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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ACORDÃO OU CASTIGO?
Presidente da Câmara defende pena mais branda para deputados que comprovarem uso de dinheiro em pagamento de dívidas eleitorais
Caixa 2 não justifica cassação, diz Severino
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), defende a
adoção de uma pena mais branda
que a cassação de mandato dos
deputados que comprovarem o
uso de recursos do esquema do
publicitário Marcos Valério de
Souza no pagamento de dívidas
de campanhas eleitorais, mesmo
aqueles comprovadamente vindos de caixa dois.
Destacando ser essa sua "posição pessoal, não a do presidente
[da Câmara]", Severino negou
que esteja à frente de uma operação-abafa para livrar parlamentares da perda de mandato.
Em entrevista à Folha, Severino,
74, disse não acreditar no "mensalão" denunciado por Roberto
Jefferson (PTB-RJ). Em sua opinião, o uso de recursos transferidos pelo PT, por meio de Valério,
para pagamentos de dívidas eleitorais é "menos grave" que o suposto pagamento em troca de votos em apoio ao governo Lula.
Para ele, nesses casos "a pena
tem de ser uma repreensão, uma
outra coisa". Questionado se se
referia a uma alternativa à cassação, como suspensão ou advertência, respondeu: "Exatamente.
[...] Perfeito, uma censura".
Ao mesmo tempo em que nega
ter havido compra de votos de
parlamentares no governo Lula,
Severino afirma categoricamente
que a prática ocorreu no governo
Fernando Henrique Cardoso para
aprovar a emenda da reeleição.
Severino apresentou também
uma nova versão para os saques
feitos por João Cláudio Genu, assessor do líder do PP na Câmara,
José Janene (PR), nas contas de
Marcos Valério. Diz que cerca de
R$ 700 mil dos R$ 850 mil retirados pelo assessor foram usados
para pagar honorários advocatícios do deputado Ronivon Santiago (PP-AC) -ironicamente, um
dos acusados no escândalo da
compra de votos da reeleição que
Severino agora denuncia.
O pepista disse que não vai segurar os pedidos de cassação que
receber e nega que esteja sofrendo
pressões de aliados para promover um "acordão".
Folha - O que se comenta reservadamente na Câmara é que parlamentares ligados ao sr. estariam
trabalhando em um acordo para
reduzir o número de cassações e
que o sr. estaria sendo ameaçado.
Severino Cavalcanti - Não é verdade. Nunca ninguém me ameaçou nem sequer falou sobre isso
comigo. Tenho minha total independência, não aceito injunções
de quem quer que seja.
Folha - Como o sr. analisa a situação de seu partido? O assessor João
Cláudio Genu [do líder do PP na Câmara, José Janene] depôs na Procuradoria Geral da República e admitiu que recebia dinheiro que ia para o líder Janene. Ou seja: dinheiro
irregular foi dado ao PP.
Severino - O dinheiro que eles
receberam, segundo informações
que eles me deram há pouco tempo, foi para pagar serviços profissionais de advogados dos processos que existem contra o deputado Ronivon Santiago. O dinheiro
que entrou foi para pagar os processos juntamente a esses advogados. Isso vai ser apresentado nas
explicações na CPI e no Conselho
de Ética. O Genu sacou setecentos
e poucos mil reais para isso.
Folha - R$ 700 mil então seriam
para pagar honorários advocatícios? E o restante [Genu sacou R$
850 mil das contas de Valério]?
Severino - Eu não sei. Sei que esse dinheiro foi para pagar um advogado aqui de Brasília. Tem até o
nome, endereço, tudo certinho.
Folha - O sr. se lembra do nome?
Severino - Eu não sei o nome, só
sei disso aí.
Folha - O sr. acha que é uma conduta adequada sacar dinheiro de
um publicitário para pagar honorários advocatícios?
Severino - Foi o PT que deu esse
dinheiro ao partido.
Folha - Mas o dinheiro não foi
contabilizado.
Severino - Aí houve falha, não há
dúvida, de não ter contabilizado.
Folha - Falha de quem?
