São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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ENTREVISTA DA 2Š

TÔNIA CARRERO

Primeira-dama do teatro se prepara para nova peça e afirma que presidente parece um ator cômico

Atriz cobra apoio e diz que Lula comete "gafes lindas"

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Tônia Carrero, ou Maria Antonieta Portocarrero Thedim, completou 82 anos na segunda-feira passada, "lúcida e válida", segundo se define, com planos de estrelar uma nova peça de teatro e ainda aberta para a possibilidade de um novo amor, desde que com um homem mais jovem que ela.
"Envelhecer é ruim para qualquer mulher, mas, para quem foi muito bonita, é pior ainda", afirma a atriz, apontando para as manchas de senilidade nas mãos. Mas continua bonita e tão vaidosa que ainda não admite colocar corrimão nas escadas para se apoiar, embora seus passos pareçam vacilantes.
Eleitora de José Serra na última eleição presidencial, diz que se surpreendeu positivamente com o desempenho de Lula. "Bem ou mal, ele vai levando o país e acho que faz o melhor dentro do possível", diz ela. "Acho ele engraçadíssimo. Parece um ator cômico. As gafes que ele faz são lindas", acrescenta entre risos.
Tônia diz que gostaria de ter tido mais filhos, mas faltou parceiro. É mãe do ator Cécil Thiré, tem quatro netos e dois bisnetos. Passou por três casamentos: com os diretores Carlos Thiré e Adolpho Celli e com o empresário César Thedim. Na quinta-feira, ela falou à Folha em sua casa, no Jardim Botânico, zona sul do Rio.
 

Folha - Como a senhora, que foi famosa pela beleza na juventude, enfrenta a velhice?
Tônia Carrero -
Envelhecer é ruim para qualquer mulher, mas, para quem foi muito bonita, é pior ainda. É difícil aceitar as manchas na pele, a flacidez nos braços, as rugas. O corpo vai estragando a olhos vistos.
Mas espero usufruir a vida até que uma boa morte me leve. Teria sido muito vantajoso ter morrido jovem, pois todos viram estrelas quando morrem cedo. Mas agora é tarde para eu pensar nisso.
Envelhecer como a Dercy Gonçalves vale a pena. Ela está lúcida, engraçada, magrinha, divina. É mais de dez anos mais velha do que eu e está ótima. Não parece mentira que alguém possa ter mais de dez anos do que eu e estar ótima? A Dercy não foi uma jovem bonita, mas ficou uma velha linda, interessante com aquelas perucas, e bem vestida.

Folha - Como tem ocupado seu tempo?
Tônia -
Estou me preparando para a peça "Chega de História", de Fauzi Arap, sobre uma mulher que dá uma aula de história sem saber nada do assunto. Quero fazer o público rir, viajar com a peça, ser amada, já que a televisão não está me usando.
O tempo atual não está bom para a cultura, não apenas por falta de dinheiro. É um problema de governo, de vários governos.
Para fazer a peça "A Visita da Velha Senhora", em 2002, procurei Fernando Henrique Cardoso, na Presidência da República. Disse que estava fazendo 80 anos e que sonhava em fazer a peça. Ele acreditou imediatamente em mim e o governo me deu mais de R$ 1 milhão para o projeto. Não se consegue isso agora. O governo está preocupado com a fome, embora, verdade seja dita, não esteja resolvendo o problema da fome.

Folha - A srŠ. fez campanha para José Serra na eleição presidencial em 2002. Como avalia o governo Lula?
Tônia -
Não votei no Lula, mas, de repente, fico bem espantada com ele. Bem ou mal, ele vai levando o país, e acho que faz o melhor dentro do possível. A gente vai perdoar sempre quem estiver lutando para acertar. Lula está lutando para acertar.
[Rindo] Acho ele engraçadíssimo. Parece um ator cômico. As gafes que ele faz são lindas, sempre com a melhor das intenções. Ele fala besteira, mas não tem feito besteira. Não tem cultura nenhuma, mas tem inteligência, é capaz.

Folha - Votaria nele para uma eventual reeleição?
Tônia -
É cedo para responder. Ele diz que no primeiro ano não poderia fazer nada, e a gente concorda. Vamos ver se conseguirá fazer algo no segundo ano. Em prol da cultura, acho que não vai conseguir.
Na minha opinião, Lula se identificou com o povo de uma forma como nem Getúlio Vargas conseguiu. Ele me emociona até quando erra e faz bobagem.

Folha - A srŠ. se queixa de não atuar na TV, mas acabou de fazer uma participação na novela "Senhora do Destino", na Globo, vivendo a dona de bordel Bertha Legrand.
Tônia -
Uma participação mínima, e porque o Wolf Maia (diretor da novela) é meu amigo e sabia que (imitando sotaque francês) "parra mim é muito facile fazer sotaque frrancês". Eu adoro televisão, gostaria que me chamassem mais.

