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ENTREVISTA DA 2ª
ADRIANA PISCITELLI
Antropóloga que estudou casos em Fortaleza e na Itália diz que relações não se resumem à prostituição
Turismo sexual envolve amor, sonho de casamento e ascensão
MAYRA STACHUK
DA REPORTAGEM LOCAL
Exploração, prostituição, pedofilia, tráfico de mulheres. O turismo sexual internacional no Brasil
está cercado de estigmas que, para a antropóloga Adriana Piscitelli, da Unicamp, são simplistas demais para o que, na prática, isso
realmente representa.
Piscitelli passou nove meses em
campo para entender o que permeia as relações entre jovens brasileiras e turistas estrangeiros. A
cidade escolhida foi Fortaleza,
uma das principais rotas desse tipo de turismo no país, junto com
Recife, Salvador, Natal e Rio de Janeiro. Entrevistou 75 pessoas, entre garotas, estrangeiros e agentes
vinculados ao turismo ou à prostituição no local, e concluiu que o
tema é complexo a ponto de envolver amor, sonho de casamento
e oportunidades melhores.
A antropóloga fez parte da pesquisa na Itália, região da qual vem
parte importante dos turistas sexuais e onde, durante dois meses,
acompanhou a vida de garotas
que migraram com estrangeiros.
O resultado da pesquisa da antropóloga vai virar um livro em
breve, sob o título "Circuitos do
Desejo", com previsão de lançamento para este semestre. Leia
abaixo trechos da entrevista.
Folha - Qual a diferença entre turismo sexual e prostituição?
Adriana Piscitelli - No Brasil, há
uma tendência a considerar o turismo sexual o mesmo que prostituição e abuso sexual de crianças,
pedofilia. É uma maneira muito
simplista de se referir ao tema. Na
verdade, o turismo sexual não pode ser vinculado exclusivamente à
prostituição. As práticas se cruzam em um certo ponto, mas o
turismo sexual a extrapola.
Folha - Então exatamente o que é
o turismo sexual?
Piscitelli - Os viajantes à procura
de sexo querem mulheres que façam programa e também mulheres que não façam. Não é apenas
troca de sexo por dinheiro. Há
uma romantização, há um jogo
de conquista e, às vezes, até sentimentos. A pesquisa me levou a
questionar o conteúdo que nós
damos à palavra prostituição. Por
exemplo, uma moça de classe média que se relaciona com um estrangeiro e é convidada por ele a
visitá-lo na Europa, ganha a passagem e um celular, nós não pensamos que está fazendo prostituição. Mas uma garota, por exemplo
uma garçonete
que recebe presentes de um estrangeiro, é imediatamente vista
como uma garota
de programa. Então exatamente o
que é prostituição? É a troca de
sexo por dinheiro?
E por que troca de
sexo por dinheiro
de maneira não
imediata para a
classe média não é
visto como prostituição e para a
classe baixa sim?
Folha - Você chegou a essa resposta com a pesquisa?
Piscitelli - Não.
Mas acho importante levantar esse
questionamento.
No campo que
pesquisei, definitivamente não há
apenas a prostituição profissional. Para trabalhar
de maneira analítica, fiz uma delimitação entre as
moças que faziam programa no
sentido de contrato explícito e as
que não faziam programa. Dizer
que as meninas de camadas baixas que aceitavam presentes ou
viagens estavam fazendo prostituição oculta seria uma barbaridade quando se tem o mesmo nas
camadas médias.
Folha - Existe um perfil mais comum de garotas que se envolvem
com estrangeiros?
Piscitelli - A maioria é jovem,
entre 20 e 30 anos, de classe média
baixa e classe baixa. Encontrei algumas com 16, 17, e carteira de
identidade falsa de 18 anos, mas
são minoria na
região em que pesquisei.
Folha - Qual o perfil dos turistas
sexuais que vêm ao Brasil?
Piscitelli - Em Fortaleza, a maioria é heterossexual e mais jovem,
na casa dos 20, 30 anos. Há os
mais velhos e há os pedófilos, mas
estes são minoria. Italianos são a
maioria daqueles que convidam
as garotas locais para viajar com
eles, mas há também portugueses,
holandeses e americanos. A globalização e a "transnacionalização"
dos vôos modificaram a geografia
da sexualidade.
Folha - Que tipo
de sonhos elas têm
em relação aos estrangeiros?
Piscitelli - As diferenças, em termos das motivações pelas quais
elas se relacionam
com os estrangeiros, variam de
acordo com a
classe social e a
idade das mulheres. Mas o sonho
de casar com estrangeiros é uma
idéia geral do universo feminino de
todas as classes
sociais. É uma
idealização do estrangeiro e uma
desmoralização
do homem local.
Folha - Que tipo
de desmoralização?
