São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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Estatal paga R$ 1 mi por defesa de acusados

Diretor e ex-diretores da Eletrobrás foram denunciados por desvio de recursos públicos enquanto ocupavam cargo na companhia

Empresa, que contratou escritório particular apesar de ter quadro de advogados, alega respaldo em estatuto para justificar o pagamento


ANDRÉA MICHAEL
ANDREZA MATAIS
HUDSON CORRÊA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Eletrobrás pagou R$ 1 milhão pela defesa de um diretor e dois ex-diretores acusados pelo Ministério Público Federal de usar seus cargos na estatal para desviar verbas públicas.
Eles foram investigados pela Polícia Federal na Operação Navalha e denunciados pelo Ministério Público, em 2008, sob a acusação de praticar os crimes de quadrilha, desvio de recursos, gestão fraudulenta e participação em esquema de fraudes a licitações.
A Eletrobrás alega que o pagamento está respaldado pelo seu estatuto. A garantia aos "dirigentes e conselheiros", disposta no artigo 29, porém, é condicionada. Só existirá nos casos em que "não houver incompatibilidade com os interesses da sociedade".
Apesar disso e de ter um quadro próprio de advogados, a empresa contratou o escritório Nélio Machado Advogados, com dispensa de licitação, em 24 de julho do ano passado para fazer a defesa do diretor Valter Luiz Cardeal de Souza e dos ex-diretores José Drumond Saraiva (então diretor financeiro) e Aloisio Vasconcelos Novais (que na época da denúncia era o presidente).
Dos acusados, Valter Luiz Cardeal de Souza é o único que continua na Eletrobrás como diretor de Planejamento e Engenharia, embora o Ministério Público tenha defendido "o afastamento dos denunciados ocupantes de cargos públicos".
Ele foi denunciado por quadrilha, gestão fraudulenta e por desvio de recursos em três ocorrências diferentes. No mercado, é tido como homem de confiança da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Foi um dos convidados para o casamento da filha dela.
De acordo com o Ministério Público, o engenheiro gaúcho teria usado o cargo para autorizar mudanças em contrato da Cepisa (companhia energética do Piauí) com a Eletrobrás para a execução do programa Luz para Todos. A beneficiada teria sido a empreiteira Gautama, pivô do esquema descoberto pela Operação Navalha.
A Eletrobrás também pagou a defesa de José Drumond Saraiva, ex-diretor financeiro da empresa. Ele deixou o cargo em março de 2007, um mês e meio antes de a PF deflagrar a Operação Navalha. Alegou "motivos pessoais". Foi acusado de formação de quadrilha, três vezes por desvio de recursos públicos e gestão fraudulenta.
O ex-presidente da Eletrobrás Aloisio Marcos Vasconcelos Novais também não estava mais na empresa quando foi denunciado pelos mesmos crimes que o colega Saraiva.
O contrato com o escritório de Nélio Machado consiste na defesa dos três por todo o caso, que tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça) por envolver um acusado que na ocasião tinha direito a foro especial, o então governador do Maranhão Jackson Lago. A ministra Eliana Calmon ainda não decidiu se aceita ou não a denúncia.

Inconstitucional
Procurador da República em São Paulo e professor de direito administrativo na PUC-SP, José Roberto Pimenta de Oliveira considerou "um absurdo" a Eletrobrás pagar a defesa de acusados de corrupção.
"É evidente que fere a Constituição o ato de pagar com dinheiro do erário advogado para a defesa pessoal de servidor que é acusado de usar ato de ofício para obter algum tipo de benefício pessoal. Isso, em si, é uma ilicitude. Do ponto de vista criminal pode ser prevaricação; sob o prisma civil, improbidade administrativa", afirmou.
Esse é o entendimento de Oliveira para todas as estatais. Segundo o procurador, mesmo que a defesa esteja prevista no estatuto das empresas, é inconstitucional.
O especialista em direito administrativo Celso Antonio Bandeira de Mello disse que, "se de um lado o Estado não tem que pagar para o servidor se defender, de outro, o cargo público pode submeter aquele que o ocupa até a animosidades políticas". Nesse sentido, Bandeira de Mello diz que as estatais podem prever o pagamento de defesa para seus funcionários "para casos razoáveis".
Entendimento semelhante tem o também professor de direito público da PUC-SP Carlos Ari Sundfeld. Diz que, sem tal garantia, uma nova variante passará a integrar as decisões do agente público.
"O medo, a necessidade de proteção individual para evitar problemas futuros ao deixar a cadeira", até em detrimento do interesse público, alerta.
De acordo com Sundfeld, as empresas deveriam criar um conselho de ética para analisar caso a caso. Para o professor, o melhor seria ter uma lei que uniformizasse tal procedimento, porque cada companhia estatal vem procedendo de uma maneira diferente.


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