Campinas, Sexta-feira, 14 de Julho de 2000


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HISTÓRIA
Estória do 1º Bicentenário

RUBEM COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

HÁ UMA "estória dentro da história de Campinas que as gerações novas, por falta de informações, talvez ignorem, e as velhas talvez, por excesso de idade, quase já não possam contar.
É raconto que começa com o erro de alfarrabistas que, consultando os apontamentos cartorais da velha Vila de São Carlos, inventaram, em 1939, um bicentenário para comemorar a fundação da cidade.
Vai daí que, 30 anos depois, outros pesquisadores, percorrendo os mesmos ínvios caminhos históricos, descobrem que a cidade era mais jovem do que pensavam, fazendo com que, em 1974, fossem de novo comemorados os 200 anos do agora, oficial surgimento. No espaço de 35 anos (1939-1974) tivemos duas festas para comemorar o mesmo evento.
Sem qualquer intenção de discutir as raízes do desencontro -que isso é coisa para os cantadores da saga campinense-, apraz-me apenas recordar que a trapalhada histórica teve o grande mérito de trazer, em 1939, três meses festivos para as bandas de Barreto Leme.
Claro que, ao assim dizer, não quero confundir ninguém. Quando falo em banda, estou usando o termo semanticamente em sua origem gótica -"bandwa"- a faixa de terra onde nosso colonizador se plantou (estabeleceu-se ) para fundar o burgo (cidade).
Pois foi nesse momento (da comemoração, não da fundação) que outras bandas, também, por aqui puderam desfilar. As corporações musicais que, em trinados festivos, percorriam as ruas para se plantar nos coretos, saudando a grande data. As dos historiadores frustados e as das autoridades civis e militares que, em noites de grande gala, se plantavam nas confortáveis poltronas do saudoso Teatro Municipal (que o prefeito Rui Novais houve por bem demolir, depois, em nome de que não se sabe) para ouvir inflamados discursos comemorativos, junto com a apresentação da ópera "O Guarani", de nosso grande Carlos Gomes.
O que vale entretanto, é que nosso povo, o povão não ficou esquecido. Nos terrenos do antigo Hipódramo Campineiro, (onde, por engenho e arte, os "historiadores" substituíram os cavalos) situado na divisa dos bairros Botafogo e Vila Industrial, foi instalada a grande "exposição-feira", ocupação de uma área imensa, onde se construíram elegantes pavilhões representativos das atividades industriais e agrícolas do Estado, paralelamente com a edificação de refinado prédio para funcionamento do Casino (assim mesmo, escrito com s só) destinado à elite, com roleta, "bacarat", "chemin de fer" e outros jogos do azar, apartados em acomodação ao lado, nos moldes do tradicional Casmo da Urca que, aliás, era quem bancava o empreendimento. No salão de festas, bailes em "black-tie" e participação de grandes orquestras e cantores famosos -Francisco Alves, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira.
Separado por um grande lago, com fonte luminosa, funcionava, do lado oposto do casino, o "Bavária", imenso bar que ocupava cerca de 400 metros quadrados, onde, em mesas bem dispostas, com chope e cerveja, o povão disputava lugar para ouvir samba e a voz langrosa de Uiara de Goiás.
Ah, ia-me esquecendo. Havia, também, um, então, moderno parque de diversões, com roda-gigante e montanha-russa. Em tempo: "os historiadores" erraram, mas valeu. Em plena ditadura Vargas, quando não se podia falar, Campinas cantou.


Rubem Costa é jornalista, escritor e membro da Academia Campinense de Letras

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