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HISTÓRIA
Estória do 1º Bicentenário
RUBEM COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
HÁ UMA "estória dentro
da história de Campinas que as gerações novas, por
falta de informações, talvez ignorem, e as velhas talvez, por excesso de idade, quase já não possam
contar.
É raconto que começa com o erro de alfarrabistas que, consultando os apontamentos cartorais
da velha Vila de São Carlos, inventaram, em 1939, um bicentenário para comemorar a fundação da cidade.
Vai daí que, 30 anos depois, outros pesquisadores, percorrendo
os mesmos ínvios caminhos históricos, descobrem que a cidade era
mais jovem do que pensavam, fazendo com que, em 1974, fossem
de novo comemorados os 200
anos do agora, oficial surgimento.
No espaço de 35 anos (1939-1974)
tivemos duas festas para comemorar o mesmo evento.
Sem qualquer intenção de discutir as raízes do desencontro
-que isso é coisa para os cantadores da saga campinense-,
apraz-me apenas recordar que a
trapalhada histórica teve o grande mérito de trazer, em 1939, três
meses festivos para as bandas de
Barreto Leme.
Claro que, ao assim dizer, não
quero confundir ninguém. Quando falo em banda, estou usando o
termo semanticamente em sua
origem gótica -"bandwa"- a
faixa de terra onde nosso colonizador se plantou (estabeleceu-se )
para fundar o burgo (cidade).
Pois foi nesse momento (da comemoração, não da fundação)
que outras bandas, também, por
aqui puderam desfilar. As corporações musicais que, em trinados
festivos, percorriam as ruas para
se plantar nos coretos, saudando
a grande data. As dos historiadores frustados e as das autoridades
civis e militares que, em noites de
grande gala, se plantavam nas
confortáveis poltronas do saudoso Teatro Municipal (que o prefeito Rui Novais houve por bem
demolir, depois, em nome de que
não se sabe) para ouvir inflamados discursos comemorativos,
junto com a apresentação da ópera "O Guarani", de nosso grande
Carlos Gomes.
O que vale entretanto, é que
nosso povo, o povão não ficou esquecido. Nos terrenos do antigo
Hipódramo Campineiro, (onde,
por engenho e arte, os "historiadores" substituíram os cavalos)
situado na divisa dos bairros Botafogo e Vila Industrial, foi instalada a grande "exposição-feira",
ocupação de uma área imensa,
onde se construíram elegantes pavilhões representativos das atividades industriais e agrícolas do
Estado, paralelamente com a edificação de refinado prédio para
funcionamento do Casino (assim
mesmo, escrito com s só) destinado à elite, com roleta, "bacarat",
"chemin de fer" e outros jogos do
azar, apartados em acomodação
ao lado, nos moldes do tradicional Casmo da Urca que, aliás, era
quem bancava o empreendimento. No salão de festas, bailes em
"black-tie" e participação de
grandes orquestras e cantores famosos -Francisco Alves, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira.
Separado por um grande lago,
com fonte luminosa, funcionava,
do lado oposto do casino, o "Bavária", imenso bar que ocupava
cerca de 400 metros quadrados,
onde, em mesas bem dispostas,
com chope e cerveja, o povão disputava lugar para ouvir samba e
a voz langrosa de Uiara de Goiás.
Ah, ia-me esquecendo. Havia,
também, um, então, moderno
parque de diversões, com roda-gigante e montanha-russa. Em
tempo: "os historiadores" erraram, mas valeu. Em plena ditadura Vargas, quando não se podia falar, Campinas cantou.
Rubem Costa é jornalista, escritor e membro da Academia Campinense de Letras
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