São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Lula, uma pessoa

Também para os jornalistas a campanha eleitoral foi difícil. Uns menos, outros mais, os repórteres e os comentaristas de política nos contivemos, ressalvadas poucas exceções reprimimo-nos, segundo as peculiaridades das empresas em que trabalhamos. Refiro-me aos repórteres e comentaristas de política, porque os de economia escancaram o seu serrismo, o que era a continuidade lógica do que escreveram nos últimos anos (com a exceção talvez única e já ausente de Aloysio Biondi).
Enquanto os de economia forjavam o "perigo Lula", os jornalistas de política davam à disputa eleitoral um tratamento mediocrizado pela frieza, pela falta de vida que começava nos próprios jornalistas e terminava nos candidatos como se fossem apenas robotizados objetos de trabalho dos marqueteiros. No jornalismo despido do sentido de testemunho, que é condição essencial da atividade jornalística, os candidatos deixaram de ser pessoas.
Na véspera do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, volto ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, para falar duas palavras sobre a pessoa Lula, simplesmente Lula.
Há pouco ouvi de um embaixador brasileiro, caracterizado pelo deslimite das suas exigências intelectuais com terceiros, segundos e todos mais, uma frase sobre o Lula a quem ele conheceu, meses atrás, no exterior: "Lula é uma das pessoas mais inteligentes que já conheci". Pausa reflexiva. E então: "Talvez seja a mais inteligente".
A inteligência extraordinária de Lula, e nem é preciso lembrar os meios culturais em que cresceu e em que viveu já adulto, é um desses fenômenos de que nos tornamos íntimos e deixamos de percebê-los como fenômenos, sem que deixem, no entanto, de ser fenômenos.
Mas, paralela a esta qualidade, Lula tem outra que a mim não impressiona menos. Nem ele saberá dizer que incontáveis oportunidades a própria inteligência lhe deu, e encontrou em cada degrau da sua vida de sindicalista e de tudo o que nela começou, para degradar-se em troca das pequenas mas desejáveis benesses que podia imaginar. Nada de especial: aí estão, na ativa ou desfrutando de conquistas inconfessadas, vários líderes sindicais que se apelegaram na busca de resultados que se mostram mais pessoais do que coletivos.
Lula, a pessoa, não é só inteligência extraordinária: tem sido também caráter extraordinário.
É com prazer que escrevo alguma coisa, depois de muito tempo sem o ter. É agradável dizer assim de Lula, certo de que em termos pessoais não tive sorte no relacionamento com ele. Primeiro, quando noticiei que o então petista e então prefeito de Campinas, Jacob Bittar, comprometera-se com o governador Orestes Quércia em uma concorrência fraudulenta, Lula disse à Folha que aquilo "só foi publicado para prejudicar eleitoralmente o PT". Foi uma crítica que lamentei, pela origem da injustiça e por sua dimensão. Quércia me processou, ganhei nas duas instâncias e, não muito depois, Jacob Bittar se bandeava do PT para o quercismo sob uma sigla qualquer.
Na eleição presidencial de 98, um dos principais assessores de Lula, e admirável colega, me encontra no aeroporto e nos convidamos para um café. De repente, uma explosão: parece que Lula procurava pelo assessor e começou a despejar sem cerimônia a sua irritação. O assessor o interrompe: "Calma, Lula, vamos tomar um café com o Janio, paga aí o nosso café". A irritação foi despejada até acabar. E então Lula veio pagar o café. Mas aí fui eu que não fiz cerimônia para dizer e mostrar que não tomaria um café humilhante. Nem nos despedimos.
Não apesar disso, mas também por isso, como por tudo o que soube a seu respeito, dou testemunho de que Lula tem sido uma pessoa de caráter provado e comprovado.
Que assim seja o presidente.

2003
Pelo vigésimo fim de ano, agradeço muito a todos os que me ajudaram a preencher este espaço (pelo tempo, vê-se que já lhes dei muito trabalho). Não tenho como retribuir, senão pelo desejo sincero de que nenhuma de suas esperanças se frustre nos novos tempos.



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