São Paulo, Sexta-feira, 31 de Dezembro de 1999


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ENTREVISTA
Segundo o presidente do BC, aventuras extra-orçamentárias diminuíram e, em alguns casos, terminaram
"Reeleição ajusta contas", afirma Fraga


"O cidadão tem seus direitos. Não é justo propor leis que permitam a violação dos direitos individuais"



"Me considero uma pessoa de humor positivo, como o presidente também é. Mas eu sou muito frio na hora das decisões"



"Os paraísos têm que ser disciplinados, de forma que o bandido não tenha mais onde se esconder"



"Já fornecemos quatro dos nossos melhores funcionários trabalhando em tempo integral com a CPI"


ELIANE CANTANHÊDE
VIVALDO DE SOUSA
enviados especiais ao Rio

O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, considera que a possibilidade de reeleição dos atuais prefeitos no ano 2000 vai ser um bom teste do sistema de controle dos gastos públicos e deve ajudar, em vez de prejudicar, o equilíbrio das contas.
Na sua opinião, a reeleição cria um "elo" entre as administrações, que não querem deixar rombos de herança para elas próprias num segundo mandato. Além disso, não há recursos sobrando para a gastança.
"Hoje, o espaço para aventuras extra-orçamentárias diminuiu bastante e em certos casos até já acabou. Ficou difícil achar financiamento, o que impõe uma disciplina que é muito positiva", disse.
Classificado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso de "easy going" (de fácil trato), Fraga, 42 anos, ressalvou que isso não o impede de tomar decisões duras -como aumentar os juros, por exemplo. Em tom conciliador, ele avaliou que o BC saiu "maltratado" e com a "imagem desgastada", mas mesmo assim a CPI dos Bancos foi positiva e gerou aperfeiçoamentos operacionais.
Quanto às privatizações, ele classificou o resultado de "extremamente positivo", mas não vê nada demais em que esse tipo de processo seja "objeto de revisão, de reavaliação".
Seguem os principais pontos da entrevista, concedida na semana passada, no 22º andar do prédio do BC no centro do Rio:

Folha - O sr. é "easy going", como disse FHC em entrevista à Folha? E isso atrapalha na hora de tomar decisões duras?
Armínio Fraga -
Eu me considero uma pessoa de humor positivo, como o presidente também é. Acho que foi isso que ele quis dizer. Mas eu sou muito frio. Na hora de tomar as decisões, algumas muito difíceis, com implicações variadas, isso não afeta nada. Nós fomos testados logo no início, no meio da crise, quando fomos obrigados a aumentar os juros de 39% para 45%. O momento era complicado, mas fizemos.

Folha - Até onde vai o grau de autonomia do BC, com toda a pressão política e a popularidade do presidente em baixa?
Fraga -
O ano de 1999 foi difícil, mas não tive nenhuma pressão em cima de nenhum assunto nosso. Isso, aliás, foi algo discutido antes que eu aceitasse o cargo, e eu vejo com satisfação que na prática tem sido assim.

Folha - O BC saiu enfraquecido da CPI dos Bancos?
Fraga -
Claro que a CPI levantou uma série de pontos que exigiram uma resposta nossa. Mas, nesse sentido, a CPI foi até positiva. Decidimos nunca atuar com menos de cinco "dealers" nas mesas de câmbio, para dar transparência, e decidimos mexer no sistema de pagamentos. Acho que a CPI colocou um foco sobre a segurança, o que é útil. Não foi um processo fácil, não. Foi difícil para o BC. O banco foi maltratado, muitas coisas foram generalizadas, e o banco saiu com a imagem desgastada. Mas eu digo que a máquina reagiu muito bem.

Folha - Sob o ângulo do ex-presidente do BC Chico Lopes e das operações com o Marka e o FonteCindam, a CPI dos Bancos acabou em "pizza"?
Fraga -
Eu diria que não. A CPI acabou formalmente num relatório. As recomendações e conclusões estão sendo objeto de avaliação no foro adequado. Continuo achando que não houve má-fé da parte daqueles que participaram daquele episódio. Não houve nenhuma ação que visasse benefício pessoal. Foram decisões tomadas ali no calor da batalha.

