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MÍDIA
Edward Wasserman, especialista em ética na imprensa, participa na próxima semana do Fórum Folha de Jornalismo
Sigilo é problema dos tribunais, diz jornalista
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
A imprensa tem a obrigação de
conseguir e publicar informações
que são relevantes para o público.
Tribunais e autoridades que cuidem melhor de sigilos protegidos
pela lei: a função e os interesses da
imprensa são outros. A opinião é
de um especialista em ética jornalística, o professor Edward Wasserman, do departamento de jornalismo e comunicação de massa
da universidade Washington and
Lee, em Lexington, na Virgínia,
Estado vizinho a Washington.
Com seu colega do "Miami Herald" Andres Oppenheimer escreveu "Willful Blindness" (cegueira
deliberada, 2001), sobre práticas
corruptas de multinacionais na
América Latina, entre outros livros. Wasserman participa na semana que vem do Fórum Folha
de Jornalismo, ciclo de debates
que ocorre logo após a 26ª Conferência Anual da ONO (Organização de Ombudsmans de Notícias), este ano organizada com
apoio da Folha (leia abaixo).
Pai de quatro filhos, 57 anos, começou no jornalismo em 1972,
movido pelo caso Watergate:
"Achei que era uma maravilha
poder melhorar o mundo e escrever ao mesmo tempo". No Fórum, Wasserman participará do
debate sobre "Transparência e
Qualidade Jornalística". A seguir,
trechos de sua entrevista:
Folha - Quão independente e
transparente um ombudsman pode realmente ser?
Edward Wasserman - Há quatro
tipos de ombudsmans. O que
acha que seu trabalho é apresentar os leitores à Redação; o que
acha que é apresentar a Redação
aos leitores. O primeiro acredita
que sua função é quase a de um
"serviço ao assinante": então só
ouve as reclamações dos leitores.
O outro faz um trabalho de explicar aos leitores porque o jornal faz
o que faz, como faz -apresenta o
"programa do partido".
O terceiro faz um serviço de arbitragem, que balança entre as
funções dos dois primeiros. E há o
quarto, que funciona como um
supereditor. Faz críticas ao jornal
não sob a perspectiva do público,
mas sob a perspectiva do que o
jornal deveria fazer. Para mim, é o
tipo mais interessante, é o que escreve as colunas mais saborosas.
Folha - E deve ser jornalista?
Wasserman - Os melhores ombudsmans o são. Porque entendem e podem explicar melhor o
processo de fazer uma reportagem. Deixam claro -e não justificam- para o leitor o tipo de opções que um jornalista pode ter
quando está escrevendo sobre um
assunto. Assim, o leitor entenderá
a pressão do fechamento, as limitações de cada tipo de mídia em
que o repórter está operando.
Folha - E deve vir da Redação?
Wasserman - Se a idéia é que o
ombudsman seja independente,
sem medo de ser sabotado depois
ou de criar inimizades, é um problema. Os modelos mais interessantes da instituição do ombudsman são aqueles que trazem um
jornalista de outro veículo, por
um período de tempo específico,
de maneira que ele saiba que não
há motivos para ter medo enquanto está na função nem que
exerça sua função procurando ser
aprovado.
Folha - Por que, relativamente,
há tão poucos ombudsmans?
Wasserman - Falta de vontade
das organizações jornalísticas de
vigiar suas próprias práticas. É
preciso um líder visionário para
insistir em ter um ombudsman,
porque essa nunca vai ser uma
decisão popular. Ou então uma
série de desgraças e embaraços
públicos, como as pelas quais passou recentemente o "New York
Times", para forçar a empresa a
aceitar que precisa de algum tipo
de controle. Mas sempre há a desculpa do orçamento, que está sendo reduzido...
Folha - O que nos leva à pergunta
sobre a crise financeira por que
passa o negócio...
Wasserman - A imprensa tem de
entender que a demanda por informação nunca foi tão grande. A
crise não vem do fato de as pessoas subitamente decidirem que
não querem mais saber o que está
acontecendo no mundo ou nas
suas comunidades. Elas querem.
