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ENTREVISTA
Segundo o presidente do BC, aventuras extra-orçamentárias diminuíram e, em alguns casos, terminaram
"Reeleição ajusta contas", afirma Fraga
"O cidadão tem seus direitos. Não é justo propor leis que permitam a violação dos direitos individuais"
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"Me considero uma pessoa de humor positivo, como o presidente também é. Mas eu sou muito frio na hora das decisões"
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"Os paraísos têm que ser disciplinados, de forma que o bandido não tenha
mais onde se esconder"
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"Já fornecemos quatro dos nossos melhores funcionários trabalhando em tempo integral com a CPI"
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ELIANE CANTANHÊDE
VIVALDO DE SOUSA
enviados especiais ao Rio
O presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, considera que a
possibilidade de reeleição dos
atuais prefeitos no ano 2000 vai
ser um bom teste do sistema de
controle dos gastos públicos e deve ajudar, em vez de prejudicar, o
equilíbrio das contas.
Na sua opinião, a reeleição cria
um "elo" entre as administrações,
que não querem deixar rombos
de herança para elas próprias
num segundo mandato. Além
disso, não há recursos sobrando
para a gastança.
"Hoje, o espaço para aventuras
extra-orçamentárias diminuiu
bastante e em certos casos até já
acabou. Ficou difícil achar financiamento, o que impõe uma disciplina que é muito positiva", disse.
Classificado pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso de
"easy going" (de fácil trato), Fraga, 42 anos, ressalvou que isso não
o impede de tomar decisões duras
-como aumentar os juros, por
exemplo. Em tom conciliador, ele
avaliou que o BC saiu "maltratado" e com a "imagem desgastada", mas mesmo assim a CPI dos
Bancos foi positiva e gerou aperfeiçoamentos operacionais.
Quanto às privatizações, ele
classificou o resultado de "extremamente positivo", mas não vê
nada demais em que esse tipo de
processo seja "objeto de revisão,
de reavaliação".
Seguem os principais pontos da
entrevista, concedida na semana
passada, no 22º andar do prédio
do BC no centro do Rio:
Folha - O sr. é "easy going",
como disse FHC em entrevista à
Folha? E isso atrapalha na hora
de tomar decisões duras?
Armínio Fraga - Eu me considero uma pessoa de humor positivo,
como o presidente também é.
Acho que foi isso que ele quis dizer. Mas eu sou muito frio. Na hora de tomar as decisões, algumas
muito difíceis, com implicações
variadas, isso não afeta nada. Nós
fomos testados logo no início, no
meio da crise, quando fomos
obrigados a aumentar os juros de
39% para 45%. O momento era
complicado, mas fizemos.
Folha - Até onde vai o grau de
autonomia do BC, com toda a
pressão política e a popularidade do presidente em baixa?
Fraga - O ano de 1999 foi difícil,
mas não tive nenhuma pressão
em cima de nenhum assunto nosso. Isso, aliás, foi algo discutido
antes que eu aceitasse o cargo, e
eu vejo com satisfação que na prática tem sido assim.
Folha - O BC saiu enfraquecido
da CPI dos Bancos?
Fraga - Claro que a CPI levantou uma série de pontos que exigiram uma resposta nossa. Mas,
nesse sentido, a CPI foi até positiva. Decidimos nunca atuar com
menos de cinco "dealers" nas mesas de câmbio, para dar transparência, e decidimos mexer no sistema de pagamentos. Acho que a
CPI colocou um foco sobre a segurança, o que é útil. Não foi um
processo fácil, não. Foi difícil para
o BC. O banco foi maltratado,
muitas coisas foram generalizadas, e o banco saiu com a imagem
desgastada. Mas eu digo que a
máquina reagiu muito bem.
Folha - Sob o ângulo do ex-presidente do BC Chico Lopes e
das operações com o Marka e o
FonteCindam, a CPI dos Bancos
acabou em "pizza"?
