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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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PARTIDO AO MEIO

Aumento de gastos beneficiaria os mais ricos, diz economista da USP

DA REPORTAGEM LOCAL

Naércio Aquino Menezes Filho, economista, especialista em educação e professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, diz que não adianta o governo gastar mais "porque vai gastar com a classe média e com a alta".
"O governo está subsidiando a educação dos filhos das pessoas mais ricas. Isso me parece claramente errado num país com necessidades de melhorar a qualidade do ensino básico", diz Menezes Filho, autor de trabalhos em parceria com Marcos Lisboa, secretário de Política Econômica. (JD)

Folha - O Brasil gasta o suficiente com a área social, mas gasta mal?
Naércio Aquino Menezes Filho
- É basicamente isso. O gasto social é mal focalizado. Muito do que se gasta no Brasil acaba sendo apropriado pela classe média e pela classe alta. Não só os gastos sociais, como várias políticas econômicas do governo acabam sendo apropriadas pela classe média em termos históricos. Isso fica mais grave no caso social porque esses recursos deveriam ir claramente para os mais pobres.
No Brasil, a distribuição de renda é tão ruim que uma pessoa que está na metade [do quadro de distribuição de renda] ganha em torno do R$ 350. Classe média depende muito dessa definição. Não é o que a gente está acostumado a chamar de classe média. Na verdade, pessoas que ganham mais de R$ 1.500 já estão na elite. Isso causa confusão quando se diz que está gastando para os ricos.

Folha - Mas limitar as deduções com Imposto de Renda não prejudica a classe média? Pode sobrecarregar ainda serviços públicos.
Menezes Filho
- Pessoas de classe média alta preferem pôr seus filhos na educação privada. Essas pessoas estão gastando com educação, e o governo permite que seja descontado do IR. É como se o Estado financiasse uma parcela dos gastos com educação da classe alta. Ele reforça a manutenção da desigualdade de renda assim.

Folha - Os gastos com ensino superior servem a uma minoria?
Menezes Filho
- Os gastos do Brasil com ensino superior são elevados em comparação com outros países do mesmo nível de desenvolvimento e em comparação com o que se gasta com o ensino básico e o ensino médio. É uma questão de prioridade.
Realmente é complicado você gastar recursos com estudantes que claramente são o pessoal do topo da distribuição de renda. Os mais pobres não chegam à universidade pública. O governo está subsidiando a educação dos filhos das pessoas mais ricas. Isso me parece claramente errado num país com necessidades de melhorar a qualidade do ensino básico. Sou a favor de um sistema de cotas em que parte das vagas seria destinada a estudantes de escolas públicas durante todo o ensino médio. Os pais da classe média iriam preferir que os seus filhos estudassem na escola pública.

Folha - Alguns economistas questionam o gasto com despesas financeiras em comparação com gastos sociais.
Menezes Filho
- As despesas financeiras são os juros da dívida. Como você vai parar de pagar? Só se estiverem propondo o calote.

Folha - E diminuir o superávit?
Menezes Filho
- Também é complicado. Foi a credibilidade gerada por esse superávit que permitiu a redução do risco-país, a estabilização da economia e da inflação. Agora estamos em vias de crescimento, potencialmente em taxas razoáveis. É lógico que se gasta muito com juros. Ninguém quer que um país em desenvolvimento com necessidades gaste tanto de seus recursos pagando juros de dívidas passadas. Mas acho inevitável. Tem de fazer com que o gasto social chegue aos mais pobres. Não adianta gastar mais efetivamente, porque vai gastar com a classe média e com a alta. Não é papel do governo fazer isso.

Folha - O documento não tem um viés excessivamente fiscalista?
Menezes Filho
- Acho que não. Alguns possíveis problemas com o documento estão na fórmula de cálculo. Um peso excessivo nos cálculos de aposentadoria. Ela tem um papel muito importante nos gastos sociais, mas é difícil calcular porque existe uma parcela da aposentadoria que as pessoas contribuem. Ela tem um peso excessivo. Mas esse é um primeiro estudo. Precisamos olhar com mais cuidado como calcular a parcela de aposentadoria que é efetivamente gasto social do governo. Separar o que é contribuição e o que é gasto social é bastante complicado. Não há consenso.



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