São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2007

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ARTIGO

Professor doutor Frias

Nunca tinha conhecido um indivíduo tão poderoso e, ao mesmo tempo, tão desprovido de vaidade. Suspeito que a escassez de vaidade se devia a uma abundância de curiosidade

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

AINDA não eram 8h, eu estava sozinho na Redação da Sucursal da Folha em Brasília, o telefone tocou e a secretária, com voz esbaforida, alertou-me de uma invasão: um indivíduo desconhecido resolveu entrar sem se apresentar.
"Você acha que eu devo chamar alguém para expulsá-lo?", perguntou. Antes que eu pudesse responder, o intruso estava bem à minha frente. Era o senhor Frias, que tinha um encontro matinal com alguma autoridade e, sem aviso, passou antes na Redação. A secretária não fazia a menor idéia de que ela tinha falhado (sorte dela) em tentar barrar a entrada do dono em seu próprio jornal.
A secretária não tinha culpa. Ele era avesso a publicidade, quase nunca sua foto era publicada. Não se considerava personagem nem notícia. Muita gente na Folha não passaria pelo teste; no elevador, via como muitos funcionários não sabiam quem era aquele senhor.
Desde que vim para São Paulo e me instalei no nono andar, onde o Frias tinha sua sala, pude conhecê-lo de perto. Nunca entendi direito se ele não tinha a noção exata do tamanho da sua obra empresarial.
Ou, se tinha, não a considerava importante. Nunca tinha conhecido um indivíduo tão poderoso e, ao mesmo tempo, tão desprovido de vaidade. Garanto que eu teria flagrado a falsa humildade tantas foram as conversas informais durante tanto tempo em salas fechadas, sem testemunhas.
Suspeito que a escassez de vaidade se devia a uma abundância de curiosidade. Nos seus 90 anos, Frias parecia um menino quando lhe contavam uma novidade. Era chamado a acompanhá-lo em visitas que recebia, muitas delas vinham tratar de assuntos técnicos e, confesso, chatíssimos. De repente, ele engatava na conversa, seus olhos brilhavam, fazia perguntas e mais perguntas. Era o prazer do novo, só isso. Essa curiosidade compulsiva talvez lhe dissesse que viver é uma aventura infinita na sua capacidade de produzir surpresas, o que o faria sentir, nesse jogo, apenas um fragmento, no qual a glória é perecível.
Frias não gostava que o chamassem de doutor. Por isso, era sempre "seu" Frias. Mas, por causa de sua curiosidade combinada com uma aguda intuição, sabíamos de seu faro de grande repórter, autor de furos anônimos. Ou de sua capacidade de perceber, à frente, tendências. Impossível não aprender com ele e não encará-lo como um professor doutor.


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