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JANIO DE FREITAS
O bonde
Governadores em viagem à Suíça contribuem para o propósito de desviar bilhões das necessidades prementes
EM POSES e cores para todos os
gostos, hoje a TV e amanhã os
jornais vão brindar-nos com
imagens de um grupo de governadores, encabeçado por seu presidente,
em viagem à Suíça sob a justificativa
geral de fazer "lobby" pela indicação
do Brasil para sede da Copa do Mundo de 2014. O motivo citado é uma
falsidade: o Brasil é candidato único,
logo, não era necessária pressão alguma, a Fifa ficou sem alternativa. O
que as imagens vão mostrar, de fato,
não é um grupo de governadores
com seu presidente, aquele que lhes
solta verbas em troca de agrados, é o
bonde dos irresponsáveis.
Bem à maneira carioca, assaltantes do Rio deram esse nome -bonde- ao tipo, digamos, de operação
em que agem uns seguindo os outros, todos orientados para o mesmo
objetivo. O bonde que se mostra na
Suíça é uma contrafação do bonde
carioca. De olho no duplo objetivo
de agradar a Lula e de explorar os
entusiasmos ingênuos dos seus eleitorados, o grupo de governadores
está contribuindo para o propósito
irresponsável de desviar vários bilhões das necessidades mais prementes, para uma espécie de festa
que não faz falta ao Brasil.
O arrazoado que a Fifa recebeu
com o compromisso do governo
brasileiro é um amontoado de mentiras. Tanto sobre condições já existentes para sustentar a candidatura
à Copa, entre as quais estão referências à infra-estrutura e à segurança
absolutamente forjadas, como sobre
disponibilidades do país para cumprir as exigências em construção de
estádios e de mais e gigantesca infra-estrutura pelo país afora, para os
eventos da Copa e para os alegados
milhões de torcedores estrangeiros.
Tostão, hoje tão admirável no jornalismo quanto foi no futebol, anteontem lembrou na Folha, em
ponderações sobre a Copa no Brasil,
o gasto gigantesco com o Pan no
Rio. O gasto admitido é superior a
quatro vezes o custo apresentado
para trazer os jogos. E não está incluída grande parte das obras presentes no custo orçado, mas não saídas do papel, como o metrô da Barra. Nunca foi apresentado o custo final e verdadeiro do Pan: é uma verificação que o Ministério Público Federal e o do Estado do Rio devem à
população e à sua própria respeitabilidade. O que se sabe de certo é
que os dados oficiais não são confiáveis, ou por incompletos alguns, ou
porque falsos. Sem falar nas manipulações que multiplicaram custos
de obras e equipamentos como
milagres do padrão de moralidade
nacional.
O tal saldo, em turismo para o Pan
e em aumento formidável dos visitantes futuros, não houve. O saldo
em melhorias para a cidade, idem,
porque não houve as tais obras. O
saldo para o esporte está em um
centro esportivo que a prefeitura
nem ao menos conseguiu arrendar
por uma ninharia, e lá está, na Barra, com o custo por se pagar e com a
manutenção significando novos
custos -e entregue aos mosquitos
da dengue na Barra. O novo estádio
de futebol, um dos milagres da multiplicação de custos, foi arrendado
ao Botafogo para um ou dois jogos
por semana, enquanto o Maracanã,
há 57 anos uma bomba de sugar recursos públicos, fica ocioso na
maior parte das semanas.
A Olimpíada de 2004 custou à
Grécia US$ 12 bilhões. Iria pagar-se
com o turismo imediato, os patrocínios e, nos anos vindouros, com o
incentivo adicional aos atrativos
gregos para visitantes estrangeiros
com poder aquisitivo. Além do
imenso rombo, por não se cumprir
nenhuma das previsões de receita, a
Grécia recebeu da Olimpíada um
outro problema financeiro, sobre o
qual nem cogitara: a vasta estrutura
de construções esportivas e equipamentos não encontra uso que a justifique, mas o custo de conservação
pesa muito nos recursos públicos.
Enrolado na CPMF, o ministro
Guido Mantega, da Fazenda, admitia ontem o aumento das verbas para a saúde, como retribuição aos votos oposicionistas, "em mais 1%, depois até 2%, 3%". Embora criada para financiar a saúde, a CPMF só é
destinada a tal fim, pelo governo da
justiça social, em 42% do total arrecadado. A oferta de Mantega, portanto, com base na arrecadação de
R$ 40 bilhões, representaria aumento entre R$ 400 milhões e R$
1,2 bilhão para a saúde. Não há como fazer comparação com o custo
da Copa, porque o seu custo orçado
é mentiroso, e o acréscimo da roubalheira usual é imprevisível. Nem é
preciso comparar: a oferta de Mantega subscreve a indigência dos serviços de saúde no país, no tratamento tanto aos pacientes como aos médicos, enfermeiros, hospitais e escassos postos de saúde.
Isso, porém, é motivo de inquietação para pessoas responsáveis, ou
simplesmente pessoas. Não move o
bonde dos irresponsáveis.
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