São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PT X PSDB

Articulador político do governo busca abrir negociação com tucanos e diz que oposição erra ao apostar no prolongamento das investigações

Wagner propõe fim da "guerra" nas CPIs

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais) diz que o ex-tesoureiro Delúbio Soares "traiu a alma" do PT. Cobra "responsabilidade política" do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, mas não vê "fato concreto" que o ligue ao "mensalão". Articulador político do governo numa hora em que PT e PSDB se digladiam, Wagner propõe, em entrevista à Folha, uma "pacificação" com a oposição. Diz que uma guerra entre petistas e tucanos favorece conservadores. Sugere que as investigações das três CPIs do Congresso sejam encerradas por acordo até 15 de dezembro e enviadas ao Ministério Público, à Justiça e à Polícia Federal. Afirma que o desgaste de Lula e do PT já "está consolidado" e que não deverá aumentar. Diz que será "equívoco" a oposição estender mais as investigações para minar o PT por conta da sucessão presidencial de 2006. Acha que terá "efeito reverso".
Wagner diz que PT e PSDB têm "elementos de identidade" e que deveriam se entender em torno de "agenda comum" para restaurar o "bom senso" no Congresso.
Defende que Lula seja candidato à reeleição. Afirma que seria "honra" receber convite para participar da campanha do presidente no ano que vem. Diz, porém, que Lula não decidiu.
Aos 54 anos, Wagner se diz um "judeu eclético". Acredita no candomblé (seu orixá é Oxalá, o pai de todos os deuses dessa religião afro-brasileira). E revela que, no dia da eleição para o novo presidente da Câmara, ligou para um primo que é monge budista no Japão e pediu "uma oração". Elegeu Aldo Rebelo (PC do B-SP) presidente da Casa. A seguir trechos da entrevista, dada na quinta-feira.

Folha - O pior da crise passou?
Jaques Wagner -
Não gosto dessa idéia. Enquanto houver turbulência política, que não chamo de crise, é ruim para todos.

Folha - O governo Lula e o PT já pagaram o preço da crise ou ainda se desgastarão mais?
Wagner -
Do ponto de vista do PT e do governo, está consolidado o desgaste. Alguns da oposição tentam prolongar mais o processo de investigação, acreditando que isso pode desgastar mais ainda. É um equívoco. Sou suspeito para falar, mas chega a um ponto no qual a própria população se dá conta de que o interesse maior não é esclarecer e investigar. Vira guerra política. Tem de investigar e punir quem tem de ser punido. Mas é ruim esse ambiente de muita tensão na Câmara e no Senado entre governo e oposição. Perde-se o bom senso.

Folha - Qual é a saída?
Wagner -
Enviar para o Ministério Público, a Justiça e a Polícia Federal o que já está consolidado das investigações. Concluir as investigações. Até 15 de dezembro seria bom para todo mundo.

Folha - Não é dificílimo acordo para encerrar as CPIs nesse prazo no atual clima entre PT e PSDB? Wagner - Na última semana, liguei para o senador Eduardo Azeredo e falei com o senador Arthur Virgílio [ambos do PSDB]. Na próxima, não terei dificuldade de procurar outros membros da oposição. Ultrapassada a convenção do PSDB [dia 18], creio que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, não terá dificuldade para conversar com o novo presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati. Acima da disputa de 2006, há interesses nacionais. Falta um ano para as eleições. Se o objetivo da oposição era, em parte e dentro do jogo político, desgastar a imagem do PT, o desgaste está consolidado. Se tentar aumentar o desgaste, haverá efeito reverso.

Folha - A oposição diz que o presidente e o PT estimulam esse clima de guerra.
Wagner -
Se eu estou como articulador político do presidente colocando essa posição, evidentemente reflito o que escuto dele.

Folha - O que o sr. escuta?
Wagner -
Que é preciso criar um clima para as coisas funcionarem normalmente. Evidentemente, após meses no qual ele e o PT apanharam muito, o presidente, quando perguntado, tem dito que os petistas precisam fazer disputa política, defender o governo, defender as coisas boas que a gente fez e se defender das acusações. Alguns tentam carimbar o PT como o partido da corrupção, o que nenhuma das investigações mostrou ser verdadeiro.

Folha - Se Lula estimula disputa política, não é contraditório o sr. falar em pacificação?
Wagner -
No Parlamento, é absolutamente legítima a disputa política. O ruim é a disputa deixar de ser a respeito de projetos e virar luta pessoal, campeonato de quem é mais ou menos honesto.