Fraga - Eu diria que não. A CPI
acabou formalmente num relatório. As recomendações e conclusões estão sendo objeto de avaliação no foro adequado. Continuo
achando que não houve má-fé da
parte daqueles que participaram
daquele episódio. Não houve nenhuma ação que visasse benefício
pessoal. Foram decisões tomadas
ali no calor da batalha.
Folha - Além dessa CPI, os
bancos estão na do Judiciário,
na do Narcotráfico, em praticamente todas as CPIs. Como evitar que sejam o grande instrumento da mutreta no país?
Fraga - Sua colocação distorce
um pouco a realidade. Por que
existem bancos? Porque existe dinheiro. Todas as mutretas lidam
com dinheiro. Perguntaram a um
bandido norte-americano do século passado por que ele assaltava
bancos, e ele respondeu: "Porque
é lá que o dinheiro está".
O que se procura fazer é melhorar. É por isso que anunciamos o
fim de uma autorização especial
que havia em Foz do Iguaçu para
negociação em dólares. A CC-5,
que é uma conta de não-residente
no Brasil, continua existindo, mas
está sendo aperfeiçoada. Tem um
problema, você poda o galho e segue em frente.
Folha - Como o Coafi (Conselho de Controle de Atividades
Financeiras) e a CNBB vinham
pedindo?
Fraga - Não nesse assunto específico, técnico, que foi o pessoal
daqui do BC que levantou. Nós temos trabalhado com o Coafi também. Com a CNBB, menos (risos). O que é preciso é evitar ao
máximo esse tipo de situação em
que o bandido consegue se esconder. Dar transparência total, acabar com os esconderijos.
Folha - E o sigilo bancário?
Fraga - Eu sou totalmente a favor dessa proposta da revisão do
sigilo. Acho crucial. Espero que
seja possível já no ano 2000, porque facilitará enormemente o trabalho do Coafi, que tem Polícia
Federal, Receita e BC.
O cidadão tem seus direitos.
Não é justo propor leis que permitam a violação dos direitos individuais. Porém, em casos em que
haja suspeitas, a transferência do
sigilo me parece muito importante. Dá mais agilidade ao debate.
Folha - Nos casos do Econômico, do Nacional, do Marka, do
FonteCindam, os banqueiros tiveram suas imagens arranhadas, mas nenhum perdeu efetivamente.
Fraga - Não concordo. Todos
esses banqueiros quebraram, ficaram com os bens disponíveis...
Folha - E com alguns milhões
no Caribe...
Fraga - Não sei. Se isso é verdade, realmente é lastimável. Eu vejo no futuro as economias formais, maiores, não aceitando
mais esse tipo de esconderijo. Os
paraísos têm que ser disciplinados, de forma que o bandido, seja
um traficante, seja um lesa-fisco,
não tenha mais onde se esconder.
Folha - A CPI do Narcotráfico
reclama muito da lentidão do
BC ao prestar as informações
pedidas. Por que isso acontece?
Fraga - Ando preocupado com
isso. Não é fácil. São milhares de
informações, a gente não aperta
um botão e vem todas as listagens. A grande maioria das informações vem dos bancos, temos
tentado fazer um trabalho de cobrança, de exigência, e às vezes esbarramos em problemas administrativos, de ofício. Não creio
que haja nenhum corpo mole por
parte do sistema. É que é difícil
mesmo.
A criação de um departamento
de combate a ilícitos no BC foi, em
parte, uma resposta a isso. E já
fornecemos quatro dos nossos
melhores funcionários trabalhando em tempo integral com a CPI.
Estamos comprometidos com
esse processo e não é da boca para
fora, não. A turma está mesmo
trabalhando, está empenhada.
Folha - O veto do Senado à indicação da Teresa Grossi para
uma diretoria do BC arranhou a
imagem da instituição?
Fraga - Não houve propriamente um veto. É natural que
num ambiente mais conturbado
esse tipo de coisa aconteça, mas
eu acho a Teresa uma funcionária
exemplar, tem as qualificações
técnicas e éticas para ocupar um
lugar de destaque no governo.
Folha - Sua relação pessoal
com o presidente do Senado,
Antonio Carlos Magalhães, tem
ajudado o sr. nessa convivência
às vezes conflituosa do BC com
o Congresso?
