São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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RAIO-X DA EDUCAÇÃO

Governo criou marcas de impacto, como CEU e Vai-e-Volta, mas não formulou política de checagem de conteúdos formais

Educação inova, mas sem avaliar aprendizado

LAURA CAPRIGLIONE
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

A prefeita Marta Suplicy (PT) encerra seu mandato sem que a educação municipal, marcada por projetos caros e ambiciosos, preste contas à sociedade sobre o aprendizado dos alunos acerca dos conteúdos formais.
O único estudo disponível sobre o desempenho de estudantes do ensino básico é feito de dois em dois anos pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do Ministério da Educação. Em 2003, ele apontou deficiências graves em português e matemática no país, mas o tamanho da amostra não permite isolar o dado da rede municipal.
Sem a informação, o parâmetro qualitativo de ensino não é considerado na Gratificação de Desenvolvimento Educacional -um bônus anual de produtividade paga aos professores da rede.
Segundo a própria secretária municipal da Educação, Maria Aparecida Perez, o bônus não leva em conta a aquisição de conhecimentos formais, mas a evasão escolar, as faltas dos professores, a fixação de funcionários à escola, o número de projetos especiais e a participação da comunidade na vida escolar. Nada sobre o principal: o aprendizado dos alunos.
O buraco negro contrasta com outras tantas iniciativas adotadas por um governo que aliou programas de forte apelo publicitário a políticas que, de fato, mudaram para melhor o panorama do setor.
Ampliaram-se as vagas. Dotou-se a cidade de um sistema público de transporte escolar que atende 107,2 mil alunos. Os estudantes ganharam uniformes e material. A rede incorporou refeições à merenda de 790 mil alunos.
Com tudo isso, as taxas de evasão, um dos principais indicadores de qualquer política educacional, caíram de 2,15% em 2000 para 1,1% dos alunos no ano passado. No mesmo período, os índices nas escolas do Estado instaladas na cidade foram de 5% para 3,4%.
Os dados empurram ao desuso as críticas sobre o caráter assistencialista das ações. "O que evoluiu foi a compreensão do significado de acesso e permanência. O poder público assumiu que transporte, material, suplementação de renda são condição de sustentabilidade de algumas crianças na escola", avalia Maria Sílvia Bonini, 57, do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).
O projeto mais vistoso são os já conhecidos CEUs (Centros Educacionais Unificados): 21 unidades nos bolsões de pobreza, com piscina, quadra etc. Cada um custou R$ 17 milhões. Juntos, atendem em sala de aula 52,5 mil dos 945,4 mil alunos da rede -30 mil deles seguem em 50 escolas de lata. O contraste gera polêmica.
"O apelo publicitário dos CEUs centra-se em insumos, estrutura. Mas há estudos que mostram que, se invisto nos insumos e não invisto em processos, o impacto na qualidade não é forte. Aí eu só tenho uma escola modernosa", diz Lourdes Marcelino Machado, 63, doutora em educação e vice-presidente para o Sudeste da Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da Educação).
"Um projeto mais modesto, que tivesse abrangência maior, seria melhor do ponto de vista pedagógico, educativo e técnico", completa João Cardoso Palma Filho, 60, diretor do Instituo de Artes da Unesp e coordenador do Pedagogia Cidadã, programa de formação de professores de 1ª à 4ª série.
A secretária de Educação rebate. "Os CEUs foram planejados para atender também o entorno. Não precisaremos construir teatros e piscinas em todas as escolas."
Até julho, os CEUs foram usados por 500 mil crianças de outras escolas e cerca de um milhão de moradores do entorno.
"O CEU é uma experiência paradigmática importante. Criou-se um padrão de qualidade. Agora todo mundo quer CEU. No fundo, quando o poder público cria uma escola melhor, isso é um problema para ele mesmo, mas tem de fazer", avalia o sociólogo Cesar Callegari, 51, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.


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