|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Meu tempo é curto", disse Mangabeira a amigos em junho
Sua equipe na Secretaria de Planejamento de Longo Prazo estuda temas como educação básica, ciência, defesa nacional e clima
Na última quinta-feira, a bancada do PMDB no Senado ajudou a rejeitar a MP que criava ministério para o filósofo
FÁBIO VICTOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No final de agosto, Roberto
Mangabeira Unger reuniu sua
equipe da SPLP (Secretaria de
Planejamento de Longo Prazo)
num hotel em Pirenópolis, cidade histórica do interior de
Goiás. Pouco mais de 20 servidores se dispuseram em torno
de uma mesa redonda e gastaram um fim de semana apresentando propostas para o futuro do Brasil e ouvindo diagnósticos e preceitos do chefe.
A dinâmica de grupo era um
reflexo da pressa de Mangabeira. Poucos dias após assumir o
cargo, em 19 de junho, confidenciou a amigos um temor:
"Meu tempo político é curto,
tenho que apresentar resultados rapidamente". Tachado de
oportunista por se juntar a um
governo que dois anos antes
chamara de "o mais corrupto
da história", ele antevia mais
pressão pela frente.
Na quinta-feira passada, ainda que por vias tortas, a previsão se concretizou, quando a
bancada do PMDB no Senado
traiu a coalizão governista que
integra e rejeitou a medida provisória que criava um ministério para o filósofo do PRB.
Se não conseguiu tornar públicos projetos de longo prazo,
a gestão-relâmpago de Mangabeira na secretaria foi suficiente para que ele começasse a formatar uma equipe e um modelo
de trabalho singulares na Esplanada dos Ministérios.
Ele próprio dono de carreira
prodigiosa -começou a lecionar na Universidade Harvard,
nos EUA, aos 24 anos e virou
professor titular da instituição
aos 29-, cercou-se de jovens
no gabinete. Dos seus sete auxiliares diretos, cinco têm até 35
anos -sendo uma com 26, um
com 28 e um com 29.
Reverência
Outro traço que salta aos
olhos na equipe é a reverência.
Dois assessores especiais (salário bruto de R$ 8.400), Daniel
Vargas, 28, e Sérgio Gusmão,
29, foram alunos de direito de
Mangabeira na Universidade
Harvard (EUA). Um terceiro,
Carlos Sávio Gomes Teixeira,
35, exaltou a obra do chefe em
sua dissertação de mestrado
em ciência política na USP, sob
o título: "A esperança e a grandeza como forma de transformação: o pensamento político
de Roberto Mangabeira Unger
e o Brasil".
O orientador da tese, concluída em 2003, foi o hoje ministro da Educação Fernando
Haddad, que também o orienta
no doutorado na USP, igualmente sobre a obra do filósofo.
Teixeira compara Mangabeira a Karl Marx. "O escopo de
seus projetos teórico e político
é grandioso. Considero não ser
insensato compará-lo, em termos de abrangência e objetivos,
àquele empreendido por Karl
Marx no século 19", escreveu o
pupilo em um artigo publicado
em 2005.
A pouca idade e as mesuras
dos novos colegas, assim como
o enigma de um intelectual vindo da academia de outro país,
provocaram estranheza nos remanescentes do órgão anterior
para planejamento de longo
prazo, o NAE (Núcleo de Estudos Estratégicos), que permaneceram na estrutura.
Restaram 22, que se somaram aos 22 chegados pós-Mangabeira (dos 79 que a SPLP foi
autorizada a contratar). O grupo se divide em dois prédios em
Brasília, e ambas as estruturas
são precárias, poucas e pequenas salas para muita gente.
Na equipe que ficou há alguns militares, debruçados especialmente sobre o Plano de
Defesa Nacional, uma das primeiras incumbências da SPLP,
em parceria com o Ministério
da Defesa. O ex-chefe do NAE
era o coronel Oswaldo Oliva. Irmão do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), ele deixou o órgão com a chegada de Mangabeira, sob a alegação de que o
"padrão americano" de planejamento que o ministro pretendia implantar era incompatível
com o adotado até então, balizado pelo modelo europeu.
Nos últimos três anos, o NAE
preparou o programa "Brasil 3
Tempos", com metas e planos
para 2007, 2015 (Objetivos do
Milênio da ONU) e 2022 (bicentenário da Independência),
que Oliva finaliza agora como
assessor especial da Presidência. No topo da lista de prioridades está a melhoria e a universalização da educação básica.
Este é um dos seis eixos estudados pela equipe de Mangabeira. Os outros são: Ciência &
Tecnologia, Defesa, Geração de
Emprego, Política Industrial de
Inclusão e Amazônia/Mudanças Climáticas/ Biocombustíveis/Energia.
Na reunião em Pirenópolis,
foram apresentados pela equipe propostas para as seis diretrizes. Mangabeira teve o papel
de provocador, ora contestando, ora acrescentando dados.
No final de tudo, fez uma exposição sobre os eixos, com ênfase a valorização do trabalho.
Afirmou ser vital repensar as
relações do Estado com o trabalhador informal e apontar
saídas para incluí-lo no mercado. Cobrou da equipe novos estudos até novembro, quando
pretende formatá-los e apresentar ao presidente Lula.
Mangabeira não quer dar entrevistas por ora. Desde a posse,
só falou à revista Piauí: "Descobri que, para ajudar a transformar o Brasil, em primeiro lugar
tenho que transformar a mim
mesmo. (...) Sou um homem
sem charme num país de charmosos. Isso é uma séria complicação.(...) Eu preciso aprender
a ter charme. (...) É um processo lento. Mas no dia em que eu
conseguir dar um tapinha nas
costas de alguém, terei promovido uma revolução".
Aos 60 anos, casado, quatro
filhos, deixou a família nos
EUA e mora só em Brasília.
Chega cedo e sai tarde do ministério. No quarto de hotel onde vive, ouve óperas e música
clássica num volume que invade aposentos vizinhos.
No prédio do BNDES e do
Ipea onde está seu gabinete, só
entra pelo setor reservado às
autoridades, ao contrário do
presidente do Ipea, Márcio
Pochmann, que usa elevador e
entrada do público.
Nos dias que se seguiram à
rasteira do PMDB, Mangabeira
não foi visto por jornalistas que
foram ao prédio. O presidente
Lula quer manter o colaborador no governo, mas ainda não
se sabe com qual estrutura e arranjo jurídico.
Texto Anterior: Quitação de dívidas distingue valerioduto mineiro do mensalão Próximo Texto: Conselho de Ética do Senado está há quase um mês sem atividade Índice
|