|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Marcos Nobre
O mensalão libertou Lula
LULA DEVE agradecer
todos os dias pela
crise do mensalão.
Nos primeiros meses, esteve sob extrema tensão,
com certeza. Mas, no final
de 2005, já estava bastante
seguro de que a crise não
tinha afetado a sua imagem. Foi quando soube como ninguém tirar proveito
do descrédito generalizado em relação a políticos e
partidos.
A começar pelo descrédito do próprio PT. Lula
conseguiu submeter como
nunca antes o PT a toda e
qualquer exigência que
impôs para sua campanha
à reeleição e para seu governo (as duas coisas são o
mesmo). Passou de uma
situação em que dependia
do PT para governar à condição de tábua de salvação
de um partido que deverá
se dar por muito satisfeito
se conseguir eleger 60 deputados federais e três governadores de Estados de
pouca influência na política nacional.
O PT deixou de ser o partido do governo para se
tornar aliado. Um aliado
certamente importante na
execução de tarefas específicas na divisão do trabalho político de governo.
Mas não mais do que isso.
Isso também aconteceu
a seu modo nos governos
FHC. Também Fernando
Henrique Cardoso teve de
se descolar de um vínculo
direto e imediato com o
PSDB para dar credibilidade à coalizão que sustentou seus dois governos.
Em certa medida, pode-se
dizer que esse descolamento relativo faz parte da
lógica de funcionamento
do presidencialismo brasileiro. Mas Lula conseguiu
uma margem de ação para
composições políticas de
inesperada amplitude e alcance.
Só que até agora não firmou publicamente nenhum compromisso sobre
quais alianças de governo
pretende estabelecer e em
que bases. Em pleno período eleitoral, só o que se ouve é o festival de fofocas e
boatos que costuma ocorrer apenas quando da formação de um novo governo eleito.
É o que Lula chamou ontem de uma "situação altamente confortável". Conforto que ele atribuiu ao fato de ter jogado bem "o jogo real da política" nos
seus quatro anos de mandato. O Lula que se disse
"vermelho" usa todas as
cores à sua disposição:
"Política a gente faz com o
que a gente tem". E o que
Lula tem são lobbies de variados tipos e caciques políticos esperançosos de fazer bons acordos palacianos.
A bitola estreita em que
Lula põe a política não
combina mesmo com a
discussão pública de alianças de governo. Não combina com a idéia de que política se faz também com o
que não se tem.
Que política se faz à luz
do dia, na discussão pública e na construção de novas maiorias em torno de
novas idéias. Porque fazer
política rendendo-se ao
que se tem é o mesmo que
dizer que tudo ficará como
está. O "jogo real" de Lula
não vai além da confirmação do descrédito generalizado que rebaixa a política
a um jogo de soma zero.
MARCOS NOBRE é professor de filosofia
política da Unicamp e pesquisador do
Cebrap
Texto Anterior: Cai aprovação ao programa de Heloísa na TV Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Programa de governo de Lula não prevê redução da carga tributária Índice
|