|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
Diretor-geral diz que blocos como Alca dão menos resultado que as negociações multilaterais
OMC critica acordo regional e bilateral
Laurent Gillieron - 2.set.02/France Presse
|
O tailandês Supachai Panitchpakdi, diretor-geral da OMC (Organização Geral do Comércio), que defende negociações multilaterais |
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Conflito no Iraque e divergências nas negociações comerciais
despertam a preocupação do diretor-geral da OMC (Organização
Geral do Comércio), Supachai Panitchpakdi. Mas, recentemente, a
explosão de acordos bilaterais e
regionais de comércio mundo
afora é o que mais o incomoda.
Segundo Supachai, 56, ex-primeiro-ministro da Tailândia, as
negociações desses acordos demandam muito esforço desses
países, que acabam desviados das
conversas multilaterais.
O problema disso, segundo ele,
é que, no fim das contas, acordos
como a Alca (Área para o Livre
Comércio das Américas) acabam
tomando muitos anos em suas
negociações e os resultados são
inferiores aos que seriam conseguidos nas negociações no âmbito da OMC.
Isso seria válido principalmente
para os países em desenvolvimento, como o Brasil, país que, para
ele, tem grande potencial e deve
até adotar políticas industriais para diversificar suas exportações.
A guerra também ameaça distrair as atenções dos países-membros da OMC, segundo Supachai,
embora ele afirme que o calendário de encontros da atual rodada
comercial, lançada em Doha (Qatar) em novembro de 2001, será
mantido.
Na verdade, ele admite que os
esforços para a conclusão da rodada, prevista para o fim de 2004,
terão de ser aumentados em decorrência das divergências dos
países-membros, principalmente
no que tange à agricultura.
Apesar de todas as dificuldades
e das crescentes críticas de especialistas, que já vêem risco para a
rodada comercial, o diretor-geral
da OMC considera que as coisas
ainda estão sob controle.
Toda essa calma é conseguida
por meio de meditações diárias
feitas por Supachai, que pratica o
budismo.
Leia a seguir trechos da entrevista que Supachai concedeu à
Folha por telefone.
Folha - Como o conflito no Iraque
ameaça as negociações comerciais
multilaterais?
Supachai Panitchpakdi - Nós seguimos normalmente com nosso
calendário. É claro que adiamos
alguns encontros que aconteceriam no Oriente Médio. Mas nós
estamos nos movendo.
Embora a atmosfera, de forma
geral, possa nem sempre ser saudável, porque os países, talvez, tenham sua atenção desviada para
as hostilidades envolvidas no conflito [no Iraque], e os assuntos comerciais podem perder um pouco da prioridade.
Folha - Mas recentemente o senhor demonstrou preocupação
com a guerra, em uma palestra no
Instituto de Graduação para Estudos Internacionais de Genebra.
Supachai - É claro que conflitos
não são condutores à criação da
atmosfera cooperativa de que
precisamos para que nossas negociações avancem. De outro lado, a
falta de uma atmosfera política
cooperativa pode nem sempre representar falta de cooperação no
âmbito das relações econômicas.
Eu até ousaria dizer que, para
que algumas diferenças políticas
sejam reduzidas, pode ser fundamental que continuemos a criar
relações econômicas fortes por
meio das nossas negociações comerciais.
Folha - O senhor acredita que as
relações internacionais estejam
pendendo mais para o realismo do
que para o liberalismo?
Supachai - Não sou capaz de discutir isso no cenário político. Mas,
na minha área, eu acho que o sistema liberal, multilateral, ainda
está vivo e bem. Nos encontros
com os membros da OMC, fica
claro que há uma opinião geral de
que temos de trabalhar em busca
de soluções multilaterais.
Folha - Acordos comerciais bilaterais e regionais ameaçam ou estimulam o regime multilateral?
Supachai - Neste momento, não
os vejo como uma ameaça significativa. O que acho é que, em primeiro lugar, esses acordos estão
aumentando muito rapidamente.
Eles confundem muito os participantes porque criam todo tipo de
condição. Podem nem sempre estar de acordo com as regras do
Gatt (acordo comercial que foi o
propulsor da OMC).
E os países que participam estão
colocando esforços em algo que é
muito pequeno em comparação
com o regime multilateral. O envolvimento dos Estados Unidos
em alguns acordos bilaterais e regionais não representa mais que
3% ou 4% do comércio total do
país.
A maior parte desses acordos
ainda não foi completada. Acho
que, na maioria dos casos, as
áreas de livre comércio e os acordos bilaterais vão depender do sucesso dos nossos esforços multilaterais para terminar de forma
bem-sucedida. Não podem cobrir
completamente o alcance dos
itens relacionados à agricultura.
Não podem cobrir os interesses
dos países participantes de forma
tão ampla como nós cobrimos.
Eu temo principalmente que os
recursos escassos, especialmente
humanos, que poderiam ser gastos na rodada de negociações de
Doha acabem sendo desviados.
