São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2006

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Marcelo Coelho

Som e fúria

POUCAS VEZES o país foi às urnas tão dividido como agora. Pobres e ricos, nordestinos e sulistas, divergem como nunca na suas respectivas preferências partidárias.
Na internet, a violência e a passionalidade das manifestações que circularam nos últimos dias chega a ser assustadora.
Lideranças da oposição se movimentam para impugnar a candidatura Lula, e o tema do "impeachment" percorre o noticiário antes mesmo que o primeiro eleitor tecle o seu primeiro número na urna eletrônica.
Era infantil, para não dizer de má-fé, a tese de uma "conspiração das elites" quando surgiu o escândalo do mensalão. Mas a acusação petista de que há "golpismo" nas atitudes da oposição, se antes parecia inconvincente, tende a ganhar consistência diante da histeria em curso.
O irracionalismo de muitos petistas não é menor. Intelectuais jogam a ética às favas e mostram-se prontos a aceitar qualquer farrapo de argumento que justifique a presença de Jader Barbalho ou Newton Cardoso nos palanques do PT. Se Lula decidir censurar a imprensa, fechar o Congresso, instituir algum modelo político nos moldes de Hugo Chávez, terá esses intelectuais a seu dispor.
Não há dia em que não se critique a imprensa de parcialidade pró-Alckmin. Se dependesse da grande maioria das opiniões petistas, os escândalos do dossiê e do mensalão nunca teriam vindo a público, e o Partido dos Trabalhadores continuaria agora a contar com os inestimáveis serviços de Silvio Pereira, Delúbio Soares e todos aqueles dirigentes que alguém (um oposicionista furioso, por certo) chegou ao cúmulo de classificar como aloprados e imbecis.
O paradoxo, em meio a esse clima de divisão social e violência ideológica, é que os traços de união entre petismo e oposição nunca foram tão nítidos. Já não há diferença ética entre nenhum partido, aspecto que o PT, de resto, é o primeiro a admitir. Na política econômica, o governo Lula garantiu, com grande esforço, a continuidade com o governo anterior: além de banqueiro, Henrique Meirelles era um quadro tucano.
Os principais sucessos de Lula, como o Bolsa-Família, aperfeiçoaram e amplificaram mecanismos antes implantados por Fernando Henrique, sem que seja plausível admitir, qualquer que seja o resultado das urnas, que sua continuidade esteja ameaçada.
Identidades sociais e identificações afetivas, mais do que alternativas concretas de governo, se confrontam nestas eleições. Num cenário em que Serra e Aécio figuram como governadores praticamente eleitos, o número dos interessados num terremoto institucional é menor do que os que estão dispostos à conciliação.
Restam, entretanto, como ameaça a este raciocínio otimista, os fatos: costumam ser imponderáveis, surgem quando menos se espera, e são avessos a qualquer argumento.


MARCELO COELHO é colunista da Folha

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