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José Graziano, assessor de Lula cotado para a Secretaria de Emergência Social, diz que "precisamos de todos os Betinhos" contra a fome
PT quer dar alimento a 2 milhões em 2003
LIEGE ALBUQUERQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
O projeto do PT de "segurança
alimentar" pretende acabar com a
fome de até 2 milhões de famílias
no primeiro ano de governo do
presidente eleito, Luiz Inácio Lula
da Silva. Para isso, deverá lançar
cupons de R$ 50 a R$ 150 para
compra de alimentos.
Essa será a prioridade da anunciada Secretaria Nacional de
Emergência Social. Um dos cotados para titular é o economista José Graziano da Silva, 53. Professor
de economia agrícola na Unicamp (Universidade de Campinas), ajudou a coordenar a campanha petista e é um dos assessores mais próximos de Lula.
Graziano falou ontem sobre a
implantação, por meio da secretaria, de parte do Projeto Fome Zero, lançado na campanha de Lula.
"Precisaremos da ajuda de toda a
população, de todos os Betinhos
da vida." Leia a seguir a entrevista.
Folha - Quais dados o PT usa para
medir o número de pessoas que
passam fome no país?
José Graziano da Silva - Trabalhamos com o conceito de insegurança alimentar, que é a situação
da pessoa pobre cuja renda não
consegue assegurar a alimentação
adequada. O nosso número estimado, com base na Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios" de 2001, é de quase 10
milhões de famílias, ou cerca de
46 milhões de pessoas.
Folha - Serão 10 milhões no primeiro ano sem fome no Brasil?
Graziano - Não, pretendemos
dar alimentação pelo menos para
20% dessas famílias, ou até 2 milhões no primeiro ano. Sabemos
que não é fácil. A meta é, em quatro anos, atender esses 10 milhões.
Folha - Para 2003, há outras definições dentro do Fome Zero?
Graziano - A outra ênfase é o primeiro emprego, serão 400 mil jovens no primeiro ano. Vamos
também discutir e detalhar melhor outros programas previstos
no projeto de governo, apoio à
agricultura familiar, reforma
agrária, manter [os programas]
Bolsa-Escola e renda mínima.
Aqui uma diferença importante: o
renda mínima é para quem tem
renda zero. O programa de cupons do Fome Zero é outro.
Folha - É um complemento de
renda para a família?
Graziano - Sim. Queremos assegurar que o gasto mínimo em alimentação tenha um valor. O crédito deverá ser de R$ 50 a R$ 150,
para a família que comprovar a
renda inferior a R$ 76 per capita
para a alimentação.
Folha - Como garantir que os cupons sejam realmente usados para
alimentação? Haverá fiscalização?
Graziano - Há uma grande alarde com essa idéia do desvio. Nos
Estados Unidos, onde há esse
programa de cupom, o desvio é
inferior a 1%. Eles descentralizam,
há fiscalização da comunidade local. E também mostram que não é
uma esmola, é um direito. Você
forma uma consciência de cidadania: dá um vale-alimentação
para a mãe, e ela não vai deixar o
marido pegar e tomar cachaça. E
há o grande benefício da informática, não dá para violar um cartão.
Folha - Então serão como cartões
magnéticos?
Graziano - Sim, e todo mês recarrega o valor. E lá no supermercado haverá uma lista do que pode
ser comprado com o cartão. Pretendemos fazer uma coisa regionalizada, além de uma lista de
produtos básicos. Os produtos serão os mesmos da cesta básica,
para não permitir compras de
produtos de luxo. No município
que não tiver possibilidade de implantar o cupom eletrônico, vamos fazer tíquetes de papel, com
troca de cor mensal. Contaremos
com a ajuda da sociedade e de
ONGs para fiscalizar.
Folha - E esse cupom poderá ser
usado em qualquer lugar?
Graziano - Não, haverá um cadastramento prévio, voluntário,
de mercados e supermercados.
Para entrar no cadastro, terão de
cumprir determinadas condições:
ter uma lista de produtos, manter
os preços. E vão receber a maquininha dos cartões.
