São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005

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NEPOTISMO

Ministro do TCU é forçado a renunciar à relatoria

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Lincoln Magalhães da Rocha foi forçado ontem a renunciar à relatoria da representação que pede a exoneração de parentes de deputados que foram contratados para a Câmara sem concurso público.
O Ministério Público Federal, autor da representação, e o presidente do TCU, Adylson Motta, consideraram inaceitáveis as declarações feitas pelo ministro à Folha dando a entender que iria rejeitar o pedido sob o argumento de que exonerar os parentes "discriminaria a família legalmente constituída".
Sem entrar no mérito da representação, o procurador-geral da República no TCU, Lucas Rocha Furtado, pediu na sessão do Tribunal o impedimento do ministro afirmando que ele contrariou a Lei Orgânica da Magistratura.
Em seu artigo 36, ela diz que é vedado ao magistrado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem".
O presidente do TCU acatou o questionamento e disse que Lincoln não falava pelo Tribunal. "Quem fala pelo Tribunal é o presidente do Tribunal. Os ministros poderão falar sobre assuntos de sua alçada, não temos cerceamento, mas não pelo Tribunal", disse Motta. "A publicação [na Folha] não representa o pensamento do Tribunal ainda porque é passível de decisão do plenário", concluiu.
Lincoln pediu a palavra e renunciou à relatoria, se declarando "suspeito". Argumentou ter dito à Folha que seu pensamento era contrário ao nepotismo sempre quando se tratar de má-prática administrativa. Lincoln disse que teria feito as afirmações em "off", jargão jornalístico para informações cuja fonte não é identificada.
Em momento algum da entrevista concedida por telefone anteontem o ministro pediu reserva. "Eu acho que você não pode fazer essa distinção, essa discriminação contra a família legalmente constituída. A família é um dos grandes pilares da sociedade", afirmou na ocasião, argumentando ser inconstitucional o pedido de exoneração. O novo relator não havia sido escolhido até o fechamento desta edição.
A representação foi motivada por reportagens da Folha que mostraram que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), o corregedor, Ciro Nogueira (PP-PI), e outros deputados tiveram parentes contratados sem concurso pela Câmara nos últimos anos. O STF, que não comentou ontem as declarações de Lincoln, tem decisão de 1997 em que manifesta não haver inconstitucionalidade na aprovação de leis para coibir o nepotismo.
A decisão dos ministros vai no sentido de que a nomeação facilitada pelos laços familiares afrontaria o princípio da isonomia, da moralidade e da impessoalidade na administração pública.
Com exceção do Judiciário Federal e de algumas leis estaduais e municipais, não há restrição ao nepotismo na legislação brasileira. As reportagens da Folha motivaram a reativação da tramitação de projetos na Câmara. Na próxima terça-feira, vários deles devem ser votados na Comissão de Constituição e Justiça.
Além disso, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pode decidir em encontro nacional que se inicia hoje em Fortaleza o lançamento de uma "campanha nacional contra o nepotismo". "Não é possível mais que persista no Brasil uma prática tão nefasta, retrógrada e contrária à modernidade", afirmou o presidente da entidade, Roberto Busato.
"O nepotismo não é ruim só por privilegiar uma pessoa mas também por abrir espaço para acordos e acertos em cúpulas de poder, no sentido de que há, muitas vezes, nepotismo cruzado", disse o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Rodrigo Collaço.


Colaborou SILVANA DE FREITAS, da Sucursal de Brasília


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