São Paulo, quinta, 30 de julho de 1998

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CELSO PINTO
O avanço da armada espanhola


O leilão da Telebrás consolidou o extraordinário avanço dos investimentos espanhóis no Brasil, que passam também pelo setor elétrico, de gás e financeiro. A armada espanhola veio para ganhar.
A Telefónica de España faz parte de um grupo de empresas interligadas. O Banco Bilbao Viscaya (BBV) tem 7% do capital da Telefónica, 10% do capital da Iberdrola (energia elétrica e telecomunicações) e 7% do capital da Repsol (petróleo e gás).
Ontem, a Telefónica e a Iberdrola arremataram a telefonia fixa da Telesp, por R$ 5,783 bilhões, a Tele Sudeste Celular, por R$ 1,36 bilhão e a Tele Leste Celular, por R$ 428 milhões. Um total impressionante de R$ 7,571 bilhões, dos quais 40% têm que ser pagos à vista, ou R$ 3,028 bilhões.
O grupo ficou com a telefonia fixa paulista, o filé do mercado, e as celulares do Rio, Espírito Santo e Bahia. A Telefónica já tinha o controle da CRT gaúcha, onde a Portugal Telecom participa com 20%.
Pelas regras da telefonia, os espanhóis terão que vender o controle da CRT. Os portugueses levaram a Telesp Celular, mas não têm telefonia fixa. Supondo que os portugueses se interessem em comprar o controle da CRT, a Península Ibérica poderá dominar a telefonia brasileira, graças aos acordos que já existem entre a Telefónica de España e a Portugal Telecom.
Nesse caso, os portugueses ficariam com a telefonia fixa gaúcha e celular paulista, enquanto os espanhóis ficariam com a fixa paulista e a celular carioca, capixaba e baiana. Em 2003, quando acabam as amarras, poderia haver um rearranjo de controles.
Mesmo sem considerar essa hipótese, é notável o avanço dos espanhóis. Além da CRT, a Iberdrola comprou as empresas elétricas da Bahia (Coelba) e do Rio Grande do Norte (Cosern). A Iberdrola, com a Repsol, levou as companhias de gás da cidade do Rio (CEG) e do Estado do Rio (Rio Gás). O BBV está concluindo a compra do Banco Exel-Econômico.
As compras dos espanhóis não devem parar por aí. Eles estão de olho em outras empresas elétricas do Nordeste (Pernambuco, Paraíba e Alagoas estarão à venda em breve), estão examinando a hipótese de entrar na geração de energia (a Gerasul deve ser vendida em setembro), são candidatos a comprar outras empresas de gás e de água e saneamento, quando forem privatizadas.
O capital espanhol está presente, também, através da Endesa, outra empresa na área de energia elétrica, que levou a carioca Cerj e a cearense Coelce. Na área financeira, o Santander comprou o Geral do Comércio e o Noroeste.
Como entender a invasão espanhola? É uma resposta estratégica à união européia. Os espanhóis não têm cacife para disputar alguns dos grandes mercados europeus e verão outros gigantes europeus brigando pelo seu próprio mercado. Como contrapartida, os grupos espanhóis decidiram conquistar o mercado latino-americano.
A Telefónica de España, é bom lembrar, comprou uma das duas grandes empresas telefônicas argentinas, a telefônica do Peru, a maior telefônica chilena (CTC) e tem uma participação de 7% na telefônica da Venezuela. O BBV e o Santander já dominam vários mercados financeiros latino-americanos; a Iberdrola e a Endesa controlam várias empresas elétricas.
Tomada a decisão estratégica, o grupo Telefónica/Iberdrola/BBV começou a montar a viabilidade financeira de sua consolidação no Brasil há vários meses. Em maio, a Telefónica levantou quase US$ 3 bilhões numa emissão de ações na Espanha. Em junho, a CTC chilena lançou US$ 600 milhões em ações. A telefônica do Peru emitiu US$ 250 milhões em títulos de renda fixa e a argentina US$ 400 milhões.
A "holding" da Telefónica na CRT gaúcha, por sua vez, vendeu 7% do capital para o BBV, 7% para a Iberdrola e 20% para a Portugal Telecom, um total de US$ 400 milhões. Algo como US$ 4,6 bilhões em recursos levantados por várias empresas do mesmo grupo.
A Espanha passa por um excelente momento em seu mercado acionário, que subiu 45% este ano. O mercado internacional continua muito difícil para colocação de papéis de países emergentes, mas há boa receptividade para financiar empresas européias interessadas em comprar ativos latino-americanos.
Se tudo der certo, a médio prazo a Bolsa da Espanha vai acabar sendo o mercado de negociações de ações dessas empresas latino-americanas, lançando os Spanish Depositary Receits (SDR, equivalentes aos ADRs americanos). Com a união das Bolsas de Londres e Frankfurt, a Bolsa espanhola perdeu lugar na Europa unificada. Quer se habilitar a ser o centro europeu de negociação de ações latino-americanas.
Preços na lua
Os preços de venda de muitas empresas da Telebrás superaram as expectativas e os parâmetros internacionais. No caso da telefonia fixa, empresas internacionais têm sido negociadas a um valor equivalente a US$ 2.000 a US$ 3.500 por cliente. A Telesp fixa foi vendida pelo equivalente a US$ 7.400 por cliente e a Tele Norte Leste a US$ 4.000, nos cálculos de um banco de investimentos.
No caso das celulares a diferença é ainda mais espantosa. A britânica Orange, considerada uma das mais caras do mundo, é negociada ao equivalente a US$ 6.000 por cliente. A Telesp Celular foi vendida a US$ 16.500 por cliente, a Sudeste a US$ 16.100 por cliente, a Telemig a US$ 9.000, a Sul a US$ 11.000. Considerando outro parâmetro, a Telesp saiu por US$ 680 por habitante de sua região e as outras saíram acima de US$ 400.
É claro que, no caso da Telebrás, o valor das empresas como um todo é uma extrapolação do preço pago por 15% dela. Ou seja, com 15% o comprador ficou com o controle do ativo total e dos ganhos sobre eles. Se tivesse que pagar por 100% da empresa, o ágio certamente seria menor. Ainda assim, os prêmios superaram todas as projeções.




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