São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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ELIO GASPARI

A revolução econômica do andar de baixo


Há no mundo um mercado com 1 bilhão de novos consumidores e no Brasil eles são 120 milhões

O BOSTON Consulting Group apresentou uma idéia à praça: há 1 bilhão de novos consumidores prontos para serem atendidos pela economia mundial. A maior parte desse mercado está na China, na Índia e no Brasil. Ele começa logo acima da linha da pobreza e acaba no início da classe média. São pessoas que estão fora do radar de muitas companhias e deverão provocar mudanças na economia mundial. Pode-se arriscar que sejam semelhantes às que ocorreram na Europa nas duas décadas seguintes ao fim da Segunda Guerra.
No Brasil, esse mercado tem 120 milhões de fregueses, com renda familiar inferior a R$ 1.200 mensais. Eles produzem perto de um terço da renda nacional e ficam com metade do consumo, cerca de R$ 200 bilhões anuais. Uma família típica gasta 78% do que recebe em casa, comida, transporte, saúde e telefone. Sobram 22% para ir às compras.
No topo do grupo, o excedente chega a 50% da renda. É um dinheiro que começa a mudar o perfil da produção nacional.
De cada 10 brasileiros que fazem parte desse mercado, 6 trabalham na informalidade e 8 recebem seus pagamentos em dinheiro. Mesmo assim, gastam R$ 28 bilhões por ano com prestações e 1 em cada 2 acredita que poupará mais no ano que vem.
Esses brasileiros estão um pouco melhor que os europeus do início da segunda metade do século passado. Como as coisas por lá foram de bom a melhor, aconteceram situações incríveis. Em 1950, na Alemanha, venderam-se 900 mil pares de meias de náilon para mulheres. Quatro anos depois, as alemãs compraram 58 milhões de pares de meias. A explosão do consumo europeu levou o escritor comunista Roger Vailland a dizer que os franceses não precisavam de geladeiras, um "símbolo da mistificação" americana.
"Nova classe média", "turma do bilhão", "neo-emergentes" ou seja qual for o nome que se dê ao fenômeno, ele está aí para mudar muita coisa.
Não é à toa que grandes empresas começaram a mergulhar na periferia das grandes cidades e que o Banco Azteca (capitais mexicanos) abriu no Recife sua primeira agência sem exigência de renda para abrir conta, nem cobrança de tarifas. Ele opera acoplado a uma loja de móveis e aparelhos domésticos.
Do ponto de vista dos negócios, quem não olhar para o andar de baixo ficará com um mico. Do ponto de vista político, seria muito simples supor que essas famílias são devotas de Nosso Guia. Podem não ser, mas foi no governo de Lula que o crédito se expandiu e sobrou mais salário no fim do mês.

POSTE GANHA ELEIÇÃO, TUDO DEPENDE DO DONO

Contribuição para o debate da "teoria do poste", segundo a qual Nosso Guia não conseguirá converter sua força eleitoral em votos para outro candidato.
O grande poste foi o general Henrique Lott, apoiado pelo governo na eleição de 1955 e derrotado pelo oposicionista Jânio Quadros. A comparação é trapaceira. Juscelino Kubitschek não jogou seu destino político na eleição de Lott. JK comprou o poste, mas não o carregou.
À falta de bom precedente em eleição presidencial, nos Estados e nos municípios o poste tem outra cara.
Em São Paulo, os governadores Adhemar de Barros (1950), Jânio Quadros (1958) e Orestes Quércia (1966) elegeram os postes Lucas Garcez, Carvalho Pinto e Luiz Antonio Fleury. Em 1996, Cesar Maia elegeu Luiz Paulo Conde para a Prefeitura do Rio e Paulo Maluf colocou Celso Pitta na de São Paulo.
Na Bahia, ACM elegeu três postes (João Durval, Paulo Souto e César Borges), mas perdeu duas eleições, uma para Waldir Pires e outra para Jaques Wagner.
A probabilidade de vitória do poste está diretamente relacionada com o interesse do pajé na sua eleição. É aí que mora a dúvida. Lula carregará o poste, ou fará como JK?

COMISSÁRIA DILMA
Quem ouviu a ministra Dilma Rousseff no jantar do Iedi de 20 de fevereiro, numa sala reservada do restaurante DOM, em São Paulo, não teve a menor dúvida: ela informou que o governo estava coletando dados para incriminar o governo de FFHH na farra dos cartões corporativos.
Como já se passou mais de um mês, não é possível assegurar qual foi a palavra exata da comissária. Pode ter sido "coletando", "juntando" ou "levantando". O tom era policial. Quando Dilma mostrou seus poderes aos 30 industriais reunidos no DOM, a companheira Erenice Alves Guerra já havia reunido sua tropa de elite no Palácio do Planalto.

NOVAS BASES
Há municípios do Nordeste e de Minas Gerais onde a popularidade de Nosso Guia já rompeu a barreira dos 80%.

NINA
O governo da Irlanda resolveu maltratar os brasileiros que chegam àquele país. Caso para ser resolvido pela Polícia Federal, deportando meia dúzia de nativos daquela terra, com preferência para pessoas que trabalham no Brasil com vistos de turista. Pena que a Irlanda tenha se esquecido do tempo em que exportou algo como 5 milhões de miseráveis, derrubados pela fome e pela falta de trabalho. Esses batalhadores foram acompanhados pelo estereótipo de bárbaros, briguentos e bêbados.
Houve época em que estabelecimentos comerciais americanos punham cartazes nas sua portas informando: "Não aceitamos negros, irlandeses nem cachorros". As madames de Londres e Nova York anunciavam empregos domésticos com um código: "NINA" (No Irish need apply", "Irlandeses não devem se candidatar".)

GRANDE RUBI
Está nas livrarias "A Vida Louca de Porfirio Rubirosa, o Último Playboy". Rubi (1909-1965) foi um fascinante picareta, gigolô e vigarista. Sendo amigo do rei (o ditador dominicano Rafael Trujillo, com cuja filha esteve casado) fez do mundo sua Pasárgada, com as mulheres que quis, nas camas que escolheu.
O livro do jornalista Shawn Levy conta duas histórias. Numa, descreve os salões da grã-finagem onde Rubirosa brilhou, com sua anatomia discutida em cinco páginas definitivas. Noutra, mostra as conexões de um picaretaço latino-americano com milionários europeus, americanos e inclusive irlandeses, como os Kennedy. Lá está o falecido Instituto Brasileiro do Café molhando a mão de Igor Cassini, o colunista preferido de Jackie. O que poderia ser um livro mundano é uma arguta reportagem política de um tempo de grandes roubalheiras, lindas mulheres e fantásticas boates. Pena que Levy trate os milionários com uma ponta de rancor proletário. Não se pode deixar de admirar um homem capaz de dizer que "a ambição da maioria das pessoas é ganhar dinheiro, a minha é gastar".

TUNGA TARIFÁRIA
O governo decidiu segurar o preço da energia que vende aos grandes consumidores. Não faz isso só porque gosta deles mas também porque o megawatt-hora comprado a R$ 80 ajuda a baixar a inflação.
Essa filantropia transfere dinheiro do andar de baixo para o de cima. A patuléia, consumidora de energia nos relógios, paga de R$ 100 até R$ 800 pelo mesmo megawatt. Depois de pagar pela construção das hidrelétricas que produzem energia barata, a choldra se vê obrigada a financiar as térmicas do megawatt caro.


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