Estou preocupado com isso.
Por isso, minha recomendação
aos países é que concentrem todos os seus esforços na agenda
multilateral.
Folha - O interesse dos países por
acordos bilaterais e regionais não
se explicaria porque essas negociações geralmente são mais rápidas?
Supachai - Eu concordo que as
negociações multilaterais levem
muito tempo. Mas negociações
bilaterais e regionais também demoram muito, às vezes até sete ou
oito anos.
E, no final, os resultados dos
acordos multilaterais podem ser
diversas vezes superiores aos alcançados nesses outros tipos de
negociação.
Folha - Especialmente para os
países em desenvolvimento?
Supachai - Sim. Os países em desenvolvimento precisam das negociações coletivas para conseguir fazer pressão pelos seus interesses. Por causa dos tamanhos
das suas economias, talvez, não
consigam manter peso significativo nas negociações regionais ou
bilaterais.
Mas, se esses países vierem para
o sistema multilateral, terão
maior peso coletivo e, com certeza, manterão esse peso até o resultado final das negociações.
Folha - Hoje (31/3) venceria o prazo para que os países-membros da
OMC chegassem a um acordo sobre
as modalidades de liberalização da
agricultura [na sexta-feira, os países desistiram de respeitar o cronograma]. Como essa falta de consenso afetará o próximo encontro em
Cancún, em setembro?
Supachai - É claro que teremos
de trabalhar mais. Teremos de
trabalhar mais em cima das diferenças nas posturas dos países.
Mas não acho que devamos olhar
para o encontro de Cancún como
um fórum onde devamos chegar
a um acordo.
Cancún é um encontro intermediário no meio da rodada. É parte
do processo para chegarmos ao
fim da rodada. Cancún será um
encontro no qual vamos revisar as
divergências restantes e os assuntos mais difíceis.
Folha - Por que a pobreza e a desigualdade seguiram aumentando
depois que os países em desenvolvimento adotaram políticas liberais, como no comércio exterior?
Supachai - Bem, as pessoas
olham para o aumento da pobreza e o comércio e pensam: "Bem,
o comércio externo não é saudável para a pobreza". Enquanto podemos afirmar que geralmente o
que acontece em muitos casos é
falta de governança apropriada,
de má administração macroeconômica.
A pobreza global, na verdade,
tem diminuído. E, muitas vezes, o
comércio tem contribuído para
isso. Na China, por exemplo, nos
últimos 15 anos, 200 milhões de
pessoas saíram da pobreza principalmente por causa da política de
abertura comercial.
Já na África você não vê isso. E
isso acontece por vários fatores:
falta de recursos humanos, ameaça de doenças terríveis que dizimam recursos humanos, falta de
investimento estrangeiro.
Então, o assunto da pobreza
tem de ser abordado levando em
consideração um amplo leque de
fatores, inclusive a liberalização
comercial.
Folha - O senhor concorda que os
mecanismos de disputa que a OMC
coloca à disposição sejam injustos,
considerando que os países em desenvolvimento têm menos recursos, humanos e financeiros, do que
as nações desenvolvidas?
Supachai - Eu concordo. Por isso, alguns países-membros formaram um centro de consultoria
legal que presta assistência a países em desenvolvimento. Nós, na
OMC, também damos assistência
na fase inicial de uma disputa.
Não podemos ser parte do processo, mas podemos dar assessoria em alguns aspectos técnicos.
Folha - O senhor acha que o Brasil
deve se esforçar para diversificar
sua pauta de exportação ou se concentrar nas suas vantagens comparativas? É eficaz, a seu ver, o uso de
políticas industriais?
Supachai - O Brasil terá de reforçar suas vantagens comparativas.
Por isso, acreditamos que a agricultura seja um assunto importante não só para o Brasil mas para muitos países.
Mas é claro que, a fim de aumentar de forma geral sua competitividade, não deveria se limitar à agricultura.
Muitos países da Ásia deixaram
de ser exportadores de apenas
uma commodity para se tornarem exportadores de vários produtos. Essa diversificação faz com
que agricultura represente hoje
talvez menos de 10% de suas exportações totais. Isso é o resultado
exclusivo de políticas específicas.
O Brasil tem uma enorme vantagem: seu mercado interno é
grande o suficiente para justificar
a necessidade de diversificação.
Além disso, seus países vizinhos,
como os do Mercosul, também
têm mercados de tamanho substancial. O Brasil tem a vantagem
da diversidade, disponibilidade
de muitos recursos naturais. O
potencial do Brasil é enorme.
Certamente, o país deve lançar
mão da política industrial. É claro
que tem de melhorar a produtividade na agricultura.
Mas, ao mesmo tempo, a diversificação é fundamental para o
Brasil.
Texto Anterior: Futebol e churrasco animam domingo de Lula Próximo Texto: Saiba mais: Organização regula as regras de comércio Índice
|