Severino - De quem recebeu o
dinheiro. O menino, Genu, pegou
o dinheiro e repassou para alguém, para o Janene, como ele
mesmo disse.
Folha - Essa falha justificaria a
cassação do líder Janene?
Severino - Isso aí é um processo
eleitoral, foi para sustentar o
mandato de um deputado. A justificativa que me deram foi esta, e
vai ser essa justificativa que vai ser
provada.
Folha - O sr. não sente constrangimento de presidir esse processo
todo sendo que seu partido está
envolvido diretamente?
Severino - Eu não sinto, porque
quando era corregedor da Câmara eu cassei o mandato de um deputado do meu partido, Sérgio
Naya. O Ronivon mesmo renunciou ao mandato quando o governo de Fernando Henrique Cardoso andou comprando deputado
para aprovar a emenda da reeleição e eu pedi para ser inquirido na
época do Sérgio Motta.
O sr. acha então que o ex-presidente FHC comprou deputados?
Severino - Claro! Quem comprou foi o senhor Sérgio Motta.
Tenho essa convicção porque eles
renunciaram ao mandato, e ninguém renuncia de graça.
Folha - O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também renunciou. Então o sr. acha que o presidente Lula comprou votos?
Severino - Eu estou falando do
governo Fernando Henrique, não
vamos confundir uma coisa com
a outra. Não existe vendedor sem
que exista comprador.
Folha - No caso atual, alguns deputados reconhecem que pegaram
dinheiro para pagar dívidas de
campanha. Qual será a punição?
Severino - Eu acho que não deveria ter sido feito. Então, tem de
ter uma punição. Quem vai decidir a punição será o Conselho de
Ética e a CPI. Agora uma coisa eu
te digo: não irei encobrir ninguém. Se houver um pedido de
cassação eu mandarei ao plenário
para que o plenário decida.
Folha - O sr. defende gradação de
punição? Tem gente que defende
que quem pegou dinheiro para
campanha é uma coisa, e se fosse
"mensalão" seria outra.
Severino - Isso quem vai decidir
é o plenário.
Folha - O sr. acha que existiu o
"mensalão"?
Severino - Não acredito. Acredito num caso assim como foi feito
com o Genu. Aquilo ali aconteceu
realmente. O dinheiro foi entregue ao PP e pagava o advogado.
Folha - O sr. acha isso menos grave, mesmo que não tenha sido contabilizado?
Severino - É menos grave, porque aquilo foi um acerto do PP
com o PT. Aí, a responsabilidade
que vai ter será junto ao Imposto
de Renda ou à Justiça Eleitoral.
Folha - O sr. acha que a sociedade, que vê saques de milhões destinados a parlamentares e partidos,
vai aceitar essa diferenciação?
Severino - Eu acho que é diferente, bem diferente de "mensalão".
A procedência do dinheiro é muito ruim, porque foi feito com dinheiro vindo dos Correios, de publicidade. Mas tem de ver caso a
caso, porque ninguém merece
execração pública sem provas.
Folha - Voltamos: caixa dois merece uma pena mais leve, por ser
menos grave que "mensalão"?
Severino - Se for para pagar débito de campanha, e se for provado...
Folha - Vamos supor que, hipoteticamente, um deputado tenha as
notas provando que usou dinheiro
sacado no Banco Rural para pagar
dívidas de campanha. Outro diz
que não consegue provar...
Severino - Esse aí, se recebeu e
pagou alguém, deveria ter o recibo de alguém.
Folha - Mas se tiver o recibo não
deve ser cassado?
Severino - Nesse caso a pena tem
de ser uma repreensão, uma outra
coisa.
Folha - A sociedade vai aceitar?
Severino - Isso é outra coisa. Hugo Borghi [ex-deputado federal]
fez as maiores falcatruas com algodão no tempo do Getúlio Vargas. Foi para as urnas e teve uma
votação surpreendente. A sociedade é a mesma.
Folha - Se for seguir esse raciocínio, todos os deputados que estão
falando que usaram dinheiro para
pagar dívida de campanha não seriam cassados...
Severino - Eu gostaria de consultar os estudiosos, os homens que
fazem parte da comissão, freqüentaram universidades, têm
uma cultura superior, que dêem o
parecer deles para eu poder fazer
a minha...