Folha - O domínio da Globo faz o mercado de trabalho para o ator se estreitar?
Tônia -
A Globo domina o mercado porque nenhuma outra emissora tem a qualidade dela, em se tratando de novela ou de seriado. Seria bom que houvesse concorrência, mas não há. Falta know-how às outras emissoras. A Globo tem os melhores diretores de novela, como o Marcos Paulo, que contracenou comigo quando tinha 19 anos . O personagem dele era apaixonado pelo meu, e quase nos apaixonamos também.

Folha - Já aconteceu de se apaixonar pelo ator com quem contracenava?
Tônia -
Aconteceu uma vez, mas não devo falar sobre isso.

Folha - A paixão não prosperou?
Tônia -
Prosperou por um tempo, mas ninguém soube. Por que dar cartaz ao outro agora?

Folha - Fazer cenas de beijo mexem com a senhora?
Tônia -
O beijo entre os artistas mudou muito. Nós praticamente beijávamos de boca fechada. Essa coisa de boca aberta, eu não experimentei. Abandonaram o beijo técnico, para acompanhar a tendência de Hollywood. Acho que tudo que é técnico é melhor. Profissionalmente, deveríamos ser frios e técnicos. Mas é uma questão de geração. Hoje se engolem pela boca. É claro que não fazem com segundas intenções. Fazem para mostrar que estão beijando bem.

Folha - Fernanda Montenegro e Raul Cortez, claramente, deram beijo técnico no filme "O Outro Lado da Rua". Os atores mais velhos ficam constrangidos de se beijarem para valer?
Tônia -
Claro que sim. Eu ficaria constrangida. Tinha um rapazinho, Elísio Lage, muito bonito, que pediu ao diretor para me beijar para valer. Ele achou que seria bonito se nos vissem beijando de verdade. Mas não senti nada. Eu adoro aquele ator, mas ele não iria chegar a mim nunca.

Folha - Na sua opinião, há erotismo em excesso na TV ?
Tônia -
A erotização é uma coisa boa. Saímos de uma repressão total dos valores eróticos e só quando todos viverem "à tripa forra", de acordo com seus instintos, é que vai se normalizar.

Folha - O que acha da lei que obriga os fabricantes de TV a colocar um chip no aparelho para que os pais controlem o que os filhos assistem?
Tônia Carrero -
É uma idiotice. Se os pais impedirem os filhos de verem determinado programa, eles irão assisti-lo nas casas dos amigos.

Folha - A mulher mudou muito desde a sua mocidade. Diria o mesmo dos homens?
Tônia -
Os mais jovens evoluíram muito, são muito mais companheiros de suas mulheres do que os de minha geração. Vejo pelos meus netos. Os da minha geração estão péssimos, caquéticos, caindo pelas tabelas. Não podem mais entreter uma mulher, como ela precisa. Eu não queria mais estar casada, a menos que fosse com uma pessoa bem mais nova do que eu.

Folha - A srŠ. demonstra que se sentiu subestimada pelos maridos.
Tônia -
Não apenas subestimada. Me amaram mal e não me respeitaram na medida em que eu precisava, por causa da rivalidade. A mulher não engana o homem com facilidade e, quando percebe que está sendo enganada, sente uma raiva muito grande. Meus três maridos foram muito machistas e me enganaram muito com outras mulheres. O terceiro, que era sete anos mais jovem do que eu, era extremamente namorador. Perdi oportunidades ótimas de fazer o mesmo com eles, de burra que sou.

Folha - A srŠ. já assumiu publicamente que teve um romance por dois anos com o ator Paulo Autran durante seu o primeiro casamento, com Carlos Thiré, e que mais tarde também se envolveu com o escritor Rubem Braga.
Tônia -
Thiré achava que não havia perigo com o Paulo Autran, que haveria só amizade entre nós. Ele era extremamente machista. Interessava-se tanto por minhas amigas, que lhe propus ter um casamento aberto. Ele não levou a sério minha proposta, que era muito avançada para a época. A mulher é muito mais forte do que o homem. Sempre tive pena dos homens, por fazerem tanta bobagem.

Folha - A beleza não lhe garantiu a fidelidade dos maridos?
Tônia -
Ao contrário. Eles buscavam outras mulheres para provar que eram sedutores.

Folha - Gostaria de ter tido mais filhos?
Tônia -
Gostaria, mas não tive parceiro. O Thiré não queria. Quando o Cecil nasceu, ele ficou 15 dias fora de casa. Lembro de minhas lágrimas caindo na cabecinha do Cecil, enquanto o amamentava. O Celli não admitia filhos, preferia cachorros. Além do mais, trabalhávamos muito.

Folha - Ainda se sente disponível para o amor?
Tônia -
Há uma fase em que o erotismo nos controla, depois vai amansando. É preciso viver até o ponto em que estou para para perceber que o fogo passa, mas não se pode fechar para o amor nunca. Pode ser que um homem alucinante apareça.

Folha - A srŠ. ainda é bonita. Imaginava chegar assim aos 82?
Tônia -
Não. Achei que se chegasse até aqui, estaria perto de morrer. Estou perto de morrer, mas todo mundo está. Continuo lúcida e válida.


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