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ENTREVISTA DA 2Š
TÔNIA CARRERO
Primeira-dama do teatro se prepara para nova peça e afirma que presidente parece um ator cômico
Atriz cobra apoio e diz que Lula comete "gafes lindas"
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Tônia Carrero, ou Maria Antonieta Portocarrero Thedim, completou 82 anos na segunda-feira
passada, "lúcida e válida", segundo se define, com planos de estrelar uma nova peça de teatro e ainda aberta para a possibilidade de
um novo amor, desde que com
um homem mais jovem que ela.
"Envelhecer é ruim para qualquer mulher, mas, para quem foi
muito bonita, é pior ainda", afirma a atriz, apontando para as
manchas de senilidade nas mãos.
Mas continua bonita e tão vaidosa
que ainda não admite colocar corrimão nas escadas para se apoiar,
embora seus passos pareçam vacilantes.
Eleitora de José Serra na última
eleição presidencial, diz que se
surpreendeu positivamente com
o desempenho de Lula. "Bem ou
mal, ele vai levando o país e acho
que faz o melhor dentro do possível", diz ela. "Acho ele engraçadíssimo. Parece um ator cômico.
As gafes que ele faz são lindas",
acrescenta entre risos.
Tônia diz que gostaria de ter tido mais filhos, mas faltou parceiro. É mãe do ator Cécil Thiré, tem
quatro netos e dois bisnetos. Passou por três casamentos: com os
diretores Carlos Thiré e Adolpho
Celli e com o empresário César
Thedim. Na quinta-feira, ela falou
à Folha em sua casa, no Jardim
Botânico, zona sul do Rio.
Folha - Como a senhora, que foi
famosa pela beleza na juventude,
enfrenta a velhice?
Tônia Carrero - Envelhecer é
ruim para qualquer mulher, mas,
para quem foi muito bonita, é
pior ainda. É difícil aceitar as
manchas na pele, a flacidez nos
braços, as rugas. O corpo vai estragando a olhos vistos.
Mas espero usufruir a vida até
que uma boa morte me leve. Teria
sido muito vantajoso ter morrido
jovem, pois todos viram estrelas
quando morrem cedo. Mas agora
é tarde para eu pensar nisso.
Envelhecer como a Dercy Gonçalves vale a pena. Ela está lúcida,
engraçada, magrinha, divina. É
mais de dez anos mais velha do
que eu e está ótima. Não parece
mentira que alguém possa ter
mais de dez anos do que eu e estar
ótima? A Dercy não foi uma jovem bonita, mas ficou uma velha
linda, interessante com aquelas
perucas, e bem vestida.
Folha - Como tem ocupado seu
tempo?
Tônia - Estou me preparando
para a peça "Chega de História",
de Fauzi Arap, sobre uma mulher
que dá uma aula de história sem
saber nada do assunto. Quero fazer o público rir, viajar com a peça, ser amada, já que a televisão
não está me usando.
O tempo atual não está bom para a cultura, não apenas por falta
de dinheiro. É um problema de
governo, de vários governos.
Para fazer a peça "A Visita da
Velha Senhora", em 2002, procurei Fernando Henrique Cardoso,
na Presidência da
República. Disse
que estava fazendo
80 anos e que sonhava em fazer a
peça. Ele acreditou
imediatamente em
mim e o governo
me deu mais de R$
1 milhão para o
projeto. Não se
consegue isso agora. O governo está
preocupado com a
fome, embora, verdade seja dita, não
esteja resolvendo o
problema da fome.
Folha - A srŠ. fez
campanha para José
Serra na eleição presidencial em 2002.
Como avalia o governo Lula?
Tônia - Não votei no Lula, mas,
de repente, fico bem espantada
com ele. Bem ou mal, ele vai levando o país, e acho que faz o melhor dentro do possível. A gente
vai perdoar sempre quem estiver
lutando para acertar. Lula está lutando para acertar.
[Rindo] Acho ele engraçadíssimo. Parece um ator cômico. As
gafes que ele faz são lindas, sempre com a melhor das intenções.
Ele fala besteira, mas não tem feito besteira. Não tem cultura nenhuma, mas tem inteligência, é
capaz.
Folha - Votaria nele para uma
eventual reeleição?
Tônia - É cedo para responder.
Ele diz que no primeiro ano não
poderia fazer nada,
e a gente concorda.
Vamos ver se conseguirá fazer algo
no segundo ano.
Em prol da cultura,
acho que não vai
conseguir.
Na minha opinião, Lula se identificou com o povo de
uma forma como
nem Getúlio Vargas
conseguiu. Ele me
emociona até quando erra e faz bobagem.
Folha - A srŠ. se
queixa de não atuar
na TV, mas acabou
de fazer uma participação na novela "Senhora do Destino",
na Globo, vivendo a
dona de bordel Bertha Legrand.
Tônia - Uma participação mínima, e porque o Wolf Maia (diretor da novela) é meu amigo e sabia que (imitando sotaque francês) "parra mim é muito facile fazer sotaque frrancês". Eu adoro
televisão, gostaria que me chamassem mais.
Folha - O domínio da Globo faz o
mercado de trabalho para o ator se
estreitar?
