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JANIO DE FREITAS
Lula, uma pessoa
Também para os jornalistas a
campanha eleitoral foi difícil.
Uns menos, outros mais, os repórteres e os comentaristas de
política nos contivemos, ressalvadas poucas exceções reprimimo-nos, segundo as peculiaridades das empresas em que trabalhamos. Refiro-me aos repórteres e comentaristas de política,
porque os de economia escancaram o seu serrismo, o que era a
continuidade lógica do que escreveram nos últimos anos (com
a exceção talvez única e já ausente de Aloysio Biondi).
Enquanto os de economia forjavam o "perigo Lula", os jornalistas de política davam à disputa eleitoral um tratamento mediocrizado pela frieza, pela falta
de vida que começava nos próprios jornalistas e terminava
nos candidatos como se fossem
apenas robotizados objetos de
trabalho dos marqueteiros. No
jornalismo despido do sentido
de testemunho, que é condição
essencial da atividade jornalística, os candidatos deixaram de
ser pessoas.
Na véspera do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, volto ao
candidato Luiz Inácio Lula da
Silva, para falar duas palavras
sobre a pessoa Lula, simplesmente Lula.
Há pouco ouvi de um embaixador brasileiro, caracterizado
pelo deslimite das suas exigências intelectuais com terceiros,
segundos e todos mais, uma frase sobre o Lula a quem ele conheceu, meses atrás, no exterior:
"Lula é uma das pessoas mais
inteligentes que já conheci".
Pausa reflexiva. E então: "Talvez seja a mais inteligente".
A inteligência extraordinária
de Lula, e nem é preciso lembrar
os meios culturais em que cresceu e em que viveu já adulto, é
um desses fenômenos de que nos
tornamos íntimos e deixamos
de percebê-los como fenômenos,
sem que deixem, no entanto, de
ser fenômenos.
Mas, paralela a esta qualidade, Lula tem outra que a mim
não impressiona menos. Nem
ele saberá dizer que incontáveis
oportunidades a própria inteligência lhe deu, e encontrou em
cada degrau da sua vida de sindicalista e de tudo o que nela começou, para degradar-se em
troca das pequenas mas desejáveis benesses que podia imaginar. Nada de especial: aí estão,
na ativa ou desfrutando de conquistas inconfessadas, vários líderes sindicais que se apelegaram na busca de resultados que
se mostram mais pessoais do
que coletivos.
Lula, a pessoa, não é só inteligência extraordinária: tem sido
também caráter extraordinário.
É com prazer que escrevo alguma coisa, depois de muito
tempo sem o ter. É agradável dizer assim de Lula, certo de que
em termos pessoais não tive sorte no relacionamento com ele.
Primeiro, quando noticiei que o
então petista e então prefeito de
Campinas, Jacob Bittar, comprometera-se com o governador
Orestes Quércia em uma concorrência fraudulenta, Lula disse à Folha que aquilo "só foi publicado para prejudicar eleitoralmente o PT". Foi uma crítica
que lamentei, pela origem da injustiça e por sua dimensão.
Quércia me processou, ganhei
nas duas instâncias e, não muito depois, Jacob Bittar se bandeava do PT para o quercismo
sob uma sigla qualquer.
Na eleição presidencial de 98,
um dos principais assessores de
Lula, e admirável colega, me encontra no aeroporto e nos convidamos para um café. De repente, uma explosão: parece que
Lula procurava pelo assessor e
começou a despejar sem cerimônia a sua irritação. O assessor o
interrompe: "Calma, Lula, vamos tomar um café com o Janio,
paga aí o nosso café". A irritação foi despejada até acabar. E
então Lula veio pagar o café.
Mas aí fui eu que não fiz cerimônia para dizer e mostrar que
não tomaria um café humilhante. Nem nos despedimos.
Não apesar disso, mas também por isso, como por tudo o
que soube a seu respeito, dou
testemunho de que Lula tem sido uma pessoa de caráter provado e comprovado.
Que assim seja o presidente.
2003
Pelo vigésimo fim de ano,
agradeço muito a todos os que
me ajudaram a preencher este
espaço (pelo tempo, vê-se que já
lhes dei muito trabalho). Não
tenho como retribuir, senão pelo
desejo sincero de que nenhuma
de suas esperanças se frustre nos
novos tempos.
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