São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

O FMI foi um bodeempulhador

Na hora em que o governo brasileiro se despediu da tutela do FMI, vale a pena revisitar as preciosas empulhações impostas aos nativos por burocratas cosmopolitas que arruinaram a Ásia, destruíram a Argentina e produziram 20 anos de mediocridade econômica na América Latina.
Na semana passada, no meio de um relatório que louvava a gestão econômica de Lula, o Conselho Diretor do Fundo soltou uma farpa: "A relação da dívida pública líquida com o PIB caiu de 66,5% no final de 2002 para 54,5% no final de 2003. (...) Os diretores apontaram que, apesar desses êxitos, permanecem algumas vulnerabilidades e desafios. (...) A dívida pública continuava alta, sensível às condições financeiras globais".
Conversa antiga. Em abril de 2002, no amanhecer da crise financeira provocada pelo medo que a banca tinha do PT e pela malandragem de alguns operadores, um diretor do FMI (Claudio Loser) apontava para a "grave" vulnerabilidade provocada pelo tamanho da dívida externa brasileira, que correspondia a 10% do total dos papagaios mundiais. A dívida é uma espécie de saída de emergência para os doutores. Dizem que está tudo bem, mas apontam para o velho problema. Se a vaca for ao brejo, dizem que avisaram.
A relação da dívida pública com o PIB é um indicador poderoso. Algo como a relação da dívida de uma família com a soma dos seus rendimentos anuais. O tucanato torrou o patrimônio da Viúva dizendo que usaria o dinheiro arrecadado nas privatizações (US$ 105 bilhões) para abater a dívida pública. Conseguiu dobrá-la. De acordo com uma previsão de 1995, quando a relação dívida/ PIB estava pouco acima de 30%, em 2000 ela cairia para uns 15%. Veio o novo milênio, e a relação subiu para a casa dos 50%. Desde 1995, os sábios do fundo e a ekipekonômika endossaram pelo menos sete cenários. Sempre prometeram menos dívida e, por conta disso, juros mais baixos. Entregaram mais juros e mais dívida. Inibiram a produção e cevaram uma casta de especuladores financeiros.
Não fizeram isso porque são malvados. O estudo dos desastres do FMI pelo mundo afora mostra que essas coisas acontecem sobretudo por incompetência. Incompetência dos técnicos do fundo, que temem os mandarins de Washington, e dos sábios locais, que atrelam sonoras doutrinas econômicas a vulgares interesses municipais. (A manutenção do dólar de R$ 1,20 durante o ano eleitoral de 1998 foi o mais grosseiro exemplo de manipulação e ruína da economia de um país para atender um propósito político: a reeleição de FFHH.)
Felizmente, boa parte das lambanças dos sábios de Washington estão nos jornais porque o fundo organizou um excepcional trabalho de análise de suas políticas. Uma espécie de psicanálise de instituição que produziu primorosos relatórios.
O fim do acordo com o FMI tirará o bode do cenário econômico nacional. Perderá eficiência a manobra de soprar coisas nos ouvidos dos técnicos do fundo para obter muxoxos em Washington, desconfiança em Nova York e prestígio no Planalto. Como diria Lula, todo mundo terá que andar com as próprias pernas, até mesmo os doutores que disputam a bola em Brasília contando com o apito dos Estados Unidos.


Texto Anterior: Outro lado: Em nota, ministro afirmou não ter relação com dívida
Próximo Texto: Responsabilidade fiscal: Palocci justifica irregularidade de Marta com Reluz
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.