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A MISÉRIA DO CAPITAL
Até o ano que vem,
em Porto Alegre
CONTARDO CALLIGARIS
DE PORTO ALEGRE
Na última manhã do Fórum, a cerimônia de encerramento está atrasada. O plenário, repleto, entoa coros. Paro na
frente da sala de imprensa, que já
começa a esvaziar. Uma faixa
chama a minha atenção: "Legalizar o aborto é possível" -é o resto de uma pequena manifestação
do dia anterior. De repente, estranho: num país onde as mulheres
encaram o pesadelo dos abortos
artesanais, um Fórum dito Social
mal tocou no assunto. Também a
presença feminista foi tímida.
Havia um estande do Grupo de
Apoio e Prevenção à Aids e certamente houve oficinas preocupadas com o cotidiano dos corpos e
dos desejos. Mas foi difícil encontrá-las.
Até visualmente o Fórum foi
dominado pelos bonés vermelhos
da CUT, as bandeiras do PT e os
bonés verdes da Via Campesina.
Nada parecido com o caleidoscópio de cores que é esperado nos
encontros da nova revolta, depois
de Seattle.
Em poucos minutos, no saguão
meio vazio, seis delegados de oficinas diferentes me abordam. Cada um me entrega uma cópia do
relatório de sua oficina. O leque
vai desde um projeto de arte ecológica até a idéia de constituir
uma democracia representativa
mundial via Internet. A alma de
meu defunto tio Ubaldo, anárquico e fanático do esperanto, deve estar nesse saguão, com seu sonho de língua universal na mão.
No entanto, no plenário, cantam "Guantanamera". Parece
um resumo do Fórum: aqui no saguão, delegados de oficinas que
ninguém notou procuram um último jornalista para quem confiar sua mensagem. E, na sala,
bandeiras, coros, celebrações e
holofotes.
A imprensa caiu na armadilha.
Cobriu os comícios e entrevistou
os políticos de sempre para receber as respostas de sempre. Às
quatro da madrugada de ontem,
heróicos repórteres escutavam
mais uma coletiva de José Bové. O
agricultor francês mereceria o codinome de "Lavoura arcaica":
defende um protecionismo absoluto em agricultura, que seria um
desastre para qualquer produtor
brasileiro e que, na França, é uma
carta da luta imperial francesa
contra a cultura americana. E nós
com isso? Os repórteres cobriam,
na verdade, o MST que adotou
Bové. Seguiam os holofotes manobrados pelas organizações da
esquerda tradicional.
Anunciam, enfim, que o Fórum
de 2002 será de novo em Porto
Alegre. Ótimo. O governo do RS e
a prefeitura da capital gaúcha se
qualificam para hospedar o Fórum não por serem do PT, mas
por realizarem uma nova forma
de participação popular na administração da coisa pública.
Seria bom lembrar isso na hora
de organizar e convocar 2002. Essa exortação vale apenas se existe
a intenção de que Porto Alegre
hospede, em 2002, um Fórum da
nova esquerda -coisa que o Fórum que acabou ontem não conseguiu ser.
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