São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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ELIO GASPARI

Os novos bruxos usam velhos métodos

Os muros de Brasília lembram que, em 1984, uma expedição comandada por um oficial do Centro de Informações do Exército saiu pela noite pregando cartazes nos quais Tancredo Neves estava retratado abaixo de uma foice e martelo com a inscrição: "Chegaremos lá". Os comandantes militares das época obstruíram a investigação e disseram que nada tinham a ver com a história.
A bruxaria difamatória voltou. Em benefício do governo, os delinqüentes não foram favorecidos por qualquer obstrução. O episódio dos cartazes que mostravam a cabeça do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, no corpo de Adolf Hitler, pode ajudar a observação da promiscuidade estabelecida entre o PT, o governo, o sindicalismo da CUT e os seus esquadrões aparelhados.
Aos fatos, em ordem cronológica:
22 de setembro: Avel de Alencar, 42 anos, funcionário do Serpro, petista desde 1993, diretor-jurídico do Sindicato dos Profissionais em Processamento de Dados de Brasília, recebe uma mensagem eletrônica de Marcos Wilson, assessor da liderança da bancada do PT na Câmara Legislativa da cidade. Anexa, vai a fotomontagem de Bornhausen/Hitler. Wilson expediu a encomenda usando o endereço eletrônico de sua filiação partidária (ptcldf.org.b r).
2 de outubro: Em nome da Escola de Formação de Trabalhadores de Informática, Abelmar Avelar, irmão de Avel, contrata a impressão de 3.000 cartazes com a montagem. A EFTI é um pequeno empreendimento ajudado pelo Programa de Expansão Profissional do MEC. Entre os seus clientes lista a Fundação Banco do Brasil, seis ministérios, dois tribunais e pelo menos outros dez fregueses da Viúva. O serviço foi pago com um cheque pessoal de Avel no valor R$ 1.060. Ele é o diretor-geral da EFTI.
6 de outubro: Os cartazes são entregues a Avel. Pelo menos mil serão guardadas em local ao alcance da direção do Sindicato.
7 de outubro: Lula recebe a bancada petista no Planalto e, referindo-se aos parlamentares acusados de corrupção, diz que "é preciso ter mais solidariedade, pois todos são construtores do PT".
19 de outubro: O repórter Jorge Bastos Moreno é informado de que, durante um reunião, Lula teve um descontrole verbal ao reclamar de Bornhausen.
20 de outubro: O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ex-presidente da CUT, ataca a oposição e diz que "Bornhausen tem saudades de Hitler".
24 de outubro: Moreno revela em seu blog a informação que recebera dias antes: "Palavrões mesmo. Desses capazes de arrepiar o mais desbocado dos desbocados". Na mesma noite o porta-voz do Planalto desmente essa informação. (A pessoa que a deu não fez o mesmo, chegando a repeti-la em outra oportunidade.)
Durante a madrugada os cartazes, guardados há 18 dias, são colados em muros na Esplanada dos Ministérios.
25 de outubro: Avel Alencar assume a responsabilidade pela bruxaria: "Eu mandei fazer a arte e paguei com meu dinheiro".
No mesmo dia o governo, a CUT e caciques petistas condenaram a iniciativa. Cristiane Arnaud, presidente do Sindicato dos Profissionais em Processamento de Dados, informou: "Nós não o apoiamos, foi uma coisa só dele". Em seguida revelou que destruiu mil cartazes. Falta explicar como, não tendo nada a ver com a história, podia tomar essa providência.
Talvez interesse aos companheiros o desfecho do caso dos bruxos de 1984. O oficial cuja tropa fora utilizada, a pedido do CIE, teve a carreira liquidada pelo silêncio de seus cúmplices.

Lula abriu o Museu do Nosso Guia

Deve-se aos repórteres Ana Flor e Lula Marques a revelação de que o presidente da República instalou um Museu Lula no mezanino do Palácio do Planalto. São umas vinte peças, guardadas num mostruário envidraçado. Vão desde as fichas de inscrição do casal Da Silva no PT ao mandado de prisão do "Nosso Guia", de fevereiro de 1981. A vitrine fica na passagem de companheiros, convidados e chefes de Estado que porventura entrem no gabinete presidencial.
Há lugares como a Casa Branca ou o Palácio Eliseu, onde se homenageiam os governantes do passado. Não há notícia de gabinete presidencial onde se glorifique o titular. Se essa idéia ocorreu a ególatras como Napoleão, Stálin ou Joseph Mobutu, algum assessor devolveu-os à sanidade. (O casebre de quarto e sala onde Stálin nasceu foi transferido para uma caixa de vidro, anexa ao museu do Guia Genial, em Gori, na Geórgia. No Kremlin ele não mexeu.)
A vitrine do Nosso Guia, somada às estrelas petistas plantadas nos jardins do Alvorada e do Torto, mostram que Lula gosta de se confundir com o Estado e de confundir o Estado com o PT.

Tem mais
Marcos Valério tem bala para fazer novos e poderosos estragos no tucanato mineiro. O PT sabe disso e o PSDB sabe que o PT sabe. Maganos dos dois partidos acreditam que conseguem fazer uma pizza. É o pessoal que tentou conceder um habeas-caixa a Eduardo Azeredo.

Adhemar do PT
O filósofo italiano Antonio Negri, co-autor de "Império", fabuloso trabalho sobre a globalização da economia, trouxe uma contribuição para o debate dos costumes petistas. Referindo-se à crise por que passa o partido, disse o seguinte: "Pode ser corrupto, mas é aberto aos movimentos sociais". Noves fora a necessidade de se definir o significado de "aberto aos movimentos", Negri dignificou o neo-adhemarismo. Adhemar de Barros governou São Paulo por dez anos, entre 1938 e 1966, acompanhado pelo slogan "rouba mas faz". O neo-adhemarismo opõe-se ao pesadelo de um governo que rouba, mas não faz. Polemista destemido, Negri penou 14 anos de exílio e dez de prisão por ter sido considerado um ideólogo da organização terrorista italiana Brigadas Vermelhas.

Urucubaca
O Tribunal de Contas descobriu que a revista "Brasil" editada pela Secretaria de Comunicação do comissário Luís Gushiken mimou seus fornecedores com pagamentos 75% acima dos preços do mercado. A Viúva pode ter perdido uns R$ 5,77 milhões. Essa revista tem urucubaca. Em novembro de 2003, ela informou que no governo de "Nosso Guia" já funcionava um Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção. Falso. O que funcionava era o "mensalão". O Conselho não havia sido formado.


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