São Paulo, segunda, 31 de março de 1997.

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ENTREVISTA DA 2ª
Canadense diz que SP deve ser o pólo financeiro da AL



``SP já é conhecida como pólo financeiro importante na América Latina. Isso é o que se deve vender aos investidores de fora. Seria importante vender a cidade como ponto de partida para a América Latina. É bom lugar para investir em bens, serviços, para depois exportar pelo Brasil e Mercosul''
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local

Apesar de presidir a associação de brasilianistas canadenses, Ted Hewitt pode ser chamado de ``paulistanista''.
Doutorado em sociologia com uma tese sobre o engajamento político das Comunidades Eclesiais de Base na periferia de São Paulo, estudou os movimentos políticos urbanos do Brasil por 20 anos.
Em 1993, Hewitt mudou o enfoque de suas pesquisas: vem se dedicando ao intercâmbio municipal, em especial o acordo entre São Paulo e Toronto, no Canadá.
Professor na Universidade de West Ontario, ele conta -nesta entrevista via Internet- como as duas cidades vêm trocando informações há anos e implementando, com êxito, o que apreenderam da experiência uma da outra.
Hewitt acha que São Paulo deve se apresentar como o pólo financeiro da América Latina para vender sua imagem no exterior e atrair investidores estrangeiros.
Na era da globalização, diz, ``é preciso incentivar a elevação do capital humano da cidade''. Para os paulistanos se adequarem aos empregos que exigem habilidades específicas, como em informática.
Sua mais recente visita ao Brasil ocorreu há duas semanas, quando, em português fluente, teve a primeira conversa com a Folha. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Por que o interesse específico por São Paulo?
Ted Hewitt -
Venho para São Paulo desde 73. Nunca vi cidade tão exuberante, mas também tão desconhecida lá fora. O que me atrai é que São Paulo consegue funcionar apesar de todos os problemas. É uma maravilha!
O movimento de gente no dia-a-dia é inacreditável: a cada ano, quase 2,6 bilhões de pessoas (metade da população do mundo) são servidas pelo sistema de ônibus e metrô. E chegam a quase 3,3 bilhões na região metropolitana.
Folha - Qual o resultado até agora da troca de experiências entre Toronto e São Paulo?
Hewitt -
Os técnicos de Toronto e São Paulo têm trabalhado juntos para solucionar vários problemas urbanos desde 1987. Já foram discutidos dezenas de projetos. Em certos casos, não deram certo por falta de técnicos em Toronto para ajudar, mudanças de prioridades de administrações (por exemplo, entre os governos Erundina e Maluf). Porém, no geral, o intercâmbio tem tido êxito.
Há exemplos de projetos bem-sucedidos em pelo menos três áreas de atividade. a) Planejamento - o maior sucesso neste setor, sem dúvida, são as ``operações interligadas''. Funciona assim: São Paulo tem leis de zoneamento que regulam a altura de prédios que podem ser construídos em um lugar. Baseadas num programa que já funcionava em Toronto, as ``operações interligadas'' permitem a uma construtora pedir licença para construir um prédio mais alto. Se for concedida, a construtora paga uma ``multa'' por cada andar construído a mais. Até agora, a prefeitura já arrecadou mais de US$ 70 milhões. Este dinheiro tem sido aplicado na construção de casas populares. No passado, nas Cohabs e mutirões. Agora, todo o dinheiro coletado (cerca de US$ 40 milhões em 96) vai para o financiamento do Projeto Cingapura.
b) Serviços de emergência - há quase dez anos, uma vez por ano, equipes de Toronto vêm dando treinamento aos gerentes de enfermagem em São Paulo (sobre como tratar fraturas, parada cardíaca, sangramento, etc.). Depois, os gerentes dão aulas aos auxiliares de enfermagem e motoristas das ambulâncias. Trabalhando juntos, equipes das duas cidades têm estabelecido um sistema de triagem para atender chamadas de emergência (por grau de seriedade). Através disso, o tempo de resposta das ambulâncias de São Paulo tem caído bastante (embora ainda seja bem mais alto do que Toronto, que tem média de 6 minutos). A estimativa é que o tempo de resposta agora é de 30 minutos ou menos. No passado, podia chegar a uma hora. O maior problema agora é o trânsito que prende a ambulância.
c) Parque Cidade de Toronto - equipes de São Paulo e Toronto colaboram desde 87 no planejamento e construção de um parque grande na região nordeste de São Paulo (Pirituba). O parque foi inaugurado em 92 e custou US$ 1,5 milhão. Toronto doou US$ 200 mil, em parte para comprar equipamentos de lazer para as crianças.
