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ENTREVISTA / CLÁUDIO LEMBO
Governador diz que Lula nunca foi de esquerda e que país viveria conflitos "muito violentos" sem petista na Presidência
Sou conservador, mas não sou burro; vejo o vulcão social
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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O governador Cláudio Lembo no Palácio dos Bandeirantes, onde concedeu entrevista à Folha, na última quarta-feira |
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Cláudio Lembo diz estar convicto de que, sem Lula,
o país viveria "conflitos sociais muito violentos". Na
véspera de se despedir dos Bandeirantes, o governador afirma que pilotou um fusca velho, volta a criticar
a "minoria branca" e diz que recebeu apelos para que a
polícia executasse criminosos do PCC -o que, frisou,
não ocorreu. Segundo ele, na oposição há pessoas de
esquerda, mas no poder "todos são conservadores".
FOLHA - Governador, um balanço
do governo...
CLÁUDIO LEMBO - Não tem muito
balanço a fazer.
FOLHA - Na crise do PCC, o senhor
responsabilizou a "minoria branca"
e disse que, em seu governo falaria
tudo, "doa a quem doer".
LEMBO - E falei.
FOLHA - O senhor estava preparado para aquela crise?
LEMBO - Quando cheguei ao governo, a idéia que dava é que SP
estava numa situação excepcionalmente boa, financeiramente, socialmente. Cheguei a dar
uma entrevista dizendo que estava recebendo uma Maserati,
e que eu era um franciscano
descalço que não saberia como
usar esse veículo tão poderoso.
E aí eu constatei que não tinha
uma Maserati nas mãos, mas
sim um Fusca 68, com o motor
meio fundido. Não tinha dinheiro, não tinha gasolina. O
motorzinho estava mal. Os presídios estavam explosivos. Aí
eu caí na real. Na verdade eu tinha uma situação patética.
FOLHA - Muitos paulistas acreditam que ocupam uma Maserati, em
contraponto aos grotões miseráveis
do Norte e do Nordeste.
LEMBO - Aqui é muito pior que
o Nordeste. No Nordeste, a pessoa tem o sitiozinho dela. Aqui,
nas áreas de maior miserabilidade, as pessoas não têm nada.
Eu acho que SP tem que ser objeto de análise muito cuidadosa
do governante futuro e dos
paulistas. O Estado representa
45% da economia brasileira.
Porém no ventre de SP existe
muita desigualdade e miserabilidade. Locais como Alphaville
têm renda per capita de 15 mil
dólares/ano; municípios como
Ferraz de Vasconcelos, 300 dólares/ano. São 1.600.000 em favelas, sem teto, sem nada.
FOLHA - Há riscos de um novo ataque do PCC?
LEMBO - Os americanos conhecem o 11 de setembro [dia do
ataque ao World Trade Center,
em 2001], os espanhóis conhecem o 11 de março [ataque terrorista a trens, com 191 mortos,
em 2004]. E nós conhecemos o
12 de maio [de 2006, dia inicial
dos ataques do PCC]. Não podemos esquecer. E eu tenho
sentido que a sociedade já jogou aquele episódio para debaixo do tapete. É um grande equívoco. Hoje os serviços de inteligência estão integrados, os presídios estão disciplinados. Porém podem acontecer coisas
violentas novamente. Os recentes ataques no Rio de Janeiro mostraram isso. É um alerta
para os 27 novos governadores:
ou se integram os Estados, o governo federal e os países limítrofes, ou o galho vai ser maior.
FOLHA - São Paulo não tem condições de equacionar o problema?
LEMBO - O país teria que buscar
apoio internacional, de um fundo internacional de apoio a cidades do terceiro mundo. SP
ainda tem alguma condição de
investimento. Nada excepcional, mas tem -outros Estados
estão em situação patética. SP
tem também capacidade de alavancar empréstimos. Mas daí
tem os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Então é
um tal de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O Poder Judiciário precisaria começar a aplicar penas alternativas.
FOLHA - Por quê?
LEMBO - São 140 mil presos, um
número imenso, trágico. Nós
estamos querendo adotar o
modelo americano e não temos
capacidade financeira para sustentá-lo. Isso cria um caos financeiro para o Estado. E nem
sei se é bom copiar os EUA. O
que tem de gente presa lá é uma
loucura. Então, não poderia encarcerar tanta gente no Brasil.
Mas o Judiciário não tem cultura da pena alternativa. É a visão brasileira: prende, bate!
