedente.
3) O prefeito ou pessoas de sua família apareceram com carros novos. Conferindo a placa no Detran, descobre-se que o dono do veículo é um desconhecido ou um conhecido fornecedor. Já se viu caso em que o carro da filha do prefeito estava em nome do açougueiro que vendia gasolina à prefeitura.
4) Prefeitura corrupta adora nota fria. Verifique se a empresa fornecedora ou prestadora de serviços à prefeitura realmente existe. (A cartilha ensina como.) Confira também a existência da gráfica que imprimiu o talonário da nota fiscal que a empresa usou para cobrar à prefeitura. Desconfie de notas com diagramação simples. Desconfie muito de notas fiscais de empresas diferentes com diagramação semelhante. Muitas vezes são ramos de uma mesma quadrilha.
5) A prefeitura faz muitas despesas com valores próximos a R$ 8.000. Esse é o gasto que pode ser feito sem licença de ninguém. Desconfie também de compras com valores próximos a R$ 80 mil. É o teto de despesas permitidas sem que se faça licitação.
6) O prefeito afixa diariamente o movimento do caixa da prefeitura na véspera? Se não faz, desconfie. Desconfie mais se ele não dá publicidade ao balancete mensal.
7) Se a prefeitura paga muitas contas com cheques sem cruzamento, o golpe é manjado. Alguém quer permitir o saque na boca do caixa.
8) Quando o cardápio da merenda escolar muda disparatadamente e a prefeitura exige produtos esquisitos nas suas cestas básicas, o cidadão está diante de um sinal de licitações viciadas. Já houve comissão de licitação pedindo ervilha com molho de tomate.
9) Deve-se desconfiar se o prefeito organiza muitas festas populares. Muitas quadrilhas já usaram o pagamento de promotores culturais e de cachês de artistas para maquiar recursos surripiados.
10) Prefeito ladrão não gosta de mostrar contas. Isso não significa que todos os prefeitos que não gostam de falar nas suas contas sejam ladrões, mas justifica a suspeita. Pedir as contas é sempre um bom remédio.
A cartilha está no seguinte endereço: http://www.amarribo.com.br

A empreiteira estourou o prazo e o custo

Bateu à porta da diretoria da Petrobras o velho pepino do contrato com prazo vencido e custo estourado.
Em 1999 a grande empreiteira americana Halliburton, ajudada por uma trading japonesa, ganhou a concorrência para a construção de dois navios de produção de petróleo para a bacia de Campos. Ambos deveriam ficar prontos no primeiro semestre de 2002, um para a área chamada de Barracuda e o outro para a de Caratinga. Coisa de US$ 2,5 bilhões.
A Halliburton diz que a Petrobras alterou os projetos. O prazo venceu e os navios não chegaram. Na quarta-feira, depois de mais de um ano de pleito, bateu na avenida Chile o doutor David Lesar, diretor-geral da Halliburton. A empresa teve como seu principal executivo, durante seis anos, o atual vice-presidente dos Estados Unidos, Richard Chenney, e hoje está na lista dos recon$trutore$ do Iraque.
Lesar foi antecedido por uma carta, na qual a Halliburton pede à Petrobras que seja dispensada da multa contratual por um atraso de 20 (ou 18) meses. Pede também que a Petrobras lhe pague em torno de US$ 500 milhões por conta das modificações que fez nos projetos dos navios.
Quem já contratou um marceneiro para fazer um armário e mexeu no desenho sabe a encrenca que é a renegociação do preço e do prazo. Para azar da atual diretoria da Petrobras, houve situações em que mudanças de prazos e custos de suas encomendas serviram de enredo para tenebrosas transações.
Ao tempo em que a Petrobras foi presidida por Philippe Reichstul e Francisco Gros, o pleito da Halliburton foi rebatido.
No seu estágio atual, há um grupo de gerentes estudando o pedido de dispensa da multa. No caso do adicional de US$ 500 milhões, o contrato prevê que o pleito seja submetido à arbitragem de peritos internacionais. O melhor que as duas empresas têm a fazer é mostrar suas cartas ao público. A luz do sol é o melhor detergente.

Só a sério

Do senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, pronto para discutir com o governo a reforma tributária:
"Discuto projetos, quantas vezes quiserem, durante o tempo que quiserem. Não discuto rascunhos nem converso sobre vagas idéias".

Risco simpático

Mudou o capitão do time americano nas relações diplomáticas com o Brasil. Saiu Otto Reich e entrou Roger Noriega como secretário de Estado assistente para assuntos interamericanos.
Quem conhece os dois garante: "Noriega é muito mais afável que Reich. Se eu fosse o Lula, preferiria brigar com o Reich do que concordar com o Noriega".
Tanto para Reich como para Noriega (e para George W. Bush) o centro da política dos Estados Unidos para a América Latina passa por Havana.

