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ANÁLISE
A indicação do ministro do Supremo
JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A INDICAÇÃO PELO presidente Lula do advogado-geral da União, José
Antonio Toffoli para o Supremo provoca celeumas. A OAB, a
favor. O Ministério Público, em
grande parte, contra. Os partidos da base governista, a favor.
Os de oposição, divididos. Pela
primeira vez, ocorre intensa
mobilização popular via internet também. Sites contra. Os
que são contra alegam que o
candidato não passou em concurso para juiz, no passado, não
tem saber jurídico como manda a Constituição, e é vinculado
ao PT.
Os que são a favor dizem que
experiência jurídica maior não
há do que ser por dois anos assessor jurídico da Casa Civil, e
por dois anos mais advogado-geral da União, comandando
mais de 7.000 advogados. Agindo profissionalmente com cautela, e sem acidentes maiores.
O fato é que, ao contrário da
carreira normal de um magistrado, desta feita, a entrada ao
tribunal não é por concurso.
Não é por nota mais alta. Trata-se de uma indicação política exclusiva do presidente. E trata-se de uma aprovação ou não,
mas também política, do Senado. Em vários países, como Estados Unidos e Inglaterra, até
agora, não há exigência formalizada de que membros das respectivas cortes superiores sejam bacharéis em direito. Na
Espanha, o atual Carlos Divar
não é magistrado. É que o Supremo é um tribunal sobretudo
político. Mas é também um tribunal que precisa ser neutro e
imparcial. Sua credibilidade reside na imparcialidade que torna imprevisível o voto por parâmetros políticos, mas previsível -o máximo possível- pela jurisprudência e pelo texto
da Constituição. Uma incerteza
previsível.
A disputa em torno de Toffoli
não diz, pois, respeito a seu passado. Diz respeito a seu futuro.
Como ele votará como ministro? Votará sempre com o PT?
Com suas teses? Seus votos são
de antemão previsíveis por critérios políticos? Serão partidários?
Os opositores receiam que os
votos de Toffoli em favor das
teses do governo sejam decisivos para diversos e importantes
temas que estão no calor da
apreciação do Senado, como a
questão do mensalão e a do italiano Battisti.
Dados da experiência histórica brasileira e da atual estrangeira podem ajudar a compreender o problema. Mesmo
tendo Lula indicado sete ministros para o Supremo, não existe
nenhum estudo, nem de hoje
nem do passado, que comprove
o alinhamento automático do
ministro do Supremo com o
presidente que lhe indicou. Esse alinhamento é mais vital no
sistema americano, onde só
existem na prática dois partidos. Lá, a Suprema Corte tem
sido alvo de uma disputa ideológica planejada e pensada tanto por Bush quanto por Obama.
Há cerca de 15 anos, por exemplo, os republicanos elegeram
como principal critério de indicação a aprovação para a corte
não o saber jurídico, mas a lealdade ao pensamento conservador. É que sempre que indicavam alguém, eles mudavam de
lado. Agora, fizeram a maioria.
Por enquanto.
Como aqui o presidencialismo é de muitos partidos, e de
alianças que se fazem e refazem
constantemente, e as indicações nem de FHC nem de Lula
têm sido partidárias, é difícil
prever com essas lentes os votos dos ministros. Agora mesmo, Ellen Gracie e Gilmar
Mendes, indicados por Fernando Henrique, votaram a favor
do ex-ministro de Lula, Antonio Palocci. As recentes e poucas pesquisas disponíveis indicam que o Supremo tende, sim,
a favorecer o governo quando
existe em jogo um megainteresse financeiro do Tesouro
contra os contribuintes.
Aí,
adiam decisões, retiram de
pauta, dão tempo para o governo capitalizar. Tendem a fechar
com o governo ou a não decidir
-qualquer que seja o governo.
A experiência histórica parece indicar que, como os ministros são vitalícios e os presidentes passam, a independência
acaba prevalecendo a médio e
longo prazo.
Pode ocorrer, no
entanto, que não prevaleça no
curto prazo. Diante dessa possibilidade real, o Senado americano achou por bem pedir à
candidata e atual ministra Sotomayor que respondesse, por
escrito e antes da sabatina, à seguinte pergunta: haveria algumas situações em que ela, como
ministra da Suprema Corte, teria dificuldades de julgar? Teria
conflitos de interesses? Em que
cenários seria potencialmente
parcial?
A ministra respondeu de modo a afastar especulações. Disse
que se declararia impedida em
casos que envolvessem a Universidade de Princeton, de onde é "trustee", as indústrias de
moda feminina Fendi, que foram cliente dela, e o escritório
de advocacia Lankler, Siffert e
Wohl LLP, com quem manteve
estreitas relações.
Também estaria impedida em todas as
questões que chegassem ao Supremo por recurso contra decisões do Painel do Segundo Circuito da Justiça Federal das
quais ela houvesse participado
como juíza. Com isso, desarmam-se os ânimos de quem temia por seus votos futuros. E
foi aprovada.
JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio
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