Faço uma analogia: há 50 anos,
aqui nos EUA, eram vendidos
cinco vezes mais ingressos para o
cinema do que em 2005, e a população era um terço da de hoje. Se
Hollywood estivesse no mercado
de vender ingressos, não haveria
mais indústria de cinema. Mas
eles descobriram que o negócio
deles era vender entretenimento.
Os jornais choramingam. O que
eles têm é um problema -como
encontrar um meio de chegar até
o público e satisfazer esse apetite.
Essas soluções imediatistas, de
cortar orçamentos, cortar jornalistas, são completamente autodestrutivas. A imprensa tem de
descobrir que está no negócio de
vender conteúdo, não papel.
Folha - O que o sr. acha que fere
mais a mídia a longo prazo: a falta
de credibilidade causada por escândalos como o de Jason Blair ou a
queda da circulação?
Wasserman - A questão da credibilidade é exagerada. As pessoas
sempre foram cautelosas em relação à imprensa e sempre entenderam que a mídia tem limitações.
Não é verdade que houve um
tempo em que as pessoas acreditavam cegamente e agora ninguém mais acredita.
A grande crise tem a ver com o
novo modelo econômico e com o
fato de a publicidade estar migrando para outros meios, como
a TV e, em menor grau, o on-line.
E o curioso é que o apelo da TV
não tem absolutamente nada a
ver com credibilidade. Ou você
acha que o anunciante acredita
mais no que ouve no programa
em que anuncia do que no que lê?
Folha - As relações entre o governo Bush e a imprensa são, no mínimo, tensas. Por quê?
Wasserman - Esse governo faz
parte de um movimento político,
e os movimentos políticos, diferentemente dos partidos políticos, tendem a ser muito intolerantes em relação às instituições
da sociedade que resistem às
pressões deles. É revelador que as
principais instituições da sociedade que receberam as críticas mais
ferrenhas desta administração foram o sistema judicial e a mídia.
As duas são baseadas em uma
ética profissional que exige tanto
a autonomia como a independência. Essa administração não tem a
menor paciência com instituições
que funcionem baseadas nas próprias regras.
Folha - Também no Brasil essa relação anda conturbada. A discussão atual é até que ponto seria ético trabalhar com informações resultantes de inquéritos judiciais e
policiais sobre a vida privada de
políticos ou resultantes da quebra
legal de sigilo fiscal, bancário e telefônico. O jornalista, em nome do
interesse público, pode solicitar
que as autoridades quebrem esse
sigilo ou repassem as informações?
Wasserman - Sim, desde que sejam relevantes para o interesse do
público e não envolvam aspectos
das vidas pessoais. Pessoais, não
privadas, pois se tratam de pessoas públicas. Quanto à maneira
com que foram obtidas, se respeitada a ética, é problema de quem
deixou vazar, não do receptor. Os
tribunais e as autoridades que
cuidem melhor de seu sigilo. A
função e os interesses da imprensa são outros.
Folha - Então, se a história é boa,
relevante para o público...
Wasserman - Sim. É um problema. Onde botar o limite? A imprensa tem a obrigação de conseguir e publicar as informações
que são relevantes para o público.
Folha - É assim aqui?
Wasserman - Há, nesse momento, muito medo nas Redações de
sofrer um processo. Então a imprensa reluta mais em publicá-las
hoje do que há alguns anos. E não
sei se isso é bom.
Folha - Uma revista semanal brasileira recebeu, provavelmente do
governo ou de políticos governistas, e publicou a informação sobre
o sigilo bancário de um caseiro que
havia desmentido depoimentos ao
Congresso do então ministro da Fazenda. O que o sr. faria nesse caso?
E a revista "Time"?
Wasserman - Acho a história fascinante e a teria publicado. Não
sei se a "Time" ou a "Newsweek"
fariam isso, mas não porque estas
sejam melhores. Quanto a divulgar a fonte, depende do acordo
feito. Se a revista prometeu sigilo,
deveria respeitá-lo até o fim. Se o
sigilo foi rompido por outras publicações, ainda assim a revista
em questão deveria ter uma autorização da fonte para o seu caso
específico para revelá-la.
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