São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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EXUBERÂNCIA ELEITORAL

Os iguais, os normais e o mercado

VINICIUS TORRES FREIRE

Todo o mundo mais ou menos letrado ou informado já ouviu alguma versão da história de que o grande eleitor do Brasil de hoje é o mercado. Gente como o ex-megacorsário das finanças George Soros e Joseph Stiglitz, Nobel de Economia e ex-sultão da burocracia econômica globalizada, nos informou desse nosso destino, como Mercúrios globalizados -Mercúrio, o mensageiro dos deuses na Roma antiga, aliás também o deus do comércio e dos ladrões.
É tudo verdade? O eleitor não é necessariamente manipulável ou suscetível a terrorismos que pretendem impingir um candidato em troca da "governabilidade" ou por meio da ameaça de "argentinização" do país, como quis fazer tolamente o governo FHC.
Mas o mercado como grande eleitor é no mínimo uma boa metáfora. A combinação de abertura econômica (que, em si, é boa), a gestão econômica ruinosa de FHC-Pedro Malan e a crise mundial restringem de fato as opções de política macroeconômica dos candidatos a presidente. Macroeconômico: o que diz respeito a taxa básica de juros, inflação e gastos do governo, basicamente.
Seja para fazer média com o mercado, seja por acreditar em políticas mais ortodoxas, seja apenas por bom senso básico ou por outro motivo qualquer, os candidatos ficaram muito parecidos. O país deve muito e não tem dólares bastantes para pagar suas contas externas. Vai ter de economizar e crescer pouco a princípio, para ver se consegue baixar juros, exportar mais e ganhar a confiança de quem investe aqui para, então, olhar para a frente.
De resto, oito anos de FHC deixaram muito evidentes alguns erros de política econômica (como não promover as exportações e não ter planos para criar empregos baratos em obras de construção civil e saneamento, por exemplo). Há um consenso sobre medidas corretivas básicas. A diferença será de "timing" (o ritmo adequado), de competência e a articulação política e técnica que sustentará a mudança.
Receitas muito diferentes disso vão fazer com que bancos, empresas estrangeiras e fundos de investimento (isso é "o mercado") tirem o dinheiro daqui, não tem jeito. A alternativa é fechar a economia, o que não é defendido por nenhum candidato, apenas por alguns intelectuais de esquerda.
Todos esses clichês horríveis e cansativos, porém corretos, não querem dizer que não há alternativa futura, que nosso destino é Malan, que acabaram as diferenças ideológicas etc., etc., como prega a propaganda conservadora. Quer dizer apenas que a conta do governo FHC precisa ser paga.
Isso posto, não há diferença entre as candidaturas? Há. Uma candidatura é muito mais que um candidato. É uma mescla da personagem do candidato com seu partido, com grupos sociais que o apóiam, com os tecnocratas que vão trabalhar no governo.
A questão mais interessante agora é ver como os candidatos vão montar suas equipes, em especial na área econômica, pois desgraçadamente quase não há espaço para discutir mais nada antes de colocar o país nos trilhos, dado o tamanho do desastre.
Não se trata apenas de listar ministros. Grupos de economistas e/ou tecnocratas são como pequenos partidos de idéias. Grupos de interesse (industriais desenvolvimentistas, banqueiros, o MST, seja lá quem for) também se achegam dos candidatos na reta final e tentam cravar sua bandeira em um próximo governo. A mistura de programas, personalidades e desses grupos vai dar o tempero da próxima administração.


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras



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