Folha - Além dessa CPI, os bancos estão na do Judiciário, na do Narcotráfico, em praticamente todas as CPIs. Como evitar que sejam o grande instrumento da mutreta no país?
Fraga -
Sua colocação distorce um pouco a realidade. Por que existem bancos? Porque existe dinheiro. Todas as mutretas lidam com dinheiro. Perguntaram a um bandido norte-americano do século passado por que ele assaltava bancos, e ele respondeu: "Porque é lá que o dinheiro está".
O que se procura fazer é melhorar. É por isso que anunciamos o fim de uma autorização especial que havia em Foz do Iguaçu para negociação em dólares. A CC-5, que é uma conta de não-residente no Brasil, continua existindo, mas está sendo aperfeiçoada. Tem um problema, você poda o galho e segue em frente.

Folha - Como o Coafi (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a CNBB vinham pedindo?
Fraga -
Não nesse assunto específico, técnico, que foi o pessoal daqui do BC que levantou. Nós temos trabalhado com o Coafi também. Com a CNBB, menos (risos). O que é preciso é evitar ao máximo esse tipo de situação em que o bandido consegue se esconder. Dar transparência total, acabar com os esconderijos.

Folha - E o sigilo bancário?
Fraga -
Eu sou totalmente a favor dessa proposta da revisão do sigilo. Acho crucial. Espero que seja possível já no ano 2000, porque facilitará enormemente o trabalho do Coafi, que tem Polícia Federal, Receita e BC.
O cidadão tem seus direitos. Não é justo propor leis que permitam a violação dos direitos individuais. Porém, em casos em que haja suspeitas, a transferência do sigilo me parece muito importante. Dá mais agilidade ao debate.

Folha - Nos casos do Econômico, do Nacional, do Marka, do FonteCindam, os banqueiros tiveram suas imagens arranhadas, mas nenhum perdeu efetivamente.
Fraga -
Não concordo. Todos esses banqueiros quebraram, ficaram com os bens disponíveis...

Folha - E com alguns milhões no Caribe...
Fraga -
Não sei. Se isso é verdade, realmente é lastimável. Eu vejo no futuro as economias formais, maiores, não aceitando mais esse tipo de esconderijo. Os paraísos têm que ser disciplinados, de forma que o bandido, seja um traficante, seja um lesa-fisco, não tenha mais onde se esconder.

Folha - A CPI do Narcotráfico reclama muito da lentidão do BC ao prestar as informações pedidas. Por que isso acontece?
Fraga -
Ando preocupado com isso. Não é fácil. São milhares de informações, a gente não aperta um botão e vem todas as listagens. A grande maioria das informações vem dos bancos, temos tentado fazer um trabalho de cobrança, de exigência, e às vezes esbarramos em problemas administrativos, de ofício. Não creio que haja nenhum corpo mole por parte do sistema. É que é difícil mesmo.
A criação de um departamento de combate a ilícitos no BC foi, em parte, uma resposta a isso. E já fornecemos quatro dos nossos melhores funcionários trabalhando em tempo integral com a CPI.
Estamos comprometidos com esse processo e não é da boca para fora, não. A turma está mesmo trabalhando, está empenhada.

Folha - O veto do Senado à indicação da Teresa Grossi para uma diretoria do BC arranhou a imagem da instituição?
Fraga -
Não houve propriamente um veto. É natural que num ambiente mais conturbado esse tipo de coisa aconteça, mas eu acho a Teresa uma funcionária exemplar, tem as qualificações técnicas e éticas para ocupar um lugar de destaque no governo.

