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Coordenadora dos programas de combate à miséria do governo FHC crê que dar dinheiro direto ao beneficiado é mais eficaz
Cupons são "retrocesso", diz Wanda Engel
RANIER BRAGON
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE
A coordenadora dos atuais 13
programas de combate à miséria
do governo Fernando Henrique
Cardoso, a geógrafa e doutora em
educação Wanda Engel, 58, afirmou ontem à Folha considerar
um "retrocesso" a possível reativação dos "cupons de alimentação" como instrumento de combate à fome.
A proposta vem sendo estudada
pela cúpula petista como meio de
tentar cumprir a promessa feita
pelo presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) de dar a seu primeiro ano de mandato o "selo de
combate à fome".
Segundo Engel, que coordena o
Projeto Alvorada, dar dinheiro diretamente ao beneficiado -por
meio de cartões bancários- tem
se mostrado uma prática muito
mais eficaz. "Abrir mão de ter dinheiro por meio do cartão é um
retrocesso", afirma.
Engel diz que é necessário o oferecimento de condições de promoção humana, como acesso à
educação, saúde e a programas de
geração de renda.
Ela disse também acreditar ser
uma questão "muito complicada"
a idéia dos petistas de usar os R$ 4
bilhões do Fundo de Combate à
Pobreza para financiar o projeto
de combate a fome, já que outros
programas sociais se utilizam do
fundo. Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
Folha - O que a sra. achou da proposta de combate à fome como
prioridade do novo governo?
Wanda Engel - Acho excelente
dar prioridade zero para a questão da pobreza. Eu apenas descolaria um pouco da questão da fome e chegaria a uma proposta de
superação de miséria. O nosso
problema não é inexistência de
comida, mas a inexistência de recursos financeiros para a aquisição de comida. A fome, na verdade, é sintoma de uma situação de
pobreza absoluta que faz com que
24 milhões de pessoas não tenham renda suficiente para adquirir o mínimo de calorias necessárias à manutenção da vida.
Folha - A sra. propõe outras ações
aliadas ao combate à fome?
Engel - Para essa categoria de
miseráveis, que a gente chama de
núcleo duro da pobreza, sem dúvida nenhuma não dá para ir com
essa de ou dar o peixe ou ensinar a
pescar, porque ele morre de fome
antes de lhe ensinarem a pescar.
Acho que o que evoluiu foi que
saímos da questão da distribuição
de comida, de boleto, para dar dinheiro direto à família.
Folha - Qual a diferença do "boleto" e do dinheiro direto?
Engel - Primeiro, a gente acaba
com esse preconceito de que pobre não sabe gastar dinheiro e que
vai comprar cachaça, porque, na
verdade, se for distribuído em comida, boleto, seja o que for, se ele
quiser trocar por cachaça ele vai
trocar e ainda vai ter um ágio.
Além disso, a gente vem descobrindo que existe uma racionalidade no uso desse recurso, racionalidade maior se você coloca esse recurso na mão da mulher.
Abrir mão de ter dinheiro através
do cartão é um retrocesso porque
você tem um mecanismo pronto.
Folha - Quantos cartões já foram
distribuídos?
Engel - Oito milhões. A meta é
chegar até 9.300 famílias até o fim
do ano. Estamos em um processo
de cadastramento não só dos 24
milhões de miseráveis, mas dos 57
milhões de pobres. Já cadastramos cerca de 60% das famílias, esperamos que até o fim do ano esse
índice chegue a 80%.
Folha - Houve um atraso nesse cadastramento, não?
Engel - Várias questões contribuíram para isso, uma delas foi o
período eleitoral, porque havia
uma certa desconfiança do uso
que se faria disso.
Folha - É viável a proposta de tirar recursos do Fundo de Combate
à Pobreza para financiar o programa contra a fome?
Engel - Esses R$ 4 bilhões [recursos médios anuais do fundo] estão divididos na rede de proteção
social, no Bolsa-Alimentação, no
Bolsa-Escola, no Peti, no Agente
Jovem, em programas de saneamento. É uma questão complicada. Acho muito difícil.
Folha - Por que o governo FHC
não conseguiu erradicar a fome?
Engel - Apesar de não afirmar
que não existe gente passando fome, acho essa idéia falsa. Se tiver
ainda alguém passando fome é
por dificuldade das prefeituras de
chegar a essas famílias.
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