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ENTREVISTA DE 2ª
BRYAN DREW
Para mentor do combate à violência no futebol inglês, corrupção de juízes afeta paz nos estádios
Clubes devem bancar polícia, defende xerife anti-hooligan
FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Há 16 anos, o dia-a-dia do inglês
Bryan Drew, 55, envolve paixão,
vingança, grupos organizados, a
imagem de seu país no exterior.
Tudo isso, pano de fundo de uma
indústria global, milionária e em
crescimento acentuado: o futebol.
Policial de carreira, Drew dirige
a Unidade de Policiamento de Futebol, órgão do Serviço Nacional
de Inteligência do Ministério do
Interior britânico. É o responsável
pelo combate à violência entre
torcedores ingleses, os hooligans,
denominação que nas últimas décadas tornou-se sinônimo de bebedeira, mortes e muito medo.
Pavor que há exatos 20 anos privou os clubes ingleses de atuarem
em competições internacionais.
Em 1985, 39 torcedores da italiana Juventus foram assassinados
por hooligans do Liverpool na final da Copa dos Campeões, em
Bruxelas. O episódio ficou conhecido como "a tragédia de Heysel",
referência ao nome do estádio, e o
banimento perdurou até 1990.
Embora o problema não esteja
solucionado, a situação é bem diferente hoje. A última morte em
confronto de torcidas na Inglaterra foi há três anos. As mais recentes estatísticas do Ministério do
Interior britânico, referentes a
2003/2004, mostraram queda de
10% no número de prisões ligadas
ao futebol em relação à temporada anterior. A próxima edição do
relatório será publicada nesta semana indicando estabilidade: um
torcedor detido para cada 10 mil.
Em entrevista à Folha, por telefone, Drew comentou a nova onda de violência no futebol brasileiro, que fez três mortos neste
Nacional. Criticou as idéias sugeridas pelo Ministério Público. E
defendeu a adoção de uma estratégia de sucesso usada na Inglaterra. Lá, os clubes pagam os policiais deslocados a seus estádios.
Folha - O futebol brasileiro registrou três mortes de torcedores logo
após denúncias de corrupção na arbitragem. Na sua opinião, há relação entre uma coisa e outra?
Bryan Drew - Eu li sobre esses
problemas no Brasil, corrupção
envolvendo juízes e acertos de jogos. Casos parecidos já aconteceram em alguns países na Europa.
É um pouco difícil estabelecer um
elo, mas compreendo que torcedores fiquem revoltados se seu time ganhou ou perdeu um jogo e
vem uma ordem para remarcar a
partida porque o juiz arranjou o
resultado. Sim, a atuação dos juízes tem impacto no comportamento dos torcedores. Mas isso
de nenhum modo é justificativa à
violência, à agressão ou à morte.
Folha - Entre as sugestões apresentadas no Brasil, pelo Ministério
Público, está a realização de jogos
com apenas uma torcida nos estádios. O que o senhor acha disso?
Drew - Um ambiente com torcedores de apenas uma equipe obviamente é um ambiente de mais
segurança. Mas você precisa considerar... Você não pode punir todos os torcedores da outra equipe
por causa do comportamento de
alguns. Esse sentimento de injustiça também traz alguns riscos.
Pode até funcionar, mas jogo com
torcida de um time só certamente
é a solução mais triste a ser adotada. Não é o tipo de cenário que
agrade aos fãs do futebol.
Folha - Até porque boa parte dos
confrontos entre torcidas ocorre
nas ruas, fora dos estádios.
Drew - Exatamente. Muitas brigas acontecem longe dos estádios,
em bares, estações de trem, lugares assim. Então é preciso uma visão ampla, não se preocupar só
com os estádios. Se dois grupos
querem brigar, é relativamente fácil encontrar um local para isso.
Folha - Há uma outra proposta,
de proibir os torcedores de vestirem as camisas dos clubes...
