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GOVERNO
Em discurso na última reunião ministerial de seu mandato, presidente diz "que preço da estabilidade é eterna vigilância"
FHC faz mea culpa ao "prestar contas ao país"
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na última reunião ministerial
de seu mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez um
apelo indireto ao seu sucessor, para que não faça um governo de
"negação" dos avanços conquistados. Ele insistiu em dizer que o
novo governo não deve imaginar
que vai inventar a roda. "E o pior
é, quando a roda já está inventada, fazê-la quadrada", disse.
Em discurso de uma hora e 15
minutos, que chamou de "prestação de contas ao Brasil", advertiu
que a estabilidade político-econômica que conquistou nos últimos
oito anos não é uma herança permanente. "O preço da estabilidade é a eterna vigilância", disse, fazendo uma paráfrase do lema da
UDN (União Democrática Nacional) nos anos 60: "O preço da liberdade é a eterna vigilância".
FHC destacou que, nas trocas de
governos, os programas não devem começar "do zero" e citou
iniciativas de José Sarney e Itamar
Franco para mostrar que utilizou
como base esforços já existentes.
"Seria incorreto imaginar que o
que se fez nestes oito anos fez-se a
partir do dia 1º de janeiro de 1995.
Antes já havia esforços, antes já
havia transformações."
O presidente reconheceu diversos erros de sua gestão. Um dos
principais teria sido a falta de investimentos e de alertas que levaram ao racionamento de energia.
FHC admitiu que as estradas brasileiras estão em mau estado e que
o atendimento médico é precário.
Ele rejeitou o rótulo de neoliberal. "O Estado não ficou paralisado. Não ficou um Estado refém de
mercado nenhum." FHC afirmou
que o clima de "plena democracia" foi o maior marco de seu governo. Ele disse resistir à idéia de
apontar seu maior "legado", porque sua vida pública não teria terminado, apesar de anunciar sua
retirada da cena político-eleitoral.
FHC apresentou o livro "Brasil,
1994 a 2002 - A Era do Real" e disse que Luiz Inácio Lula da Silva, a
quem não citou nominalmente,
terá seu apoio se quiser, para o
bem do país.
Dentro do que chamou de mudança de mentalidade política,
como o fim do "clientelismo",
"caudilhismo" e "mandonismo",
FHC destacou a tolerância que
disse ter tido com "movimentos
sociais pouco afeitos às práticas
democráticas", em alusão indireta ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Disse que teve atitude democrática ao não interferir com a imprensa, apesar de momentos de
injustiça. Afirmou que "parlamentarizou" o presidencialismo
com a contínua prestação de contas ao Congresso, inclusive com
convocações de ministros e CPIs.
FHC comparou sua "tarefa histórica" de combater a inflação ao
que acredita ser a missão de Lula:
a de cuidar da segurança e da defesa nacional. Também pediu
mais "carinho" e recursos para o
reequipamento militar. Sobre a
fome, principal bandeira de Lula,
lembrou que o país já produz o
suficiente para alimentar todos,
mas o problema seria "de renda".
Participaram da reunião o vice
Marco Maciel, 29 ministros, quatro líderes do governo no Congresso e os comandantes das Forças Armadas. O único ausente foi
o ministro Sérgio Amaral (Desenvolvimento). Do atual ministério,
Pedro Malan (Fazenda), Francisco Weffort (Cultura) e Paulo Renato Souza (Educação) ocupam
suas pastas desde 1995. A seguir,
trechos do discurso de FHC.
RODA QUADRADA - "Ninguém
deve imaginar que inventa a roda.
E o pior é, quando a roda já está
inventada, fazê-la quadrada. Esse
é o risco maior. Importante é ter a
humildade para entender que é
um processo e que esse processo
pode sofrer modificações de curso, mas não deve ser negado o caminho já percorrido."
VIGILÂNCIA - "A economia requer, permanentemente, uma atitude de vigilância. Outros famosos disseram que o preço da liberdade é a eterna vigilância. O preço
da estabilidade é a eterna vigilância. A vigilância que requer, primeiro, de igual modo que na
questão democrática, transparência. Em segundo lugar, capacidade de conter os ímpetos naturais
de realizações de gastos justos."
NEOLIBERALISMO - "Quantas vezes escutei críticas desassisadas
[insensatas" de que o governo
queria diminuir o Estado para dar
espaço ao mercado? Até uma palavra com a qual eu nunca concordei -neoliberal- foi usada
com insistência, tanta insistência
que alguns até acreditaram."
APAGÃO - "Reconhecemos o erro e mudamos o que havia de erro
no sistema de alerta. Parte do erro
foi a paralisação do investimento
e parte foi a chuva que não veio
-nós apostamos demais que
Deus é brasileiro, acho que ele é."
MEA CULPA - "Posso lhes dizer
com tranquilidade que não fiz tudo o que quis, mas que me esforcei muito por fazer. Mas não fui
eu só, nós todos. E o que foi feito
errado, muitas vezes, ou algumas
vezes, depende da avaliação, não
foi por má-fé. Terá sido, às vezes,
por não-compreensão, incompetência, impossibilidade."
RELAÇÕES EXTERIORES - "Nunca
nos deixamos levar pelas visões
maniqueístas nem nunca deixamos de dar a devida atenção
àqueles que são do nosso hemisfério, aqueles que vivem na América Latina. Nunca aceitei isolar Cuba e não foi preciso. Todos respeitaram a posição do Brasil."
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