Tônia - A Globo domina o mercado porque nenhuma outra
emissora tem a qualidade dela,
em se tratando de novela ou de seriado. Seria bom que houvesse
concorrência, mas não há. Falta
know-how às outras emissoras. A
Globo tem os melhores diretores
de novela, como o Marcos Paulo,
que contracenou comigo quando
tinha 19 anos . O personagem dele
era apaixonado pelo meu, e quase
nos apaixonamos também.
Folha - Já aconteceu de se apaixonar pelo ator com quem contracenava?
Tônia - Aconteceu uma vez, mas
não devo falar sobre isso.
Folha - A paixão não prosperou?
Tônia - Prosperou por um tempo, mas ninguém soube. Por que
dar cartaz ao outro agora?
Folha - Fazer cenas de beijo mexem com a senhora?
Tônia - O beijo entre os artistas
mudou muito. Nós praticamente
beijávamos de boca fechada. Essa
coisa de boca aberta, eu não experimentei. Abandonaram o beijo
técnico, para acompanhar a tendência de Hollywood. Acho que
tudo que é técnico é melhor. Profissionalmente, deveríamos ser
frios e técnicos. Mas é uma questão de geração. Hoje se engolem
pela boca. É claro que não fazem
com segundas intenções. Fazem
para mostrar que estão beijando
bem.
Folha - Fernanda Montenegro e
Raul Cortez, claramente, deram
beijo técnico no filme "O Outro Lado da Rua". Os atores mais velhos
ficam constrangidos de se beijarem para valer?
Tônia - Claro que sim. Eu ficaria
constrangida. Tinha um rapazinho, Elísio Lage, muito bonito,
que pediu ao diretor para me beijar para valer. Ele achou que seria
bonito se nos vissem beijando de
verdade. Mas não senti nada. Eu
adoro aquele ator, mas ele não iria
chegar a mim nunca.
Folha - Na sua opinião, há erotismo em excesso na TV ?
Tônia - A erotização é uma coisa
boa. Saímos de uma repressão total dos valores eróticos e só quando todos viverem "à tripa forra",
de acordo com seus instintos, é
que vai se normalizar.
Folha - O que acha da lei que obriga os fabricantes de TV a colocar
um chip no aparelho para que os
pais controlem o que os filhos assistem?
Tônia Carrero - É uma idiotice. Se
os pais impedirem os filhos de verem determinado programa, eles
irão assisti-lo nas casas dos amigos.
Folha - A mulher mudou muito
desde a sua mocidade. Diria o mesmo dos homens?
Tônia - Os mais jovens evoluíram muito, são muito mais companheiros de suas mulheres do
que os de minha geração. Vejo pelos meus netos. Os da minha geração estão péssimos, caquéticos,
caindo pelas tabelas. Não podem
mais entreter uma mulher, como
ela precisa. Eu não queria mais estar casada, a menos que fosse com
uma pessoa bem mais nova do
que eu.
Folha - A srŠ. demonstra que se
sentiu subestimada pelos maridos.
Tônia - Não apenas subestimada. Me amaram mal e não me respeitaram na medida em que eu
precisava, por causa da rivalidade. A mulher não engana o homem com facilidade e, quando
percebe que está sendo enganada,
sente uma raiva
muito grande.
Meus três maridos
foram muito machistas e me enganaram muito com
outras mulheres. O
terceiro, que era sete anos mais jovem
do que eu, era extremamente namorador. Perdi oportunidades ótimas
de fazer o mesmo
com eles, de burra
que sou.
Folha - A srŠ. já assumiu publicamente que teve um romance por dois anos
com o ator Paulo Autran durante seu o
primeiro casamento, com Carlos Thiré,
e que mais tarde também se envolveu com o escritor Rubem Braga.
Tônia - Thiré achava que não havia perigo com o Paulo Autran,
que haveria só amizade entre nós.
Ele era extremamente machista.
Interessava-se tanto por minhas
amigas, que lhe propus ter um casamento aberto. Ele não levou a
sério minha proposta, que era
muito avançada para a época. A
mulher é muito mais forte do que
o homem. Sempre tive pena dos
homens, por fazerem tanta bobagem.
Folha - A beleza não lhe garantiu
a fidelidade dos maridos?
Tônia - Ao contrário. Eles buscavam outras mulheres para provar
que eram sedutores.
Folha - Gostaria de
ter tido mais filhos?
Tônia - Gostaria,
mas não tive parceiro. O Thiré não queria. Quando o Cecil
nasceu, ele ficou 15
dias fora de casa.
Lembro de minhas
lágrimas caindo na
cabecinha do Cecil,
enquanto o amamentava. O Celli
não admitia filhos,
preferia cachorros.
Além do mais, trabalhávamos muito.
Folha - Ainda se
sente disponível para o amor?
Tônia - Há uma fase em que o erotismo nos controla,
depois vai amansando. É preciso viver até o ponto
em que estou para para perceber
que o fogo passa, mas não se pode
fechar para o amor nunca. Pode
ser que um homem alucinante
apareça.
Folha - A srŠ. ainda é bonita. Imaginava chegar assim aos 82?
Tônia - Não. Achei que se chegasse até aqui, estaria perto de
morrer. Estou perto de morrer,
mas todo mundo está. Continuo
lúcida e válida.
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