Drew - Aqui fazemos o contrário. Na Inglaterra, encorajamos os
torcedores a vestirem as camisas
dos times. Porque outros países já
tentaram proibir os uniformes, e
o efeito colateral é pior. Os torcedores passaram a circular com camisetas nas cores dos times ou
com referência aos clubes e começaram a criar seus próprios códigos. Uma coisa é um grupo de torcedores usando camisas com o escudo e os patrocinadores do time.
Quando você proíbe isso, a torcida passa a criar seus próprios escudos, quase sempre belicistas.
Eles podem, por exemplo, começar a usar roupas de uma mesma
marca, algo que faziam aqui para
tentar driblar a polícia.
Folha - E a inclusão de artigos na
legislação lidando
especificamente
com esses casos?
Drew - Esse é um
dos caminhos.
Em 1996, fizemos
adendos à legislação que tratam
especificamente
do tema violência
entre torcidas.
Hoje, temos cinco
ou seis artigos
que tratam apenas do futebol.
Não falam de críquete ou de rúgbi... Estão focados
única e exclusivamente em jogos
de futebol. Por
exemplo, você
não pode entrar em trens ou ônibus que vão para os estádios de
futebol portando bebidas alcoólicas. Você poderia fazer isso se estivesse indo para outro evento esportivo, mas não para um jogo de
futebol. E você não pode por causa do histórico do futebol. A lei
tem seu papel na luta contra a violência associada ao futebol, mas
não é uma panacéia. Nós reconhecemos isso e cada vez mais estamos convencidos de que os clubes têm um papel vital em estabelecer padrões de comportamento. Os juízes têm
seu papel, o governo
têm seu papel, a polícia tem o seu...
Folha - Na Inglaterra, são os clubes que
pagam pelo policiamento nos jogos. Como isso funciona?
Drew - O comando
da polícia local analisa o histórico de relacionamento entre as
duas torcidas e então
toma sua decisão sobre quantos homens
serão empenhados na
partida. Essa conta é
sempre feita com
uma margem de segurança. O clube é
consultado, dá seu parecer e às vezes discorda. Mas no fim das contas é a palavra da polícia que vale.
Então, como o dinheiro sai do
bolso dos clubes, torna-se interessante para os dirigentes trabalhar
com a torcida para diminuir os
transtornos e treinar melhor seus
fiscais. Assim a polícia vai deslocar efetivos menores a seus estádios, e eles vão gastar menos. O
que acontece hoje é que o número
de policiais por jogo já vem caindo e os clubes também vêm usando
pessoal próprio,
cada vez mais experiente. Grandes
clubes hoje têm até
5.000 pessoas trabalhando como
fiscais em jogos
importantes. Eles
são treinados seguindo um padrão
nacional, vestem
uniformes... Os
policiais estão lá
para impor a lei.
Os fiscais, para
cuidar da segurança e orientar. Mas
tenha em mente
que aqui a maioria
dos estádios é privada, e isso facilita
muito a medida.
Folha - Quanto cada policial custa
para um clube?
Drew - Isso é difícil de dizer, porque trabalhamos com uma tabela
que varia com a região. É claro
que às vezes os clubes reclamam.
Recentemente houve um problema com um clube chamado Wigan, promovido à primeira divisão. Esse time é de Manchester e
estava sujeito aos mesmos preços
pagos pelas outras equipes da cidade, o Manchester United e o
Manchester City,
que têm estruturas
maiores. O problema é que eles não
aceitavam negociar e
ameaçaram dispensar a polícia. Dissemos que tudo bem,
desde que eles abrissem mão também da
torcida. Mas esse tipo de atitude é rara.
É consenso neste
país e é algo que eu
defendo no combate
à violência entre torcidas: pagar por serviços da polícia.
Folha - Como o senhor vê a relação entre torcidas e clubes?
Drew - No Brasil e
na América do Sul,
essas gangues relacionam-se muito bem com os clubes ou com pessoas ligadas aos
clubes, que as usam para seus objetivos. Eu não consigo visualizar
um clube que ceda espaços para
torcedores estocarem armas.
