Campinas, Domingo, 28 de Janeiro de 2001

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ECONOMIA
Justiça não marcou data do leilão da única fábrica brasileira de carros; bens estão sendo furtados em Rio Claro
Falida, Gurgel vai a leilão por R$ 20 mi

RICARDO BRANDT
DA FOLHA CAMPINAS

A Gurgel Motores S/A, primeira e única fábrica de automóveis 100% brasileira da história, falida desde 96, está prestes a ser leiloada por R$ 20 milhões. A avaliação do patrimônio da empresa foi divulgada na última semana.
Só a dívida trabalhista deve consumir 70% desse valor. A dívida com o Fisco e com credores pode chegar a R$ 70 milhões, segundo o síndico da massa falida da empresa de Rio Claro, Jaime Marangoni.
A holding Gurgel do Brasil chegou a ser avaliada em quase R$ 200 milhões, quando suas ações foram abertas ao mercado, em 89, segundo o herdeiro natural do patrimônio, Fernando Barbosa do Amaral Gurgel, 42, vice-presidente da empresa e filho do idealizador do projeto, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel.
A Justiça deve agora marcar uma data para o leilão, se não houver pedidos de impugnação.
Hoje, os bens da falida Gurgel estão se deteriorando, apesar de seus carros continuarem rodando pelo país.
Aproximadamente 40 mil unidades foram produzidas em 27 anos de funcionamento.
Atualmente são poucas as revendas de peças ou oficinas que atendam carros da Gurgel.
Agora, cinco anos após a Justiça decretar a falência definitiva da fábrica, o prédio da Gurgel, às margens da rodovia Washington Luiz, em Rio Claro, está fechado e abandonado.
Dentro de seus barracões estão máquinas, ferramentas e pelo menos 40 carrocerias de carros que pararam na linha de produção e fariam saltar os olhos dos colecionadores.

Falência
A falência do audacioso projeto do empresário Amaral Gurgel é atribuída pela família ao rompimento de um protocolo de intenções assinado com os governos de São Paulo e do Ceará em 91.
Tanto as ações pleiteadas na Justiça para impedir a falência como as afirmações de Fernando Gurgel responsabilizam os ex-governadores Ciro Gomes (PPS, na época PSDB), do Ceará, e Luiz Antônio Fleury Filho (PTB, na época PMDB) pelo rompimento do acordo.
Segundo as acusações, os governos não teriam honrado um compromisso de "apoio irrestrito" ao Projeto Delta.
Tal projeto consistia na instalação de uma fábrica em Fortaleza (CE) para a produção da parte motriz dos veículos, que atuaria em conjunto com a unidade de Rio Claro, responsável pela produção das carrocerias.
"Não me sinto nem um pouco responsável pela falência da Gurgel. Houve um empréstimo tomado no banco do meu Estado que não foi honrado e fiz o que tinha que fazer", disse o presidenciável Ciro Gomes. O ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho não foi localizado pela Folha.
A empresa sofreu duas falências, uma anulada em 94, e outra definitiva em 96.
Alguns veículos inacabados estão até hoje trancados na linha de produção ao lado de máquinas e equipamentos.
"É uma das maiores perdas que a história automobilística brasileira pode ter sofrido pelo seu significado", disse o síndico da massa falida da Gurgel.
O projeto do empresário Amaral Gurgel era produzir, com tecnologia 100% brasileira, um veículo popular com qualidade.
Seus modelos mais conhecidos foram o jipe X-12, o BR-800 e o Supermini.

Furtos
Para agravar o final trágico da ousada proposta do empresário Amaral Gurgel de conquistar a independência tecnológica brasileira na fabricação de automóveis, os bens guardados no prédio estão sendo furtados.
Até a última sexta-feira havia mais de 30 boletins de ocorrências registrados na Polícia Civil denunciando a invasão e o furto de materiais e equipamentos.
O episódio mais trágico da falida Gurgel ocorreu no último dia 22 de dezembro, quando dois vigias que haviam testemunhado contra três assaltantes presos furtando equipamentos foram assassinados dentro do prédio.
Horácio Francisco das Neves, 51, e Dorazir Marcelino Pires, 58, foram encontrados pela manhã. Um deles levou um tiro e o outro foi asfixiado até a morte.
A delegada que investiga o caso, Sueli Isler, do 1º DP (Distrito Policial), disse que os furtos começaram a se intensificar em outubro do ano passado.
"No início, os furtos eram pequenas quantidades de fio de cobre e pequenas ferramentas. Mas nos últimos meses os assaltantes passaram a chegar de caminhão para levar maquinário pesado", disse a delegada.


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