São Paulo, segunda-feira, 31 de maio de 2004

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FOME DE RECURSOS

Compromisso tinha como objetivo o incentivo a pequenos agricultores, mas verba liberada não é suficiente

Lula promete, mas não compra safra familiar

Sergio Lima/Folha Imagem
Cartilha distribuída pelo governo federal em cidades do Fome Zero


GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal não está cumprindo uma promessa que fez, no ano passado, a pequenos agricultores de municípios beneficiados pelo programa Fome Zero. Comprometeu-se a comprar a produção desses agricultores, que seria usada em programas sociais, mas agora não há dinheiro suficiente para honrar o compromisso na sua totalidade.
O programa de compras da agricultura familiar seria um dos pilares do Fome Zero. Tem como público alvo pequenos agricultores e assentados da reforma agrária. Uma clientela que tem dificuldades em obter mercado para vender seus produtos.
Para incentivar os produtores a plantar, o governo distribuiu cartazes e cartilhas detalhando o que cada agricultor deveria fazer para vender a produção. O título de uma das cartilhas diz: "Agricultor familiar, venda sua produção para o governo federal. O preço é justo e a renda é garantida".
O programa teve, em 2003, um orçamento de R$ 400 milhões. Foram gastos apenas R$ 162,6 milhões, incluindo a compra de leite. Em 2004, a mesma rubrica caiu para R$ 140 milhões. Até agora, foram gastos R$ 35 milhões.
Há ainda R$ 40 milhões aguardando liberação. A metade desse valor deveria ter sido disponibilizado no dia 20 passado, mas isso não ocorreu. Outros R$ 20 milhões estão previstos para junho. Quanto aos R$ 65 milhões que fecham toda a dotação de 2004, não há data prevista para a liberação.
O programa de compra da agricultura familiar tem duas ações: uma paga a compra antecipada da safra até o limite de R$ 2.500 por família/ano. A outra compra os produtos dos agricultores, no mesmo valor, e os destina a programas sociais. A primeira ação chama-se compra antecipada, a segunda, compra direta.
A compra antecipada é gerenciada pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Procurada pela Folha, a pasta informou por escrito que o dinheiro que sobrou em 2003 (R$ 238 milhões) foi devolvido ao Tesouro Nacional.
É no Nordeste, região mais pobre do país, que os produtores começam a sentir os efeitos do problema, e o governo, o do desgaste. A sede da Conab em Recife (PE) foi invadida no dia 18 deste mês por cerca de 700 trabalhadores ligados à CPT (Comissão Pastoral da Terra) e à OLC (Organização de Luta no Campo).
Uma das principais reivindicações foi o aumento dos recursos para a compra antecipada. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), autarquia do Ministério da Agricultura, foi incumbida de realizar as compras.
"Eles [CPT e OLC] chegaram aqui pedindo R$ 3 milhões para garantir compra antecipada para 1.300 famílias, só que eu recebi em abril R$ 4 milhões para financiar todos os agricultores de Pernambuco e de Alagoas", disse Eude de Andrade, superintendente da Conab em PE. Ao consultar a planilha de liberações, a reportagem constatou que a Conab de PE recebeu R$ 5,6 milhões.
João Santos, um dos líderes da invasão de Recife e que teria a incumbência de distribuir os recursos federais entre os agricultores, relata ter obtido apenas a metade dos R$ 3 milhões necessários para bancar a produção das 1.300 famílias que cadastrou. Isso ocorreu depois de uma negociação direta em Brasília. "O governo anunciou muita coisa e está colocando poucos recursos. É muita propaganda e pouca prática", disse Santos.
O governo está tentando arrumar mais dinheiro. O Ministério da Agricultura solicitou à equipe econômica autorização para que os R$ 360 milhões de que a Conab dispõe para fazer estoque de alimentos possa ser usado para o programa de compras da agricultura familiar. Se isso for autorizado, parte do que for comprado dos produtores será para estoque.
A compra antecipada vem sendo a mais procurada pelos agricultores. O produtor pega o dinheiro do governo, planta e depois paga o empréstimo com a safra, que tem os produtos fixados pelo preço médio de mercado.
Ao incentivar o plantio e garantir a compra da produção, o Fome Zero iria aquecer as economias de pequenas cidades. "O programa realmente tem potencial para dinamizar as economias locais", diz José Tubino, o representante da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) no Brasil.
Segundo técnicos da Conab que pediram para não ser identificados, mesmo que os R$ 40 milhões referentes às parcelas de maio (já atrasada) e junho sejam liberados, isso não vai ser suficiente para a demanda dos agricultores. A estimativa do órgão é de que só neste mês exista uma demanda reprimida de R$ 70 milhões para a compra antecipada e direta.

Sem prestígio
Prova de que o Fome Zero perdeu prestígio e está em declínio na escala de prioridades do governo é o que está acontecendo com o convênio com a FAO, assinado em dezembro de 2003.
O governo repassou para a FAO, em janeiro passado, US$ 5,8 milhões para que a instituição implantasse no país, em um período de três anos, uma política ampla de segurança alimentar. Para começar a funcionar, o programa precisa ter um gerente dentro do governo. José Baccarin, escolhido para o cargo, ainda não foi sequer anunciado oficialmente.


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