FOLHA - O senhor responsabilizou
a "minoria branca", e no entanto as
pessoas, especialmente as da classe
média, argumentam que já pagam
impostos, fazem a sua parte.
LEMBO - Não é só a classe média que paga imposto. O alto capital financeiro e industrial
também paga. Porém o país
tem situações tão graves que
eles deveriam ser mais nítidos e
claros no apoio à busca de um
equilíbrio social. As fundações,
por exemplo, são sempre familiares. É só você pegar as fundações existentes em SP, culturais, sociais. Todas têm estrutura familiar. É uma coisa interessantíssima do Brasil: todos
só pensam na sua família.
As fundações vivem do imposto do governo e ao mesmo
tempo só servem a si próprias.
Enquanto as fundações americanas apóiam as universidades,
no Brasil todos querem tirar
uma casquinha. Sempre.
FOLHA - O senhor poderia dar
exemplos que vivenciou?
LEMBO - Governar é ouvir pedidos. Desde a Colônia é assim: as
corporações estão sempre de
chapéu na mão em torno do rei.
As que têm mais capacidade de
coerção, levam mais. Ou tentam. Na crise do PCC, figuras
da minoria branca queriam a lei
de talião. Queriam que se matassem todos, para preservar a
eles, da minoria branca. Isso foi
o que me irritou mais. Nós estávamos num momento extremamente difícil e tínhamos
que mostrar que o Estado pode
vencer dentro da lei. Telefonaram, e uns poucos vieram aqui.
FOLHA - Quem?
LEMBO - Prefiro não citar. Seria
injusto. Eu iria esquecer algum
e esse algum seria privilegiado.
FOLHA - Havia pânico?
LEMBO - O pânico foi geral.
Nunca vi uma sociedade em pânico, sobretudo as suas lideranças, como naquele momento.
FOLHA - Mas elas pediam que se
matasse de que forma?
LEMBO - Que a polícia fosse para as ruas, à noite, fazer execuções.
FOLHA - Mas isso não aconteceu?
LEMBO - Não, não houve.
FOLHA - Mais de cem pessoas foram mortas pela polícia. Houve mortes com características de execução.
LEMBO - Pode haver um caso ou
outro, mas para cada caso houve o devido processo legal, que
está em curso. Não vi violência
maior da polícia. Vi o combate à
criminalidade.
FOLHA - Como seus amigos da "minoria branca" reagiram quando disse que ela era "perversa" e "má"?
LEMBO - Houve uma pessoa
que telefonou para oferecer padre e psicólogo. Infelizmente,
nem o padre se ofereceu nem o
psicólogo apareceu. Parece gozação. Mas é absolutamente
real. Nem respondi. Imagine
fazer terapia no meio do tiroteio do PCC! Já pensou? Parava
para fazer análise, e São Paulo à
mercê da bandidagem. Muito
bem, né?
FOLHA - Na crise, o senhor disse
que procurou estudos mais aprofundados sobre o PCC e não encontrou.
LEMBO - Esse é um grande defeito da nossa universidade. Ela
fica estudando coisas absolutamente platônicas, românticas,
estuda Antônio Conselheiro e
não estuda a realidade social
das grandes cidades brasileiras.
Por que nenhum sociólogo foi
entrevistar os presos para entender a origem e a motivação
para o crime? A universidade
virou novamente uma estrutura elitista isolada da sociedade.
FOLHA - Qual é a sua expectativa
em relação ao governo José Serra?
LEMBO - Ele já foi exigido em
postos importantes, tem conhecimento da administração
pública. Mas acho que ele não
deve ter ilusões. Deve saber da
gravidade que é isso tudo.
FOLHA - E em relação ao Lula?
LEMBO - Estou convicto hoje de
que sem o Lula nós teríamos
conflitos sociais muito violentos no Brasil. Ele nasceu na sociedade mais pobre, tem empatia e raiz social profunda. Está
procurando afastar as grandes
diferenças sociais e, assim, consolidando a democracia.
FOLHA - Alguns definem o governo
Lula como um dos mais corruptos...
LEMBO - O PT foi muito pouco
cuidadoso com o dinheiro público, portou-se mal. Mas o Lula, pessoalmente, não. O PT
trouxe para a política atores
novos, o que é muito bom. Hoje
o Congresso Nacional tem uma
representação popular efetiva.
Antes era só a minoria branca.