Folha - A cidade de São Paulo tem algo a ensinar aos canadenses, ao chamado Primeiro Mundo?
Hewitt -
Não é exatamente ensinar. Certas práticas daqui têm sido adaptadas para uso em Toronto. Em 92, um grupo afiliado ao Department of Public Health do município de Toronto quis incentivar um programa de fornecimento de comida aos pobres da cidade. Um dos participantes, que já tinha conhecimento do acordo Toronto-São Paulo, mencionou que o ``sacolão'' podia servir como modelo. Agora, o programa atende 15 mil famílias/mês.
Num outro caso, em 1991, o conselho de educação do município quis incentivar um programa de almoço e lanches para os alunos mais carentes nas escolas primárias. Dentro do conselho, havia muitas dúvidas sobre a possibilidade de se montar isso. Um dos técnicos que havia visitado São Paulo relatou que já existia um programa semelhante aqui, que atende mais de 1 milhão crianças. Depois de estudar o programa paulistano, o conselho andou com mais confiança, sabendo que um programa assim pode funcionar razoavelmente bem.
Desde 89, o pessoal da Comissão de Trânsito de Toronto vem observando o metrô de São Paulo. Eles têm forte interesse no sistema de entrada e saída de passageiros dos trens na estação da Sé (o sistema de plataforma central de embarque/desembarque), que facilita a transferência de passageiros. Já mudaram a estação principal do metrô e decidiram também que as estações principais das novas linhas terão o mesmo sistema.
Folha - Em sua visita ao Brasil, qual mudança mais o impressionou desde a sua viagem anterior?
Hewitt -
É sempre impressionante como a cidade muda de cara. Desde 1993, muita coisa mudou: novos prédios, avenidas, túneis. Mas o trânsito piorou. A cidade está bem mais limpa do que no passado. De certa forma, parece mais "rica". Muitas pessoas andam com celular (que sempre está tocando!). Tem uma oferta bem maior de bens importados, especialmente carros. Porém, os velhos problemas persistem: meninos de rua, criminalidade, moradia precária. Mas devo dizer que a periferia, pelo menos as áreas que eu conheço bem (sul de Santa Amaro e a região leste), têm melhorado muito, com a chegada de luz, água, asfalto, esgoto, shoppings etc.
Folha - E o Projeto Cingapura?
Hewitt -
Eu já visitei vários e falei com várias pessoas ligadas ao Cingapura -de arquitetos a moradores. Claro que muitos vão ser beneficiadas pelo projeto, mas tem muito trabalho pela frente. Embora a prefeitura vá investir R$ 300 milhões nele este ano, o Cingapura não trata do problema global, dado os números de favelados e encortiçados na cidade. Talvez seja preciso juntar o Cingapura a outros programas: mutirão; programas de pequenos empréstimos para quem está construindo ou para cooperativas de moradores; descontos no IPTU para proprietários que melhoram imóveis para alugar para pessoas de baixa renda.
Folha - Qual a principal virtude de São Paulo e que poderia ajudar a cidade na era da globalização?
Hewitt -
São Paulo já é conhecida como pólo financeiro importante na América Latina. Isso é o que se deve vender aos investidores de fora para atrair mais atividade econômica. Seria importante vender a cidade como um ponto de partida para a América Latina. É um bom lugar para investir em bens ou serviços para depois exportar pelo Brasil e Mercosul.
Folha - Qual o problema que a cidade deveria priorizar?
Hewitt -
A questão social em geral. Saúde, moradia, cesta básica, educação têm de entrar na frente da fila. Não só para melhorar as condições de vida, mas porque é preciso incentivar a elevação da ``capital humano''. Para as pessoas se habilitarem para as ocupações da ``nova economia'', em serviços e informática. Claro que o trânsito é uma tragédia também. O município deve achar um jeito de aumentar os ``custos'' de tirar o carro da garagem e baixar os de pegar uma carona com uma outra pessoa, ou pegar ônibus ou metrô. Em saúde e educação, além de dar mais recursos, a cidade tem que incentivar uma descentralização de serviços, para assegurar que todas os cidadãos tenham acesso a uma escola ou hospital na sua região. Acima de tudo, é preciso ter um corpo de servidores municipais dedicado à solução dos problemas básicos. Em minhas visitas às secretarias municipais, vi muitos jovens dedicados à luta. Isso é um bom sinal para o futuro.

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