São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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GIRO INTERNACIONAL

Em lançamento de fundo de combate à pobreza, presidente diz que temas sociais são deixados em segundo plano

Foco em segurança é excessivo, diz Lula

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Ricardo Lagos, Jacques Chirac, Kofi Annan e Lula no encerramento do encontro que discutiu medidas contra a fome, em Genebra


LEONARDO SOUZA
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

LEILA SUWWAN
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM GENEBRA

Ao participar do lançamento de um fundo mundial de combate à pobreza -chamado de Fundo Lula-, ontem em Genebra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o foco excessivo da agenda internacional que estaria concentrado apenas em questões de segurança, como o terrorismo, em detrimento de temas sociais.
Lula, o presidente francês, Jacques Chirac, o presidente do Chile, Ricardo Lagos, e o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan, se reuniram em Genebra para discutir propostas de combate à fome e anunciaram a criação de um grupo técnico de trabalho para finalizar propostas conjuntas sobre o tema. As medidas serão discutidas na assembléia-geral da ONU em setembro.
"Em nossas conversas, manifestamos preocupação com o foco excessivo da agenda internacional em questões que dizem respeito apenas à segurança, como terrorismo e armas de destruição em massa", disse Lula, em discurso que foi lido à imprensa após o encontro dos líderes.
O presidente francês, Jacques Chirac, foi mais incisivo nas críticas e chegou a citar o orçamento militar norte-americano, como exemplo de preocupação apenas dirigida para a segurança.
Kofi Annan disse que vários dirigentes viraram o ano de 2004 preocupados com questões de guerra ligadas aos trágicos eventos acontecidos nos últimos anos (referência aos atentados terroristas de 11 de setembro nos EUA), o que acabou tirando a atenção das tragédias cotidianas causadas pela fome e por doenças.
"Precisamos reajustar essa energia para essa situação", disse o secretário-geral.
Chirac, ao falar sobre a dimensão dos gastos militares no mundo, de US$ 900 bilhões, fez questão de lembrar que metade é despendida pelos Estados Unidos. Os gastos militares da França em 2001 foram de US$ 33 bilhões.

"Destruição em massa"
Ao discursar após o encontro do lançamento do fundo, Lula chamou a fome de ""arma de destruição em massa" e culpou os modelos econômicos vigentes nas últimas décadas pela aumento do desemprego e da miséria.
"Não vim a Genebra apenas para recordar que a fome é uma arma de destruição em massa, que mata 24 mil pessoas por dia e 11 crianças por minuto, que atinge cerca de um quarto da população mundial, disseminando doenças, reduzindo a capacidade de trabalho dos adultos e de aprendizado das crianças", disse Lula.
E continuou: "Tampouco, vim aqui para criticar o modelo econômico preconizado nas últimas décadas. Modelo que privilegiou o desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social, contribuiu para o agravamento das desigualdades entre sociedades, que disseminou o desemprego e a miséria e expôs grande parcela da população mundial a uma situação de vulnerabilidade".
Kofi Annan aproveitou seu discurso para pedir o fim dos subsídios agrícolas mantidos pelos países ricos, destacando a Europa. ""É preciso eliminar todos os subsídios que sujeitam os países em desenvolvimento a uma concorrência desigual", afirmou. Ele também pediu investimentos na agricultura dos países pobres.
Após o encontro, Lula disse que o ideal é que os recursos arrecadados pelo fundo que foi proposto, e que ainda não está formatado, sejam utilizados para a produção de alimentos nos países pobres.
Dessa forma, o fundo estaria estimulando a agricultura nessas economias, de acordo com o presidente brasileiro.

Divergências
Ao mesmo tempo em que homenageou o presidente brasileiro ao rebatizar sua iniciativa de combate mundial à fome de Fundo Lula, o presidente francês Jacques Chirac expôs a divergência entre os dois países sobre a questão dos subsídios agrícolas.
Em entrevista concedida pelos quatro líderes após o encontro, Chirac foi questionado se não seria uma contradição a França apoiar medidas de combate à fome e, ao mesmo tempo, não aceitar negociar a redução dos subsídios agrícolas aos produtores europeus, o que prejudica as economias emergentes.
"Sobre o grande debate sobre subsídios agrícolas, eu não posso agora entrar no detalhe. Eu não compartilho de jeito nenhum do seu sentimento [da jornalista brasileira que fez a pergunta] e nós temos sobre esse ponto uma divergência com o presidente Lula. Eu diria mesmo que é a única", disse Chirac.
A declaração conjunta dos quatro líderes, divulgada após as reuniões, propõe que o grupo técnico estude duas formas básicas de arrecadação de recursos para o fundo de combate à pobreza: taxar a venda de armas e criar uma espécie de CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) internacional, que incidiria sobre determinadas transações financeiras internacionais.


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