São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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GOVERNO

Em discurso na última reunião ministerial de seu mandato, presidente diz "que preço da estabilidade é eterna vigilância"

FHC faz mea culpa ao "prestar contas ao país"

LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na última reunião ministerial de seu mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez um apelo indireto ao seu sucessor, para que não faça um governo de "negação" dos avanços conquistados. Ele insistiu em dizer que o novo governo não deve imaginar que vai inventar a roda. "E o pior é, quando a roda já está inventada, fazê-la quadrada", disse.
Em discurso de uma hora e 15 minutos, que chamou de "prestação de contas ao Brasil", advertiu que a estabilidade político-econômica que conquistou nos últimos oito anos não é uma herança permanente. "O preço da estabilidade é a eterna vigilância", disse, fazendo uma paráfrase do lema da UDN (União Democrática Nacional) nos anos 60: "O preço da liberdade é a eterna vigilância".
FHC destacou que, nas trocas de governos, os programas não devem começar "do zero" e citou iniciativas de José Sarney e Itamar Franco para mostrar que utilizou como base esforços já existentes. "Seria incorreto imaginar que o que se fez nestes oito anos fez-se a partir do dia 1º de janeiro de 1995. Antes já havia esforços, antes já havia transformações."
O presidente reconheceu diversos erros de sua gestão. Um dos principais teria sido a falta de investimentos e de alertas que levaram ao racionamento de energia. FHC admitiu que as estradas brasileiras estão em mau estado e que o atendimento médico é precário.
Ele rejeitou o rótulo de neoliberal. "O Estado não ficou paralisado. Não ficou um Estado refém de mercado nenhum." FHC afirmou que o clima de "plena democracia" foi o maior marco de seu governo. Ele disse resistir à idéia de apontar seu maior "legado", porque sua vida pública não teria terminado, apesar de anunciar sua retirada da cena político-eleitoral.
FHC apresentou o livro "Brasil, 1994 a 2002 - A Era do Real" e disse que Luiz Inácio Lula da Silva, a quem não citou nominalmente, terá seu apoio se quiser, para o bem do país.
Dentro do que chamou de mudança de mentalidade política, como o fim do "clientelismo", "caudilhismo" e "mandonismo", FHC destacou a tolerância que disse ter tido com "movimentos sociais pouco afeitos às práticas democráticas", em alusão indireta ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Disse que teve atitude democrática ao não interferir com a imprensa, apesar de momentos de injustiça. Afirmou que "parlamentarizou" o presidencialismo com a contínua prestação de contas ao Congresso, inclusive com convocações de ministros e CPIs.
FHC comparou sua "tarefa histórica" de combater a inflação ao que acredita ser a missão de Lula: a de cuidar da segurança e da defesa nacional. Também pediu mais "carinho" e recursos para o reequipamento militar. Sobre a fome, principal bandeira de Lula, lembrou que o país já produz o suficiente para alimentar todos, mas o problema seria "de renda".
Participaram da reunião o vice Marco Maciel, 29 ministros, quatro líderes do governo no Congresso e os comandantes das Forças Armadas. O único ausente foi o ministro Sérgio Amaral (Desenvolvimento). Do atual ministério, Pedro Malan (Fazenda), Francisco Weffort (Cultura) e Paulo Renato Souza (Educação) ocupam suas pastas desde 1995. A seguir, trechos do discurso de FHC.
 

RODA QUADRADA - "Ninguém deve imaginar que inventa a roda. E o pior é, quando a roda já está inventada, fazê-la quadrada. Esse é o risco maior. Importante é ter a humildade para entender que é um processo e que esse processo pode sofrer modificações de curso, mas não deve ser negado o caminho já percorrido."

VIGILÂNCIA - "A economia requer, permanentemente, uma atitude de vigilância. Outros famosos disseram que o preço da liberdade é a eterna vigilância. O preço da estabilidade é a eterna vigilância. A vigilância que requer, primeiro, de igual modo que na questão democrática, transparência. Em segundo lugar, capacidade de conter os ímpetos naturais de realizações de gastos justos."

NEOLIBERALISMO - "Quantas vezes escutei críticas desassisadas [insensatas" de que o governo queria diminuir o Estado para dar espaço ao mercado? Até uma palavra com a qual eu nunca concordei -neoliberal- foi usada com insistência, tanta insistência que alguns até acreditaram."

APAGÃO - "Reconhecemos o erro e mudamos o que havia de erro no sistema de alerta. Parte do erro foi a paralisação do investimento e parte foi a chuva que não veio -nós apostamos demais que Deus é brasileiro, acho que ele é."

MEA CULPA - "Posso lhes dizer com tranquilidade que não fiz tudo o que quis, mas que me esforcei muito por fazer. Mas não fui eu só, nós todos. E o que foi feito errado, muitas vezes, ou algumas vezes, depende da avaliação, não foi por má-fé. Terá sido, às vezes, por não-compreensão, incompetência, impossibilidade."

RELAÇÕES EXTERIORES - "Nunca nos deixamos levar pelas visões maniqueístas nem nunca deixamos de dar a devida atenção àqueles que são do nosso hemisfério, aqueles que vivem na América Latina. Nunca aceitei isolar Cuba e não foi preciso. Todos respeitaram a posição do Brasil."


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