Mesmo nos nossos piores momentos, isso nunca aconteceu.
Folha - E a relação entre a polícia
e os torcedores?
Drew - Nós nos encontramos regularmente para discutir reclamações ou assuntos que eles levantem. Isso é importante para
que a gente possa melhorar o trabalho. É um efeito dominó... Se a
polícia e os torcedores trabalharem juntos, haverá menos confrontos, mais gente poderá ir aos
jogos e, com o tempo, o efetivo
policial poderá ser reduzido, melhorando a nossa vida e diminuindo a pressão na torcida.
Folha - Extinguir as organizadas é
uma solução?
Drew - É difícil imaginar que elas
deixariam de existir por decreto,
porque já são parte da cultura do
futebol de vocês. Não estou dizendo que as medidas que adotamos
aqui funcionariam no Brasil. O
que temos que fazer é trocar experiências, como já fizemos com o
Marco Aurélio Klein [coordenador da Comissão Interministerial
para a Paz no Esporte], como já
fizemos na Itália, na Alemanha...
Podemos aprender uns com os
outros. Claramente, nós, na Inglaterra, não toleraríamos saber que
gangues de torcedores se reúnem
para planejar desordem. A polícia
tem um trabalho contínuo de inteligência para detectar e brecar
qualquer iniciativa do gênero.
Folha - Por anos e anos, o Millwall, clube londrino que hoje disputa a segunda divisão, era considerado caso perdido devido aos
seus hooligans. Hoje quase não há
problemas. Como a polícia atuou
nesse caso específico?
Drew - A história deles é... É passado. Nos últimos anos, o clube
trabalhou duro, a polícia trabalhou duro, os torcedores também
trabalharam duro e hoje não representam mais o risco de ontem.
O que quero dizer é que já conseguimos tratar cada clube e cada
grupo de torcedores com base nas
informações que colhemos no
presente, e não mais olhando para
trás. Não é porque um clube tem
um histórico ruim que precisará
de mil policiais para todo jogo. Se
o Millwall e a polícia da região nos
mostram dados comprovando
que os torcedores estão mais pacíficos, que serão escoltados, que o
clube mandará fiscais para o estádio visitante... Enfim, se nos mostram que há um trabalho sendo
feito, isso nos ajuda bastante.
Folha - E os torcedores ingleses?
Já têm outra imagem fora do país?
Drew - Espero que sim. Mas tivemos um acidente de percurso...
Na Eurocopa da Bélgica, cinco
anos atrás, os torcedores da seleção se portaram mal, e os clubes
ingleses chegaram a ser ameaçados de expulsão de torneios continentais. Por outro lado, isso fez o
governo introduzir uma legislação, radical, de banimento dos desordeiros dos estádios. Depois
disso, o comportamento em jogos
da seleção tornou-se exemplar.
Folha - O senhor coordena nacionalmente as ações por segurança
no futebol. Qual é a importância da
centralização do trabalho?
Drew - A centralização do trabalho contra a violência em estádios
é tão importante que tornou-se
um requerimento da União Européia. Todo país membro tem um
órgão nacional para lidar com os
assuntos internos e para trocar informações com seus pares sempre que há jogos internacionais.
Na Inglaterra e no País de Gales,
há 43 unidades policiais. Então é
semelhante à questão dos Estados
no Brasil. Se você tem 43 ou 27
unidades de polícia e não há uma
coordenação, desenhando um
quadro da situação nacional, como saber qual é o problema? Cada
unidade tem o quadro de sua região, mas quem coloca isso junto?
Folha - Há relação entre injustiça
social e violência no futebol?
Drew - Sim, isso existe em vários
países. É uma possibilidade que as
pessoas menos favorecidas têm
de se sentir parte de alguma coisa,
alguma organização, algum movimento. Isso preenche um pouco
a carência em outros setores.
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