Folha - O sr. falou que o governo
Lula pretende recriar o Consea
(Conselho Nacional de Segurança
Alimentar, criado por Itamar Franco em 94 e extinto no começo do
governo FHC). As queixas de um
dos participantes, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, era que
as reuniões que deveriam ter nove
ministros nunca aconteciam.
Graziano - E o que ia, que era o
do Planejamento, vivia brigando
com o Betinho porque não acreditava no conselho.
Folha - Vão recriar mesmo não
tendo dado certo?
Graziano - Nossa avaliação não é
que não deu certo, mas que não
houve interesse do governo. O
Consea -no período em que
funcionou como prioridade política, pouco tempo- deu resultados. Mas depois diluíram as atribuições do Consea no Comunidade Solidária. Nossa tentativa de
recriar o Consea é para dar participação à sociedade civil organizada, precisamos dos Betinhos da
vida. O programa de combate à
fome não é do governo, precisamos de voluntários, das ONGs. É
uma cruzada contra a fome.
Folha - A deputada Angela Guadagnin disse que o PT deverá usar
os dados do Comunidade Solidária
do "mapa da indigência" para basear o Fome Zero.
Graziano - Sim, não pretendemos perder tempo fazendo novas
listas, novos diagnósticos. Os dados existentes permitem localizar
a fome por região, por cidade. Vamos verificar listas de pessoas que
vivem nessas áreas, com as prefeituras e os Estados, cruzar dados o
mais rapidamente possível.
Folha - Já há regiões prioritárias?
Graziano -A idéia de uma secretaria emergencial é a partir da
idéia da seca no Nordeste. Mesmo
que comece a chover em novembro, em janeiro vamos ter gente
perdendo parte da safra ou produção. Lá é mais emergente, será
uma das prioridades. Mas há outros pontos, de regiões metropolitanas, como São Paulo.
Folha - Há projeto de restaurantes populares?
Graziano - A idéia é de parceria
com as prefeituras, de estudar
isenções de impostos e incentivos
fiscais às prefeituras que implantarem restaurantes populares.
Folha - São programas que podem ser acusados de assistencialistas ou populistas. Não há temor
dessas críticas?
Graziano - Vamos correr esse
risco. Pretendemos que a participação da sociedade civil minimize
possíveis desvios do cupom.
Achamos que haverá gente que
pode querer se aproveitar disso,
mas contamos com o apoio da
população para fiscalizar. Há o
risco das críticas e do mau uso
[dos cupons".
Folha - O sr. falou que estima que
implantar os cupons, as máquinas,
vá custar R$ 5 bilhões no primeiro
ano. O dinheiro vai sair de onde?
Graziano - Do Fundo de Combate à Pobreza, no orçamento há dinheiro para isso. Esse é o custo,
mas tem o benefício. Vai gastar
com alimentação, vai ter benefícios: diminuir os gastos na saúde,
por exemplo.
Folha - Mas o fundo da pobreza,
segundo o governo, já está alocado
para programas sociais.
Graziano - Hoje os R$ 4,5 bilhões
que tem lá [no fundo] é metade
para Bolsa-Escola. Mas temos no
orçamento cerca de R$ 45 bilhões,
também já alocados, para programas sociais. Nós achamos que dá
para evitar superposições de gastos, por exemplo. Por mês, o fundo recebe R$ 2 bilhões da CPMF.
Se não conseguir remanejar muito, não vamos conseguir 2 milhões de famílias no primeiro ano,
um pouco menos.
Folha - O PT vai manter a CPMF,
prevista para acabar em 2004?
Graziano -Esperamos arrumar
recursos de outro lugar. Essa
questão de dinheiro é de prioridade política. Pode faltar para muita
coisa. Mas a idéia do presidente
eleito é que a prioridade política é
o combate à fome. Pode faltar recursos para ampliar estradas, mas
não para isso. Quando o cobertor
é curto você puxa do lado e descobre do outro.
Folha - Há outros programas no
Fome Zero. Todos deverão ser implantados?
Graziano - Sim. Na questão da
reforma agrária a primeira coisa é
fazer um levantamento dos assentamentos. Há muita controvérsia.
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