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Ação de Anselmo é pré-64, diz policial
Diretor do Dops carioca à época do golpe afirma que antes agente duplo da ditadura já era informante
De acordo com Cecil Borer, Cabo Anselmo colaborava com o Dops, o Cenimar e "americanos'; ex-marujo nega delação antes de 1971
MÁRIO MAGALHÃES
A SUCURSAL DO RIO
Diretor do Dops carioca à
época do golpe de Estado de
1964, o policial Cecil Borer
(1913-2003) afirmou dois anos
antes de morrer que o marinheiro de primeira classe José
Anselmo dos Santos, mais célebre agente duplo a serviço da
ditadura militar, já era informante da Marinha e da polícia
política antes da deposição do
presidente João Goulart.
O ex-marujo tornou-se conhecido -em erro sobre seu
posto- como Cabo Anselmo.
Ele sustenta que só no começo
da década de 1970 passou a colaborar com o aparato estatal.
A atividade de Anselmo resultou na morte de muitos militantes da oposição armada ao
regime militar (1964-85), inclusive de sua mulher, a paraguaia Soledad Barrett Viedma.
Hoje ele reivindica ser anistiado político, ser reintegrado à
Marinha como suboficial, aposentadoria e indenização. Vive
escondido, temendo vingança.
No processo que tramita na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o marinheiro expulso da Força em 1964 e cujos
direitos políticos foram cassados por dez anos diz ter sido vítima de perseguição do Estado.
As entrevistas de Borer ao repórter da Folha foram concedidas em 2001 na apuração para um livro e uma reportagem.
Ele autorizou a gravação. Suas
declarações contradizem a versão de Anselmo. É a primeira
vez que vem à tona relato de integrante de órgão de combate à
"subversão" narrando história
diferente da do antigo militar.
O policial, denunciado como
torturador de presos durante
três décadas, teve atuação destacada nas prisões após o golpe
de 1964. Aposentou-se em 65.
Ao ser entrevistado pela Folha, ele tinha 87 anos. Narrou
"pressões" físicas contra presos, negou a condição de torturador e falou de agentes infiltrados na esquerda.
Fonte "A"
No começo de 1964, Anselmo
presidia a AMFNB (Associação
dos Marinheiros e Fuzileiros
Navais do Brasil). Borer contou
que ele já era informante do
Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da Guanabara, do Cenimar (Centro de
Informações da Marinha) e dos
"americanos" -a CIA (Agência
Central de Inteligência).
Foi categórico: "[Antes de
abril de 1964, Anselmo] trabalhava, trabalhava". Para quem?
"Para todo mundo." Detalhou:
"Ele trabalhava para a Marinha, ele trabalhava para mim,
trabalhava para americano".
Não esclareceu a data em que o
militar teria aderido.
Conforme Borer, Anselmo
não foi um infiltrado escalado
para se misturar aos marinheiros. O ex-diretor disse que ele
foi recrutado pelo Cenimar
quando já atuava na associação.
O policial afirmou que as informações transmitidas por
Anselmo eram compartilhadas
por Cenimar e Dops com classificação "A", exclusiva de fonte
de alta confiança. Os organismos tratavam-no por nome em
código. "Não havia segredo entre Dops e Marinha. (...) Esse
trabalho, essa informação veio
do Anselmo, então é classe A."
Borer não se referiu a manobras políticas de Anselmo ordenadas pelos serviços secretos.
Seu trabalho consistiria em avisar sobre o que se passava com
os marinheiros. A reconstituição das ações deles e de fuzileiros mostra que, embora presidisse a entidade, tinha influência limitada na sua orientação.
"Farsa"
Dias após a queda de Goulart,
Anselmo se asilou na Embaixada do México no Rio. Em pouco
tempo abandonou o local e se
abrigou em um apartamento na
zona sul. No dia seguinte, foi
detido e levado para o Dops.
Ele disse que o esconderijo
foi identificado por agentes
seus infiltrados entre exilados
no Uruguai. Informaram o endereço a um policial que ignorava a dupla militância de Anselmo, que acabou preso.
Sua condição de informante,
diz Borer, era de conhecimento
restrito, mesmo no Dops e no
Cenimar: "Então Anselmo veio,
tá preso, você não vai soltar,
que não vai queimar".
Anselmo retomou a liberdade somente em 1966, quando
Borer já estava aposentado, ao
ir embora de uma delegacia no
bairro do Alto da Boa Vista onde estava preso. Lá, ele circulava quase sem restrições.
A fuga foi uma farsa, disse
Borer. O objetivo do que descreve como encenação de colegas seus foi infiltrar o agente na
esquerda clandestina. Anselmo
foi para o Uruguai, onde entrou
no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), grupo dirigido por Leonel Brizola.
A seguir, treinou guerrilha
em Cuba. De volta ao Brasil,
aderiu à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização armada depois dizimada
por suas delações. Ex-militar e
guerrilheiro, jamais teria participado de ação armada.
Documentos do Deops-SP
(Departamento Estadual de
Ordem Política e Social) registram Anselmo como agente a
partir de 1971.
Em entrevista ao repórter
Octávio Ribeiro, em 1984, Anselmo disse que se entregou
por iniciativa própria ao Deops
por volta de 1971 e nunca foi
torturado. Em 1999, assegurou
ao repórter Percival de Souza
que foi surpreendido e preso
pelo Deops e que o torturaram
antes da mudança de lado.
Diretor do Cenimar em 1964,
Roberto Ferreira Teixeira de
Freitas nega que Anselmo tenha sido colaborador antes de
64. "Isso é mentira!"
Capitão-de-Mar-e-Guerra
45 anos atrás, ele lembrou:
"Anselmo era um desconhecido. Apareceu no movimento lá
dos marinheiros". Quando se
tornou infiltrado? "Não sei. Eu
o prendi, depois ele foi para o
Dops. O que aconteceu por lá
eu não sei", respondeu.
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