Bagunça tributária

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, deve estar ansioso para colaborar com o projeto de reforma tributária do governo. Como o projeto ainda não existe, poderia começar cuidando da arrecadação de tributos no seu pedaço do latifúndio.
O restaurante do Anexo 4 da Câmara não emite nota fiscal ao cobrar pela comida que vende. Fornece aos fregueses um comprovante sem qualquer valor fiscal. Quem quiser nota fiscal deve pedi-la. Nesse caso, é pronta e corretamente atendido.
Três funcionários da Receita Federal surpreenderam-se na terça feira ao verem que a Casa onde se pretende votar uma reforma nos cálculos dos impostos da choldra não arrecada direito os tributos que estão em vigor. A conta era de R$ 60.
Em benefício dos concessionários do restaurante, raras são as casas de pasto de Pindorama que dão nota fiscal quando cobram a conta.

Lula e Kennedy

Lula bateu a marca das 30 horas com suas três reuniões de ministério e sua assembléia geral de governadores. Pode-se estimar que essa seja a soma das horas que John Kennedy passou reunido com sua equipe durante os 13 dias, em 23 encontros, na crise dos mísseis soviéticos guardados em Cuba no final de 1962. Nenhuma reunião de Kennedy chegou a três horas de duração. Acredita-se que, depois da segunda hora, qualquer reunião perde produtividade. A crise dos mísseis, durante a qual o mundo esteve com um pé na guerra nuclear, terminou com a saída dos foguetes russos e o compromisso americano de não invadir a ilha. Das 32 horas de reunião de Lula ainda não se sabe o resultado.

ENTREVISTA

Cristiano Escobar Maia

(27 anos, autor de "A Nossa Geração Perdida", publicado pela Universidade do Vale do Itajaí)

-Seu livro é uma reflexão sobre a obra de Renato Russo. As músicas dele estão voltando às lojas. Quanta falta ele faz?
-O Renato Russo morreu em 1996, e uns dois anos depois ele começou a sumir das lojas e da programação das rádios. Foi uma pena, porque poucos compositores falaram aos jovens de sua época como ele. Depois que Renato saiu da Legião Urbana, nenhuma outra banda falou à alma dos jovens com a força que eles tiveram. Agora talvez se esteja vendo que ele fala também aos jovens de hoje. Ele compôs "A Canção do Senhor da Guerra", falando da guerra santa, guerra quente, morna ou fria, dos generais que mandam a juventude para a morte e acham que Deus sempre está ao lado do vencedor. Na hora em que a Danuza Leão fala em parar de tomar Coca-Cola, vê-se a permanência da geração Coca Cola. O Renato Russo fazia uma música que parecia típica dos jovens de classe média dos anos 80, sem emprego nem destino na vida. Estamos em 2003 e a geração de jovens de hoje está numa situação muito parecida. Veja o que o Renato Russo escreveu:

"Você é tão moderno
Se acha tão moderno
Mas é igual a seus pais
É só questão de idade
Passando dessa idade
Tanto fez e tanto faz".

-Gerações perdidas?
-A geração do Renato foi menos crítica que a anterior. Não conviveu com a ditadura. É uma geração que não teve messianismo, não correu atrás da utopia nem passou pelo fascínio revolucionário da que a antecedeu. Em compensação, ela muda a vida a cada dia. A geração seguinte à do Renato é parecida com a dele, e é isso que dá atualidade às suas canções. Ele mostrou o perfil de uma geração urbana e fez, como poucos, música urbana. Ele compôs para um outro tipo de cabeça, que nada teve a ver com a dos anos 60. Veja a mobilização da juventude contra a guerra. Tem muita gente que busca nas imagens de hoje um eco de 1968. Não tem isso. Nos anos 60 havia, junto com as manifestações pacifistas, um desejo de transformação da sociedade, de revolução. Hoje isso não existe, as pessoas não querem uma nova ordem, querem apenas melhorar a ordem que está aí, em paz. Tipo "que se dane o futuro".

-De qual parte da obra de Renato Russo se deveria ir atrás?
-A primeira fase, do álbum "Que país é este", com sua batida meio punk. É um álbum incrível. Tem "Faroeste Caboclo", falando da vida de um nordestino em Brasília. Uma música de nove minutos, que estourou nas rádios em 1988. Tem também a canção "Tédio", onde o Renato Russo diz:

"Moramos na cidade, também o presidente
E todos vão fingindo viver decentemente
Só que eu não pretendo ser tão decadente, não
Tédio, com um T bem grande pra você
Andar a pé na chuva, às vezes eu me amarro
Não tenho gasolina, também não tenho carro
Também não tenho nada de interessante pra fazer.
(...)
Se eu não faço nada, não fico satisfeito
Eu durmo o dia inteiro e aí não é direito".


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