São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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JANIO DE FREITAS

O lado deprimente

Nem a política, nem o país, nem ao menos os ilusionistas profissionais entram em fase nova

A SATISFAÇÃO QUE se irradia das decisões do Supremo Tribunal Federal, e parece pular das páginas de jornais e das telas de TV, tem muitas e ótimas justificativas, mas não me dispensou de algum amargor. Há uma face triste, deprimente, no resultado do desempenho tão louvável do Supremo. Afinal de contas, nada do que ali foi repassado e medido deu-se no recôndito da floresta equatorial do Congo. O que ali foi esmiuçado e definido também não foram fantasias levianas da histórica irresponsabilidade de oposições. Foram fatos e atos identificados com crimes, crimes muito graves, ocorridos dentro do Congresso brasileiro, dentro do governo brasileiro, na capital deste país de que estamos sempre esperando o que jamais vem.
Não foi apenas ocasional, nem produto do desatino de um grupo, o vasto número de fatos e atos que o Supremo decide submeter a processos criminais. O que chegou à apreciação do STF é apenas a parcela que foi surpreendida ao acaso, a partir de um vídeo malandro e um entrevistado em fúria, do processo de imoralidade crescente e há muito tempo dominante na administração pública e na política brasileiras. E sobre isso o desempenho exibido pelo Supremo não produz efeito.
O caso Collor/PCFarias levou à idéia de que política, partidos e eleições, Presidência e governo entrariam, forçosamente, em nova fase, de ordem legal e moralidade. Não é preciso relembrar o desmentido factual feito pelas ocorrências entre o impeachment e o estouro do chamado mensalão. Mas, encerrada a respectiva CPI deste caso, logo se difundiu que o Congresso, os partidos e sua relação com o Executivo estavam forçados a nova fase, com modificações absolutas no sentido da modernização formal e da moralização. Enquanto o Supremo se ordenava para apreciar a denúncia do procurador- geral da República contra os personagens do mensalão, Lula entregava a gigantesca Furnas (com o bilionário fundo de pensão da estatal) no toma lá da rasteirice amoral das relações entre sua Presidência e os partidos.
Enquanto o Supremo examinava, com admiráveis eficiência e seriedade, a denúncia do procurador-geral da República contra os personagens do mensalão, Lula efetivava uma transação politiqueira e cupinchosa para nomear novo integrante do próprio Supremo. O que nada diz contra a qualificação do nomeado, mas diz muito sobre a realidade no Brasil.
O ilusionismo já propala que, transformados em réus os 40 personagens do mensalão, a política e o país entram em nova fase. Nem a política, nem o país, nem ao menos esses ilusionistas profissionais entram em fase nova. Por simples e forte razão: quem poderia e deveria fazê-lo é fator e beneficiário da degradação, cuidando apenas para não ser surpreendido pela má hora de um comparsa.
O maior processo em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, motivo da satisfação irradiada tanto por seu resultado como alta qualidade dos trabalhos de apuração e de julgamento, apesar disso atinge só a insignificância de uma molécula no corpo descomunal da criminalidade sem balas perdidas -porque nem isso perde.


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