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ARTIGO
Professor doutor Frias
Nunca tinha conhecido um indivíduo tão poderoso e, ao mesmo tempo, tão desprovido de vaidade. Suspeito que a escassez de vaidade se devia a uma abundância de curiosidade
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
AINDA não eram 8h, eu
estava sozinho na Redação da Sucursal da
Folha em Brasília, o telefone
tocou e a secretária, com voz
esbaforida, alertou-me de
uma invasão: um indivíduo
desconhecido resolveu entrar sem se apresentar.
"Você acha que eu devo
chamar alguém para expulsá-lo?", perguntou. Antes
que eu pudesse responder, o
intruso estava bem à minha
frente. Era o senhor Frias,
que tinha um encontro matinal com alguma autoridade
e, sem aviso, passou antes na
Redação. A secretária não fazia a menor idéia de que ela
tinha falhado (sorte dela) em
tentar barrar a entrada do
dono em seu próprio jornal.
A secretária não tinha culpa. Ele era avesso a publicidade, quase nunca sua foto
era publicada. Não se considerava personagem nem notícia. Muita gente na Folha
não passaria pelo teste; no
elevador, via como muitos
funcionários não sabiam
quem era aquele senhor.
Desde que vim para São
Paulo e me instalei no nono
andar, onde o Frias tinha sua
sala, pude conhecê-lo de
perto. Nunca entendi direito
se ele não tinha a noção exata do tamanho da sua obra
empresarial.
Ou, se tinha, não a considerava importante. Nunca
tinha conhecido um indivíduo tão poderoso e, ao mesmo tempo, tão desprovido
de vaidade. Garanto que eu
teria flagrado a falsa humildade tantas foram as conversas informais durante tanto
tempo em salas fechadas,
sem testemunhas.
Suspeito que a escassez de
vaidade se devia a uma
abundância de curiosidade.
Nos seus 90 anos, Frias parecia um menino quando lhe
contavam uma novidade.
Era chamado a acompanhá-lo em visitas que recebia,
muitas delas vinham tratar
de assuntos técnicos e, confesso, chatíssimos. De repente, ele engatava na conversa, seus olhos brilhavam,
fazia perguntas e mais perguntas. Era o prazer do novo, só isso. Essa curiosidade
compulsiva talvez lhe dissesse que viver é uma aventura
infinita na sua capacidade de
produzir surpresas, o que o
faria sentir, nesse jogo, apenas um fragmento, no qual a
glória é perecível.
Frias não gostava que o
chamassem de doutor. Por
isso, era sempre "seu" Frias.
Mas, por causa de sua curiosidade combinada com uma
aguda intuição, sabíamos de
seu faro de grande repórter,
autor de furos anônimos. Ou
de sua capacidade de perceber, à frente, tendências. Impossível não aprender com
ele e não encará-lo como um
professor doutor.
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