Folha - Sua relação pessoal com o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, tem ajudado o sr. nessa convivência às vezes conflituosa do BC com o Congresso?
Fraga -
Meu relacionamento com o senador tem bases familiares, nossas famílias se conhecem há dezenas de anos na Bahia. Ele tem sido sempre muito generoso e muito direto comigo. Ele sempre me passa a experiência que tem, o que é muito bom.

Folha - E a oposição?
Fraga -
Outros parlamentares têm sido também generosos com o seu tempo e têm nos ajudado, ainda que em certos casos de forma crítica. O próprio deputado Aloízio Mercadante (PT-SP) deu uma contribuição positiva às discussões da Câmara sobre a nossa reformulação interna. Ele sempre fez questão de misturar crítica e sugestão. Nós não somos políticos, nós temos o compromisso com a técnica. Essa tranquilidade nós podemos dar aos políticos: nós não estamos aqui no BC para fazer política. Creio que isso dá a eles mais condições de procurar uma agenda positiva.

Folha - Em 2000 haverá eleições municipais. O sr. teme as pressões políticas que sempre crescem em anos eleitorais?
Fraga -
Do meu ponto de vista, é um ano como outro qualquer. Tem um ano pré-eleitoral, depois vem um ano eleitoral, depois um pós-eleitoral. Para nós, o mais importante é consolidar uma boa trajetória para a economia.

Folha - A eleição municipal de 2000 vai ser a primeira com reeleição, e os prefeitos vão ficar tentados a usar a máquina. A questão fiscal preocupa?
Fraga -
O sistema evoluiu muito. Hoje, o espaço para aventuras extra-orçamentárias diminuiu bastante e em certos casos até já acabou. Ficou difícil achar financiamento, o que impõe uma disciplina que é muito positiva. O ano 2000 vai ser um bom teste para o sistema, que tem condições de enfrentar esse tipo de pressão.
Eu iria até além disso. O fato de nós termos reeleição, ou sucessão dentro de um mesmo partido, começa a criar no Brasil uma cultura favorável do ponto de vista político e administrativo, a partir de um bom desempenho, de uma boa administração. Aquela idéia de que o sujeito chega perto das eleições e estoura o caixa passa a ser difícil, complicada, porque às vezes o próprio sujeito vai se reeleger ou eleger um correligionário, e não vai querer um estouro de caixa. Cria-se, então, um elo entre administrações. Com mandato de quatro anos, a reeleição faz todo o sentido e é um prêmio à boa administração.

Folha - Por que o sr. é a favor da participação do capital estrangeiro na compra do Banespa?
Fraga -
Eu inverto a pergunta: e por que não? De qualquer forma nós estamos ainda muito longe de uma participação relevante. Um patamar de 20% de participação é muito pouco.

Folha - O sr. acha que a discussão sobre o papel dos bancos estaduais no desenvolvimento regional está superada com a privatização do Banespa?
Fraga -
Creio que sim. O Brasil teve uma explosão na participação dos bancos estaduais na década de 70 e especialmente da década de 80 e início dos anos 90, mas o país não cresceu. Não é por aí. Isso é uma ilusão.
Um histórico da atuação dos bancos estaduais mostra um processo de gastos extra-orçamentários feitos sem nenhum controle. A conta depois apareceu e quem paga somos nós.

Folha - A sua melhor frase é aquela "do seu, do meu, do nosso dinheirinho"?
Fraga -
Aquilo saiu sem querer, mas é verdade, não é?

Folha - O sr. acha que o BNDES deve continuar financiando empresas estrangeiras que comprem estatais brasileiras?
Fraga -
Eu creio que sim e que continuará fazendo, porque a privatização ainda não acabou.