Fraga - Meu relacionamento
com o senador tem bases familiares, nossas famílias se conhecem
há dezenas de anos na Bahia. Ele
tem sido sempre muito generoso
e muito direto comigo. Ele sempre me passa a experiência que
tem, o que é muito bom.
Folha - E a oposição?
Fraga - Outros parlamentares
têm sido também generosos com
o seu tempo e têm nos ajudado,
ainda que em certos casos de forma crítica. O próprio deputado
Aloízio Mercadante (PT-SP) deu
uma contribuição positiva às discussões da Câmara sobre a nossa
reformulação interna. Ele sempre
fez questão de misturar crítica e
sugestão. Nós não somos políticos, nós temos o compromisso
com a técnica. Essa tranquilidade
nós podemos dar aos políticos:
nós não estamos aqui no BC para
fazer política. Creio que isso dá a
eles mais condições de procurar
uma agenda positiva.
Folha - Em 2000 haverá eleições municipais. O sr. teme as
pressões políticas que sempre
crescem em anos eleitorais?
Fraga - Do meu ponto de vista,
é um ano como outro qualquer.
Tem um ano pré-eleitoral, depois
vem um ano eleitoral, depois um
pós-eleitoral. Para nós, o mais importante é consolidar uma boa
trajetória para a economia.
Folha - A eleição municipal de
2000 vai ser a primeira com reeleição, e os prefeitos vão ficar
tentados a usar a máquina. A
questão fiscal preocupa?
Fraga - O sistema evoluiu muito. Hoje, o espaço para aventuras
extra-orçamentárias diminuiu
bastante e em certos casos até já
acabou. Ficou difícil achar financiamento, o que impõe uma disciplina que é muito positiva. O ano
2000 vai ser um bom teste para o
sistema, que tem condições de enfrentar esse tipo de pressão.
Eu iria até além disso. O fato de
nós termos reeleição, ou sucessão
dentro de um mesmo partido, começa a criar no Brasil uma cultura
favorável do ponto de vista político e administrativo, a partir de
um bom desempenho, de uma
boa administração. Aquela idéia
de que o sujeito chega perto das
eleições e estoura o caixa passa a
ser difícil, complicada, porque às
vezes o próprio sujeito vai se reeleger ou eleger um correligionário, e não vai querer um estouro
de caixa. Cria-se, então, um elo
entre administrações. Com mandato de quatro anos, a reeleição
faz todo o sentido e é um prêmio à
boa administração.
Folha - Por que o sr. é a favor
da participação do capital estrangeiro na compra do Banespa?
Fraga - Eu inverto a pergunta: e
por que não? De qualquer forma
nós estamos ainda muito longe de
uma participação relevante. Um
patamar de 20% de participação é
muito pouco.
Folha - O sr. acha que a discussão sobre o papel dos bancos
estaduais no desenvolvimento
regional está superada com a
privatização do Banespa?
Fraga - Creio que sim. O Brasil
teve uma explosão na participação dos bancos estaduais na década de 70 e especialmente da década de 80 e início dos anos 90, mas
o país não cresceu. Não é por aí.
Isso é uma ilusão.
Um histórico da atuação dos
bancos estaduais mostra um processo de gastos extra-orçamentários feitos sem nenhum controle.
A conta depois apareceu e quem
paga somos nós.
Folha - A sua melhor frase é
aquela "do seu, do meu, do nosso dinheirinho"?
Fraga - Aquilo saiu sem querer,
mas é verdade, não é?
Folha - O sr. acha que o BNDES
deve continuar financiando empresas estrangeiras que comprem estatais brasileiras?
Fraga - Eu creio que sim e que
continuará fazendo, porque a privatização ainda não acabou.
Folha - Os governadores Itamar Franco (MG) e Anthony Garotinho (RJ) defendem uma revisão das privatizações. O sr.
concorda que está na hora, pelo
menos, de um balanço?
