São Paulo, sábado, 30 de dezembro de 2006

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O PRESIDENTE

Ao receber a faixa presidencial, Lula já abrira mão de duas coisas inerentes, até prova em contrário, à sua Presidência: governar e, governando, fazê-lo em coerência com a expectativa das mudanças que dizia personificar. Lula deu a prova em contrário. E sem sequer servi-la com alguma satisfação da sua atitude. Quando muito, referiu-se, com o coro de Palocci e Genoino, à "descoberta" de uma tal "herança maldita" jamais descrita.
Mais tarde, sob o peso de acusações de traição, Lula e os dois pretenderam negá-la com o argumento de que a linha do governo estava anunciada na "Carta aos Brasileiros", de meado de 2002. Ou nem as entrelinhas da "Carta" insinuavam tamanho direitismo da política econômico-financeira, ou a surpresa com a tal "herança maldita" era mentirosa.
A administração econômica, e portanto a própria índole do governo, foi toda passada para Palocci e Henrique Meirelles. Este, ex-presidente do BankBoston nos Estados Unidos, deputado não empossado do PSDB, e "escolha" para o Banco Central que Lula jamais esclareceu, se admitirmos que pudesse fazê-lo. A José Dirceu foram entregues a coordenação política, que só se notou nas punições a petistas, e a coordenação da parte do governo que, sem o repasse de suas verbas, existiria mais para constar - transportes, indústria e desenvolvimento, saúde e educação, cidades e outras figurações. A Lula restou a função de falar, falar, falar. Mas não em entrevistas presidenciais, com o risco de perguntas verdadeiras.
O primeiro anúncio de início do "espetáculo do crescimento" foi feito por Lula ao fim do quinto mês de governo, quando também deu a "herança maldita" como domada, com "a inflação sob controle" e "os juros em próxima queda". Palocci esperou mais um mês para dizer o mesmo. Dali por diante, até hoje, tornaram-se incontáveis as repetições da mesma lengalenga. Nenhuma à maneira de pessoas de palavra.
Os índices louvados pelos economistas e jornalistas adeptos do "mercado" esquecem o mais importante êxito econômico do governo: o Brasil de Lula ficou com índice de crescimento muito abaixo de todos os países do seu nível, o mais baixo da América do Sul, mas aproveitou a grande fase da economia mundial e cresceu mais do que o desgraçado Haiti. Em último não ficou. É a glória.
Os escândalos do governo Lula tiveram o mérito da originalidade. Em todos, foi como a prostituição moral das vestais. Mas os escândalos financeiros particulares exibiram uma nova Polícia Federal, muito ativa e eficiente. Só o caso do dossiê continua como história mal contada. A política externa, especialmente difícil nas conturbações do planeta, foi muito mais positiva nos aspectos de fato importantes.
À falta de outros, o Bolsa Família é o grande motivo de orgulho presidencial de Lula. Tivesse ou não tal propósito, na prática revelou-se uma Bolsa de Votos. Mas, com todos pesares, reconheçamos que a farsa poderia ser pior. Poderia haver uma das tais ditaduras militares que defendem a democracia e a moralidade.


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