Agora, a representação popular
tem um risco: quem nunca comeu melado, quando come se
suja, né? A elite sempre se lambuzou, viveu das benesses do
Estado. Mas eram mais "cuidadosos". Agora chegou a vez de
todos. Mas precisa pôr ordem
nisso. É preciso ter ética, senão
a sociedade fica muito frágil.
FOLHA - O presidente Lula diz que
uma pessoa idosa, com mais de 60,
que é de esquerda, tem problemas,
bem como um jovem de direita.
LEMBO - Direita eu nunca fui.
Fui sempre um conservador.
Mas não burro. Vejo o que está
aí. Vivemos uma situação social
próxima de um vulcão.
FOLHA - E o Lula?
LEMBO - Nunca foi de esquerda.
Não existe região de SP mais
pequeno-burguesa que o
ABCD, que teve fábricas, indústrias e uma classe média originada dos italianos, com pequenas chácaras. É uma região de
pequenos-burgueses e portanto o presidente Lula é um pequeno-burguês.
FOLHA - E o Serra, que tem origem
de esquerda -e mais de 60 anos?
LEMBO - Ele é um italianinho típico da Mooca, né? Ele tem essa qualidade de ser um homem,
no fundo, conservador. É muito
família, né? O Brasil é conservador, reacionário. As pessoas
são de esquerda quando estão
na oposição. No poder, são todos conservadores.
FOLHA - O senhor teve atritos com
o PFL. Continuará no partido?
LEMBO - Continuo. O PFL disse
que me esperaria na curva
quando eu deixasse o governo.
Estou nela, pronto a responder
aos processos inquisitoriais.
Mas não creio que isso aconteça. Eu vou ser um mero cidadão
e eles vão me esquecer. Mas eu
não vou esquecê-los.
FOLHA - O senhor acredita em uma
reestruturação partidária?
LEMBO - O quadro partidário
está razoavelmente consolidado. O PMDB é um partido de
raiz popular, que representa
particularmente as classes médias rurais. O PFL tem que ser
um partido de representação
das classes médias urbanas. O
PT seria o povão, mas o Lula é
que consegue trazer voto. Sem
o Lula, o PT se desfaz. Pode ser
que um dia descubra novamente uma vocação. E o PSDB tem
uma forte tendência de virar a
UDN. Agora, alguns elementos
do PSDB estão com uma inveja
tão grande do presidente Lula...
FOLHA - O Serra?
LEMBO - Não creio.
FOLHA - O Alckmin?
LEMBO - É possível que nesse
momento tenha, né?
FOLHA - E o Fernando Henrique
Cardoso?
LEMBO - Suas entrevistas mostram um certo desamor ao Lula, e desamor e inveja são coisas
comuns.
FOLHA - O sr. deu entrevistas quase diárias aos jornais. Já Lula ficou
quatro anos sem dar entrevistas. O
Serra falou muito na campanha, e
agora tem evitado. Há sempre um
batalhão de assessores em torno
dos homens públicos. Por quê?
LEMBO - Acho um grande equívoco do político não se oferecer
integralmente aos meios de comunicação. O presidente Lula,
quando não se expôs à imprensa, equivocou-se, e eu diria
mais: governante que não governa a partir dos meios de comunicação está equivocado. A
melhor maneira de governar é
ler jornal diariamente. Não sinopse, síntese, clipping, mas os
grandes jornais do país. É um
excepcional instrumento de
governabilidade. O jornal mostra situações que os auxiliares
querem esconder. Todos os governantes lêem clipping. Todos. Eu cortei. Mas tenho certeza de que, no dia 2 de janeiro, o
clipping voltará.
FOLHA - E os marqueteiros?
LEMBO - Todo político fala hoje
na pesquisa qualitativa [feita
com grupos de eleitores]. Todo
governo tem qualitativa. Eu
nunca tive, nem qualitativa
nem marqueteiro. O Muro de
Berlim caiu, a Muralha da China é ente turístico. Porém, entre o governante e o povo hoje
tem toda uma estrutura de segurança intelectual. O que torna o governante frágil. Os marqueteiros dizem o que fazer. E
ele se torna uma marionete.
FOLHA - Ainda pensa em disputar
eleições?
LEMBO - Só se for necessário.
Mas sem interesse egoístico, só
para a pregação de idéias.
FOLHA - De que mais vai sentir falta ao deixar o Palácio?
LEMBO - De nada. A minha vida
sempre tem sido a de fechar a
porta, ir embora e não me preocupar. Cada ciclo tem seus valores e suas tragédias. Eu vou-me embora.
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