São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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ELIO GASPARI

De henri.nestlé@edu para ivan.zurita@com


Se uma senhora compra habitualmente um quilo de "Neston 3 Cereais", não deve receber 900 gramas

ESTIMADO IVAN Zurita,
O senhor preside a Nestlé no Brasil e o vosso imperador Pedro 2º acaba de me contar que nossa empresa foi multada em R$ 94.580 porque três produtos com minha marca eram vendidos com o peso aliviado. O "Neston 3 cereais", por exemplo, tinha um quilo e emagreceu para 900 gramas. Disse o Pedro de Alcântara que foi a segunda vez em menos de um ano. A multa anterior foi de R$ 591 mil. Ele está aborrecido, pois nossa farinha láctea começou a ser vendida no Brasil durante o seu reinado.
Eu criei a Nestlé em 1866, mas não pretendo me comparar ao senhor. Fui apenas um empregado de farmácia que teve uma boa idéia: misturar leite com farinha de trigo e açúcar. Deu certo. Graças ao nome Nestlé, milhões de bebês salvaram-se da desnutrição. Para quem nasceu numa família que perdeu metade das suas crianças antes que chegassem à idade adulta, isso basta.
O senhor é um grande empresário. Emprega 16 mil pessoas e bateu a marca dos R$ 10 bilhões de faturamento anual. Eu vendi a Nestlé, em 1874, pela ninharia de 100 milhões em dólares de hoje. Acompanho suas atividades e permito-me lembrar que a Nestlé valeu o equivalente a 330 vacas como a "Dani Zurita", que o senhor vendeu num leilão para um cômico de nome Tom Cavalcante. É justo que se fale bastante de seus leilões de quadrúpedes, mas nossa empresa nada disse em sua página na internet sobre a multa aplicada ao Neston dos bípedes.
Escrevo-lhe pelo bom nome de minha família. Sofremos há décadas com os ataques de fanáticos e carbonários. Eles dizem que desestimulamos o aleitamento materno para robustecer nossas vendas. Já fomos boicotados em meio mundo, mas essa discussão é saudável. Se as pessoas não estivessem prontas para aceitar idéias diferentes, ninguém teria comprado minha farinha láctea.
O caso aí no Brasil é bem outro. Peso é peso, preço é preço. Se uma senhora compra o "Neston 3 Cereais" com o nosso logotipo, mais um aviso de "nova embalagem" e nela há só 900 gramas de mercadoria, enganamo-la. A informação relevante era o novo peso, não a nova embalagem. Esse, foi impresso em letras menores.
Nosso nome e a marca com os quais familiarizamos os consumidores cria um vínculo. Mexendo no peso, nós o quebramos. Lembre o que os governos faziam com a inflação: diziam que uma cédula tinha um valor, mas quando nossa cliente ia comprar o Neston, suas notas de dinheiro não valiam um quilo de cereais.
O senhor deve ter diretores prontos para inventar formas de ganhar mais dinheiro com menos trabalho (ou menos Neston). Uma vez sugeriram que eu trocasse o ninho da marca Nestlé por uma cruz suíça. Copiar cruz é muito fácil. Nosso leite condensado seria confundido com canivetes e relógios. Desconfie dessa gente. Em 1942, os diretores de duas de nossas fábricas na Alemanha disseram que podíamos usar trabalhadores fornecidos pelo governo do Reich. Justificavam-se argumentando que as fábricas de produtos Nestlé não eram da Nestlé. A estupidez custou-nos reputação e US$ 16 milhões.
D. Pedro leu o rascunho desta mensagem e pediu-me que acrescentasse um comentário. Ele ainda sofre com a Revolta do Quebra-Quilos, ocorrida no Nordeste em 1874. Foram umas 50 badernas de ignorantes instigados por padres. Elas derivaram, entre outras coisas, de um truque dos mercadores. A conversão obrigatória para o quilo às vezes resultava numa redução de 10% do peso das mercadorias. Apesar disso, ele mantiveram os preços. Algo como houve aí com o Neston.
Doutor Zurita, aceite uma sugestão. Defenda a associação do nome Nestlé a produtos de peso fixo. Se for o caso, mude o preço. Não deixe que façam com minhas farinhas o que eu não faria com suas vaquinhas.
Respeitosamente
Henri Nestlé

FRITURA NO SAL
Nosso Guia pretende fritar a oposição com a agenda do pré-sal. Ele anunciou a descoberta, demarcou a área de debate e cobriu quase todas as alternativas. Para quem se lembra dos instintos tucanos de privatização da Petrobras, vêm aí duros tempos.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e pretende ganhar um dinheirinho viajando para Washington com um projeto de reajuste salarial para a Corte Suprema dos Estados Unidos. O tribunal americano tem nove juízes e cada um deles recebe o equivalente a US$ 208.100 anuais, equivalentes a 13 salários de R$ 27.213. (O presidente ganha um pouco mais.) No Brasil, os 11 ministros do STF deverão ter seus salários aumentados para R$ 25,7 mil mensais.
Levando-se em conta que os pobres ministros americanos recebem só o contracheque, enquanto os brasileiros têm carro com motorista pago pela Viúva, Pindorama tem algo a ensinar aos americanos.
O juiz Harry Blackmun (1908-1999) ia para o serviço de Fusca. O atual presidente, John Roberts, dispensou a limusine que vinha com o cargo.

SNI DA ESQUERDA
Estão patrulhando Luciana Genro, candidata a prefeita de Porto Alegre, porque a Executiva Municipal de seu partido aceitou uma doação formal de R$ 100 mil do empresário Jorge Gerdau. Coisa de gente que não sabe, mas tem cabeça de coronel do falecido Serviço Nacional de Informações.
Em 1974, Jorge Gerdau teve que se explicar no SNI por ter ajudado a campanha de Paulo Brossard para o Senado. Com direito a transcrição da conversa-depoimento. Passou algum tempo na geladeira.

MENSALÃO-RJ
Um dia o ex-governador Anthony Garotinho contará o encontro que teve com dois gerentes do mensalão legislativo do Rio. A conversa foi no Palácio das Laranjeiras, nos primeiros dias de seu governo. Estão todos vivos, vivíssimos.

MALDIÇÃO
Se Barack Obama vencer a eleição de novembro, ele será o terceiro americano a sair direto do Senado para a Casa Branca. Os dois outros foram Warren Harding, eleito em 1921, e John Kennedy, eleito em 1960. Nenhum dos dois terminou o mandato. Harding morreu do coração e Kennedy tomou um tiro na cabeça.
Em fevereiro passado, a escritora Doris Lessing enunciou uma maldição que paira sobre as cabeças de milhões de pessoas: "Eles vão matá-lo".

MADAME NATASHA
Madame Natasha passou a gostar de índios depois que conheceu algumas pessoas que os detestam. Ela cuida do idioma português e não conhece nenhuma das falas das galeras ingarikó, makuxi e wapixana, que vivem em Roraima.
Contrariando seus hábitos, a senhora decidiu saudar o ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso da reserva Raposa/ Serra do Sol no STF. Em quatro palavras, o doutor (que é poeta) resumiu 500 anos de história desses povos. Disse e repetiu que eles foram submetidos a um "processo de espremedura topográfica". Ela começou no século 16, quando os tupinambás percorreram 6.000 quilômetros (a distância de Berlim a Nova Déli) fugindo dos caçadores de escravos.

SILÊNCIO
Nos próximos quatro domingos, o signatário ficará em silêncio, em férias.


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