Piscitelli - Dizem que os estrangeiros são mais românticos, mais
generosos, mais fiéis. Na verdade,
tudo o que elas dizem que eles fazem eles fazem mesmo. Mandam
flores, presentes, preparam café
da manhã, assim como qualquer
homem que quer conquistar. O
que não deixa de ser uma atitude
de sedução para obter sexo.
Folha - Você foi à Itália no ano
passado entrevistar o mesmo grupo de garotas com quem havia falado em Fortaleza. Essa visão continuou lá? Qual a realidade dessas
moças na Itália?
Piscitelli - O contexto muda
completamente. Aquela visão romantizada não existia mais. Eles
não eram mais tão bonitos como
eram aqui, nem tão ricos quanto
pareciam. Muitos são de classe
média. As moças que entrevistei
na Itália, que eram de Fortaleza,
se ocupam de praticamente de todos os trabalhos domésticos sozinhas, com exceção do supermercado. E, além disso, trabalham fora para poderem
mandar dinheiro
para o Brasil, para
a família. Todas as
que conheci de camadas média baixa e baixa têm
uma interação intensa com o Brasil
e muito desejo de
ter uma mobilidade social aqui. Então fazem todos os
esforços para isso,
para, quando vierem para cá, poderem mostrar
que "deram certo" lá.
Folha - A maioria
das que foram conseguiram se casar
e formar família?
Piscitelli - Do
universo com o
qual eu trabalhei,
sim. Entrevistei
moças que tinham conhecido
italianos em Fortaleza e os visitaram como se estivessem fazendo
programa por um
determinado tempo e depois voltavam trazendo dinheiro. Outras que conseguiam
apenas presentes e roupas de grife
e voltaram sem dinheiro nenhum. As que ficaram lá formaram família. Apenas uma afirmou
que amava o marido, e isso era visível. As outras disseram ter carinho, gratidão. Quando elas não
conseguem casar, geralmente voltam. Por isso digo que nem todo o
universo vinculado ao turismo
sexual pode ser considerado
prostituição e nem prostituição
profissional. Na viagem que fiz à
Espanha, no fim do ano passado,
para um alargamento dessa pesquisa, falei com moças que já faziam programas aqui e foram para lá para continuar fazendo nas
mesmas condições, mas para ganhar em euro. É diferente.
Folha - E as que casaram? Que vida têm na Itália?
Piscitelli - Elas têm um controle
enorme em cima delas, pairando
sempre o estigma de que podem
ter sido prostitutas, principalmente para a família dos maridos.
O controle acontece de todos os
lados. Elas têm de
trabalhar, mas é
sempre na loja da
família, no supermercado de um
amigo, sempre
sendo vigiadas. O
policiamento corporal também é
forte, decotes são
censurados. As
brasileiras são valorizadas de maneira positiva como sensuais, bonitas, carinhosas.
Mas há fantasmas
que anulam essa
valorização. Um
deles é o da exploração econômica
e outro, o da infidelidade.
Folha - E mesmo
assim elas ficam?
Piscitelli - Elas
me explicaram
que muitas vezes
se tem uma idéia
romantizada da
autonomia e da liberdade. Morando em Fortaleza,
elas eram mais livres, mas às vezes
passavam a noite inteira trabalhando e acabavam na cama com
alguém por uma pizza. Não tinham a possibilidade de fazer
projetos para o futuro e isso é o
que elas mais prezam lá. Então
elas ponderam: a liberdade que tinham aqui valia exatamente o
quê?
Folha - Esse tipo de turismo sexual que você observou é recente?
Piscitelli - Passo os verões em
Fortaleza desde 1985 e fui acompanhando a transformação da cidade em termos turísticos nesses
anos. Eu via muito mais cenas de
turistas estrangeiros com crianças no início dos anos 90. Hoje, isso diminuiu. Mas não há outra
pesquisa acadêmica sobre o tema
que possa gerar uma comparação.
Folha - O que você pensa do turismo sexual? Deve ser combatido?
De que maneira?
Piscitelli - Acho que é muito importante problematizar as questões do turismo sexual, da prostituição, da exploração infantil e
enxergá-las com a complexidade
que realmente têm. Não são apenas turistas malvados que vêm
atrás dessas mulheres. Eles são recebidos, quando não se trata de
pedófilos, claro, de braços abertos, e eu acho que essa é a parte
que é necessário entender. O que
leva a essa oferta?
Folha - E as campanhas de prevenção contra o turismo sexual?
São efetivas?
Piscitelli - As campanhas são
importantes, sobretudo, quando
se quer proteger a população infanto-juvenil. Mas querer prevenir o turismo sexual, pensando
que é apenas prostituição, está errado. Oferecer treinamento como
manicure não é suficiente. A
maioria das entrevistadas de camada média baixa já eram manicures, cabeleireiras, garçonetes e
o máximo que ganhavam era R$
500, o que consideravam insuficiente.
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