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Marcelo Coelho
Som e fúria
POUCAS VEZES o país
foi às urnas tão dividido como agora. Pobres e ricos, nordestinos e
sulistas, divergem como
nunca na suas respectivas
preferências partidárias.
Na internet, a violência e a
passionalidade das manifestações que circularam
nos últimos dias chega a ser
assustadora.
Lideranças da oposição
se movimentam para impugnar a candidatura Lula,
e o tema do "impeachment" percorre o noticiário antes mesmo que o primeiro eleitor tecle o seu
primeiro número na urna
eletrônica.
Era infantil, para não dizer de má-fé, a tese de uma
"conspiração das elites"
quando surgiu o escândalo
do mensalão. Mas a acusação petista de que há "golpismo" nas atitudes da
oposição, se antes parecia
inconvincente, tende a ganhar consistência diante
da histeria em curso.
O irracionalismo de muitos petistas não é menor.
Intelectuais jogam a ética
às favas e mostram-se
prontos a aceitar qualquer
farrapo de argumento que
justifique a presença de Jader Barbalho ou Newton
Cardoso nos palanques do
PT. Se Lula decidir censurar a imprensa, fechar o
Congresso, instituir algum
modelo político nos moldes de Hugo Chávez, terá
esses intelectuais a seu dispor.
Não há dia em que não se
critique a imprensa de parcialidade pró-Alckmin. Se
dependesse da grande
maioria das opiniões petistas, os escândalos do dossiê
e do mensalão nunca teriam vindo a público, e o
Partido dos Trabalhadores
continuaria agora a contar
com os inestimáveis serviços de Silvio Pereira, Delúbio Soares e todos aqueles
dirigentes que alguém (um
oposicionista furioso, por
certo) chegou ao cúmulo
de classificar como aloprados e imbecis.
O paradoxo, em meio a
esse clima de divisão social
e violência ideológica, é
que os traços de união entre petismo e oposição
nunca foram tão nítidos. Já
não há diferença ética entre nenhum partido, aspecto que o PT, de resto, é o
primeiro a admitir. Na política econômica, o governo
Lula garantiu, com grande
esforço, a continuidade
com o governo anterior:
além de banqueiro, Henrique Meirelles era um quadro tucano.
Os principais sucessos de
Lula, como o Bolsa-Família, aperfeiçoaram e amplificaram mecanismos antes
implantados por Fernando
Henrique, sem que seja
plausível admitir, qualquer
que seja o resultado das urnas, que sua continuidade
esteja ameaçada.
Identidades sociais e
identificações afetivas,
mais do que alternativas
concretas de governo, se
confrontam nestas eleições. Num cenário em que
Serra e Aécio figuram como governadores praticamente eleitos, o número
dos interessados num terremoto institucional é menor do que os que estão dispostos à conciliação.
Restam, entretanto, como ameaça a este raciocínio otimista, os fatos: costumam ser imponderáveis,
surgem quando menos se
espera, e são avessos a
qualquer argumento.
MARCELO COELHO é colunista da Folha
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