São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

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Marcos Nobre

O mensalão libertou Lula

LULA DEVE agradecer todos os dias pela crise do mensalão. Nos primeiros meses, esteve sob extrema tensão, com certeza. Mas, no final de 2005, já estava bastante seguro de que a crise não tinha afetado a sua imagem. Foi quando soube como ninguém tirar proveito do descrédito generalizado em relação a políticos e partidos.
A começar pelo descrédito do próprio PT. Lula conseguiu submeter como nunca antes o PT a toda e qualquer exigência que impôs para sua campanha à reeleição e para seu governo (as duas coisas são o mesmo). Passou de uma situação em que dependia do PT para governar à condição de tábua de salvação de um partido que deverá se dar por muito satisfeito se conseguir eleger 60 deputados federais e três governadores de Estados de pouca influência na política nacional. O PT deixou de ser o partido do governo para se tornar aliado. Um aliado certamente importante na execução de tarefas específicas na divisão do trabalho político de governo. Mas não mais do que isso.
Isso também aconteceu a seu modo nos governos FHC. Também Fernando Henrique Cardoso teve de se descolar de um vínculo direto e imediato com o PSDB para dar credibilidade à coalizão que sustentou seus dois governos. Em certa medida, pode-se dizer que esse descolamento relativo faz parte da lógica de funcionamento do presidencialismo brasileiro. Mas Lula conseguiu uma margem de ação para composições políticas de inesperada amplitude e alcance.
Só que até agora não firmou publicamente nenhum compromisso sobre quais alianças de governo pretende estabelecer e em que bases. Em pleno período eleitoral, só o que se ouve é o festival de fofocas e boatos que costuma ocorrer apenas quando da formação de um novo governo eleito. É o que Lula chamou ontem de uma "situação altamente confortável". Conforto que ele atribuiu ao fato de ter jogado bem "o jogo real da política" nos seus quatro anos de mandato. O Lula que se disse "vermelho" usa todas as cores à sua disposição: "Política a gente faz com o que a gente tem". E o que Lula tem são lobbies de variados tipos e caciques políticos esperançosos de fazer bons acordos palacianos.
A bitola estreita em que Lula põe a política não combina mesmo com a discussão pública de alianças de governo. Não combina com a idéia de que política se faz também com o que não se tem.
Que política se faz à luz do dia, na discussão pública e na construção de novas maiorias em torno de novas idéias. Porque fazer política rendendo-se ao que se tem é o mesmo que dizer que tudo ficará como está. O "jogo real" de Lula não vai além da confirmação do descrédito generalizado que rebaixa a política a um jogo de soma zero.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

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