Folha - Os governadores Itamar Franco (MG) e Anthony Garotinho (RJ) defendem uma revisão das privatizações. O sr. concorda que está na hora, pelo menos, de um balanço?
Fraga -
Eu creio que esse tipo de processo tem, sim, de ser objeto de revisão, de reavaliação. Não vejo nada de errado nisso. Mas minha leitura é que o resultado foi extremamente positivo. O custo na telefonia caiu e a qualidade melhorou. Se você quer um telefone, consegue. A concorrência existe e isso é bom. Tenho a mesma análise para outros setores: aço e mineração, por exemplo. Isso não significa que tudo que tenha sido feito foi perfeito e não mereça uma reavaliação, mesmo porque nós ainda temos privatizações a serem feitas.

Folha - O sr. acha que já pode ser retomada a trajetória de queda dos juros, suspensa nos últimos dois meses?
Fraga -
Com relação aos juros básicos, eu vou me permitir não responder. Nós temos sido muito disciplinados em respeitar o rito do Copom (Comitê de Política Monetária). Só posso dizer que vamos responder com nossas expectativas de inflação e que estamos constantemente reavaliando as tendências e agindo de acordo com essas reavaliações.

Folha - A taxa básica de juros está hoje em 19% ao ano e a previsão para 2000 é uma taxa média de 16%. Ou seja, o governo terá uma margem menor e...
Fraga -
Eu colocaria diferente. Nós estaríamos começando a caminhar para uma situação mais normal, saindo desse dia-a-dia de enorme volatilidade em que os juros sobem de 19% para 40% e voltam para 19%. Nós queremos é realmente trazer o país para uma situação mais normal e que os juros tenham patamares mais adequados às necessidades do país.

Folha - E as metas de inflação do ano 2000?
Fraga -
Quando se olha até dezembro, nós tivemos uma inflação mais alta em 1999 e teremos uma menor no final de 2000. Não haverá problemas para o cumprimento da meta.

Folha - A fase das reformas acabou?
Fraga -
As reformas mais importantes são conhecidas. A tributária caminha bem porque existe um consenso no Brasil de que temos de substituir os impostos ineficientes pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A questão agora é como desenhar esse IVA. Na minha leitura, em que pese certo ar novelesco nas discussões sobre a implantação prática, a discussão avançou muito nas últimas semanas.
Outro ponto é a questão da previdência do setor público. Nenhuma das duas representa hoje uma necessidade para o cumprimento do nosso programa econômico. Mas suas implicações de longo prazo são importantes.

Folha - O que o sr. considera a maior ameaça para o Brasil?
Fraga -
A meu ver, é a pobreza e a falta de perspectiva. Eu creio que, sem sucesso no esforço de recolocar o país numa trajetória de crescimento e desenvolvimento como nós tínhamos até a década de 80, os outros problemas tendem a se agravar.

Folha - Qual o nível de preocupação com novas turbulências externas?
Fraga -
O cenário básico hoje para os próximos três anos na economia mundial é bom e isso pode nos ajudar. Um crescimento mundial acima de 3%, perspectiva de melhores mercados e melhores preços para as nossas exportações. Tudo isso ajuda.

Folha - O que vai acontecer com o câmbio?
Fraga -
Eu procuro me policiar quando vou falar de câmbio, mas em ocasiões mais extremas a opinião do BC vem a tona, como foi o caso recente em que o câmbio superou R$ 2.

Folha - Nesse caso, o sr. não foi "easy going"?
Fraga -
É verdade (risos). Mas em geral nós ainda vivemos um processo de aprendizado com o novo sistema, um processo de recuperação de confiança.

Folha - O sr. consegue dar um bom motivo para o leitor deixar seu dinheiro na caderneta de poupança?
Fraga -
A poupança é um instrumento consagrado, tem a sua origem no período da inflação, na necessidade de dar ao cidadão, principalmente ao mais pobre, condições de proteger a sua poupança. E continua sendo prioridade. A poupança dá um rendimento positivo, e cada um deve fazer a sua pesquisa para ver onde vai ter o melhor rendimento...

Folha - Ou seja, o sr. está sugerindo que quem tem caderneta de poupança deve buscar outra aplicação?
Fraga -
Não. Eu não faço recomendações de investimento.


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