Folha - O ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral) disse que FHC teve ação antidemocrática na crise. O sr. concorda?
Wagner -
Na minha estratégia de pacificação, prefiro não falar. Quando o clima fica quente demais, qualquer opinião pode ser mal interpretada. PT e PSDB têm elementos de identidade na sua origem e história. O PT se formou abrindo espaço para segmentos que não tinham participação na política, com bandeira de justiça social e de melhora das condições de vida da população. O PSDB também seguiu esse caminho. É boa a luta de superação de um pelo outro. Alguém provar perante a sociedade que seu projeto é melhor, que sua gestão é melhor. Quando alguém para dizer que é bom precisa provar que o outro é ruim, faz guerra de destruição e prejudica a democracia.

Folha - O sr. propõe, então, é um limite para a luta política?
Wagner -
Ou se estabelece um limite ou vira luta fratricida na qual os dois morrem.

Folha - Se continuar a guerra, o sr. vê espaço para uma terceira força conquistar a Presidência, um Anthony Garotinho (PMDB)?
Wagner -
Se os dois partidos mais fortes para 2006 se fragilizam, não tenho dúvida de que mais de uma força se beneficiará. É vantajoso para as outras forças que trabalham em torno do PT, do PSDB e que podem ter candidatura própria.

Folha - A guerra PT-PSDB favorece os conservadores? Aumenta a dependência do governo do PMDB e fortalece o PFL na aliança com o PSDB?
Wagner -
Favorece, mas não quero transmitir arrogância. Respeito todos os candidatos e todos os partidos. Todos têm legitimidade para concorrer com seu projeto político. No entanto, a busca por aliados será mais difícil e custosa se PT e PSDB se fragilizarem.

Folha - A médio e longo prazos, PT e PSDB não deveriam se entender numa aliança eleitoral?
Wagner -
Insisto que, do ponto de vista programático, eles têm mais afinidades do que discordâncias. Quando entra na disputa eleitoral, destacam-se as distâncias e não as proximidades.

Folha - O presidente do PSDB, José Serra, diz que o caso Azeredo não se compara ao "mensalão". Ele tem razão?
Wagner -
Essa linha de argumentação é apostar no esquentamento do conflito. Depois de cinco meses de investigação, "mensalão" nos termos em que foi colocado não existe. Rede de corrupção não existe. Comprovou-se uma corrupção nos Correios. Houve uma tentativa de honrar compromissos de campanha de forma atabalhoada e com um preço político muito alto.

Folha - Mais do que atabalhoada, não foi de forma criminosa para um partido que tinha a ética como principal valor?
Wagner -
Para mim é a mesma coisa. Os dois cometeram o crime do caixa dois. É uma ilegalidade que virou corriqueira, mas afronta as pessoas que pagam seus impostos decentemente. A diferença que pesa mais para o PT é que o pecado do pecador não assusta mais as pessoas. Já o pecado do pregador desgasta muito mais, pois há a quebra da expectativa da pregação feita. Não se pode é generalizar. Se o PT não é o partido dos anjos, o que eu nunca disse que era, seguramente não é o partido dos demônios ou corruptos. Vejo exagero da oposição ao tentar fazer linchamento público do PT pelo erro de alguns, que têm de pagar e já estão pagando.

Folha - A oposição diz que é impossível que Lula não soubesse do "mensalão". Ex-petistas, como a senadora Heloísa Helena, disseram que Lula sempre soube o que se passava no PT. O sr. acredita que ele não sabia?
Wagner -
Totalmente. Se soubesse, seguramente não admitiria que no seu governo e no seu partido fosse operado algo desse tipo. O que mais constrange o presidente é a revelação de que alguns do PT se deixaram absorver por uma máquina podre que existia.

Folha - O presidente se disse indignado e traído. Indignado por quê? Traído por quem?
Wagner -
Indignado pelo que acabei de falar. Sobre traição, ele nunca citou nomes para mim.

Folha - O sr., que convive com ele diariamente, não tem idéia?
Wagner -
Ele se sente traído por quem operou dessa forma sem lhe dar conhecimento. Tem uma frase dele que é a seguinte: "Nunca imaginei que a gente pudesse pagar um preço nessa esfera que a gente está pagando". Então, a traição é a traição às convicções dele.

Folha - Seriam o Delúbio e o José Dirceu?
Wagner -
Não sei. Não posso falar pelo presidente.

Folha - Na sua opinião, o Delúbio é um traidor?
Wagner -
É. Como o Delúbio fez essa operação, não tenho dúvida de que ele traiu a alma do PT.

Folha - E o José Dirceu?
Wagner -
Como sou amigo do Zé Dirceu, não busco nele culpa, mas busco responsabilidade. O sistema político que ele adotou para ter a maioria dentro do PT, e que eventualmente transbordou na operação das construções de maioria, é um sistema monolítico. Foi um sistema político que estressou muito as relações dentro do PT. A responsabilidade é sobre essa constituição de maioria. De resto ["mensalão"], até agora não apareceu nenhum fato concreto contra ele.


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