Folha - Mas o sr. acabou de dizer
que poderia haver uma gradação,
seria mais uma advertência?
Severino - Uma repreensão tem
que existir, porque não é normal o
que aconteceu. Mas quem vai decidir são aqueles que têm a obrigação de dar o parecer.
Folha - Mas seriam alternativas à
cassação?
Severino - Exatamente.
Folha - Uma suspensão, uma advertência?
Severino - Perfeito. Uma censura.
Folha - Não vai ter pizza, então?
Severino - Eu não participarei
disso.
Folha - Mas se não cassar ninguém, se der uma advertência, ou
uma suspensão, vai parecer pizza...
Severino - Pode ficar certo de
que eu não abrirei mão para ninguém. Terei uma posição retilínea, obedecer cegamente o regimento e a Constituição, esses é
que mandam nas minhas posições.
Folha - O sr. diz que o plenário é
soberano, vai decidir quem será
cassado, mas manifestou a posição
de que aqueles que provarem como foi gasto o dinheiro, esses não
merecem a pena máxima.
Severino - Exatamente, exatamente. É minha posição pessoal,
não é a do presidente.
Folha - O sr. acha que o José Dirceu sabia desse esquema de caixa
dois, de financiamento? É plausível
pensar que ele não sabia?
Severino - Dizer que é possível
ou impossível é preciso ser adivinho. Não vou adivinhar porque
não tive nenhuma participação
com o Zé Dirceu, nem vi alguma
negociação entre ele e os partidos.
Folha - E o presidente Lula?
Severino - Acho que ele foi traído. Acontece com ele o que aconteceu com Getúlio Vargas, quando Gregório Fortunato fez atentado contra Carlos Lacerda.
Folha - Quem é o Fortunato do Lula?
Severino - Se eu soubesse, já teria
dito. Nem desconfio. Não sei exatamente.
Folha - O clima de impeachment
arrefeceu mesmo?
Severino - Houve quatro pedidos de impeachment e nenhum
tem consistência. Alguns advogados querem evidência. Tem que
ter provas irrefutáveis. Se aparecer um carrinho que nem apareceu com o Collor [refere-se à Fiat
Elba, dada a Collor com recursos
do esquema PC Farias], tem que
investigar, tem que ir atrás. Eu tenho pensado no país. Eu digo
sempre, antes de ser deputado federal e presidente da Câmara, eu
sou brasileiro. Eu estou hoje com
o presidente, tenho dado alguma
cobertura para ele, mas se tiver algum deslize, eu não vou apoiar.
Folha - Qual é a cobertura?
Severino - Eu tenho falado com
os empresários seguidamente,
mostrando que eu acredito que se
o Palocci sair do governo vai ser
muito ruim para o país. Se houver
o impeachment, eu não sei onde o
Brasil vai parar.
Folha - Estão dizendo que o sr. já
tem até uma plataforma de governo para o caso de o Lula ter de
sair...
Severino - Não, eu não tenho
uma plataforma de governo. Perguntaram se eu era capaz de assumir o governo. Você acha que eu
ia responder que não, eu sou burro, sou incapaz?
Folha - O sr. vai defender a independência do Banco Central, reduzir juros?
Severino - Eu acho que a política
do governo está certa.
Folha - Se por hipótese houver
um processo contra o presidente
da República e atingir o vice...
Severino - Eu ficaria [na Presidência] por 30 dias. Eu manteria o
Palocci como ministro da Fazenda e pediria que Delfim se apresentasse para ajudar no Planejamento. Mas isso é uma hipótese
absurda, porque eu não acredito
que isso vá acontecer.
Folha - O sr. apoiaria a reeleição
do Lula? Merece ser reeleito?
Severino - Em política a gente
não pode antecipar.
Folha - Mas se fosse hoje?
Severino - Se fosse hoje eu votaria nele. Eu creio que o Brasil está
tendo benefícios. Se você vai ao
interior, uma grande camada dos
desfavorecidos está tendo a oportunidade de ver os filhos estudando, de ter alimentação, de ter um
tratamento bem melhor.
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