Fraga - Eu creio que esse tipo de
processo tem, sim, de ser objeto
de revisão, de reavaliação. Não vejo nada de errado nisso. Mas minha leitura é que o resultado foi
extremamente positivo. O custo
na telefonia caiu e a qualidade
melhorou. Se você quer um telefone, consegue. A concorrência
existe e isso é bom. Tenho a mesma análise para outros setores:
aço e mineração, por exemplo. Isso não significa que tudo que tenha sido feito foi perfeito e não
mereça uma reavaliação, mesmo
porque nós ainda temos privatizações a serem feitas.
Folha - O sr. acha que já pode
ser retomada a trajetória de
queda dos juros, suspensa nos
últimos dois meses?
Fraga - Com relação aos juros
básicos, eu vou me permitir não
responder. Nós temos sido muito
disciplinados em respeitar o rito
do Copom (Comitê de Política
Monetária). Só posso dizer que
vamos responder com nossas expectativas de inflação e que estamos constantemente reavaliando
as tendências e agindo de acordo
com essas reavaliações.
Folha - A taxa básica de juros
está hoje em 19% ao ano e a
previsão para 2000 é uma taxa
média de 16%. Ou seja, o governo terá uma margem menor e...
Fraga - Eu colocaria diferente.
Nós estaríamos começando a caminhar para uma situação mais
normal, saindo desse dia-a-dia de
enorme volatilidade em que os juros sobem de 19% para 40% e voltam para 19%. Nós queremos é
realmente trazer o país para uma
situação mais normal e que os juros tenham patamares mais adequados às necessidades do país.
Folha - E as metas de inflação
do ano 2000?
Fraga - Quando se olha até dezembro, nós tivemos uma inflação mais alta em 1999 e teremos
uma menor no final de 2000. Não
haverá problemas para o cumprimento da meta.
Folha - A fase das reformas
acabou?
Fraga - As reformas mais importantes são conhecidas. A tributária caminha bem porque
existe um consenso no Brasil de
que temos de substituir os impostos ineficientes pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A questão agora é como desenhar esse
IVA. Na minha leitura, em que
pese certo ar novelesco nas discussões sobre a implantação prática, a discussão avançou muito
nas últimas semanas.
Outro ponto é a questão da previdência do setor público. Nenhuma das duas representa hoje uma
necessidade para o cumprimento
do nosso programa econômico.
Mas suas implicações de longo
prazo são importantes.
Folha - O que o sr. considera a
maior ameaça para o Brasil?
Fraga - A meu ver, é a pobreza e
a falta de perspectiva. Eu creio
que, sem sucesso no esforço de recolocar o país numa trajetória de
crescimento e desenvolvimento
como nós tínhamos até a década
de 80, os outros problemas tendem a se agravar.
Folha - Qual o nível de preocupação com novas turbulências externas?
Fraga - O cenário básico hoje
para os próximos três anos na
economia mundial é bom e isso
pode nos ajudar. Um crescimento
mundial acima de 3%, perspectiva de melhores mercados e melhores preços para as nossas exportações. Tudo isso ajuda.
Folha - O que vai acontecer
com o câmbio?
Fraga - Eu procuro me policiar
quando vou falar de câmbio, mas
em ocasiões mais extremas a opinião do BC vem a tona, como foi o
caso recente em que o câmbio superou R$ 2.
Folha - Nesse caso, o sr. não
foi "easy going"?
Fraga - É verdade (risos). Mas
em geral nós ainda vivemos um
processo de aprendizado com o
novo sistema, um processo de recuperação de confiança.
Folha - O sr. consegue dar um
bom motivo para o leitor deixar
seu dinheiro na caderneta de
poupança?
Fraga - A poupança é um instrumento consagrado, tem a sua
origem no período da inflação, na
necessidade de dar ao cidadão,
principalmente ao mais pobre,
condições de proteger a sua poupança. E continua sendo prioridade. A poupança dá um rendimento positivo, e cada um deve
fazer a sua pesquisa para ver onde
vai ter o melhor rendimento...
Folha - Ou seja, o sr. está sugerindo que quem tem caderneta
de poupança deve buscar outra
aplicação?
Fraga - Não. Eu não faço recomendações de investimento.
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