Índice geral Carreiras e Empregos
Carreiras e Empregos
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Tentativa e erro

A Folha acompanhou um 'congresso de falhas' nos EUA, onde pequenos empresários se reuniram na última semana para compartilhar lições

Jeff Spirer/Divulgação
Evento tem o objetivo de fazer empresários ‘abraçarem’ seus erros para chegar ao sucesso
Evento tem o objetivo de fazer empresários ‘abraçarem’ seus erros para chegar ao sucesso

FERNANDA EZABELLA
ENVIADA ESPECIAL A SAN FRANCISCO

"Confesso, também já fui uma empresária falida", desabafa uma loira de salto alto no palco, aplaudida com entusiasmo. Ela ri: "Isso aqui parece um encontro dos Alcoólicos Anônimos!".

Bem-vindo ao "FailCon", convenção ("con", na abreviação em inglês) que aconteceu na segunda-feira, em San Francisco (EUA), para reunir histórias de gente que fracassou (a palavra "fail", em inglês, que dá nome ao evento) e as respectivas lições no mundo dos negócios.

"Abrace seus erros e construa seu sucesso", diz o logotipo do evento, que em sua quarta edição teve 14 palestrantes, incluindo executivos como Suneel Gupta, do Groupon, e uma aula de história com o escritor Scott Berkun, autor de "Mitos da Inovação" (Starlin Alta Consult, 168 págs., R$ 42,90).

Christina Farr, a loira que acabou se abrindo com as 450 pessoas da plateia, é uma jornalista que entrevistava o principal convidado do dia, o americano Eric Ries, 33, ex-fracassado que hoje é um dos consultores corporativos mais requisitados do Vale do Silício, autor do livro "A Start-Up Enxuta" (Lua de Papel, 224 págs., R$ 39,90).

"Admitir publicamente que você estava errado, que você faliu, é muito doloroso, eu sofri demais", diz Ries, que, antes de virar guru tecnológico, abriu e fechou ao menos duas companhias. "É um sentimento tão ruim que é quase uma boa razão para não virar empresário."

Farr pergunta: "E qual dica o Eric Ries mais velho daria ao Eric jovem?" Ele dá de ombros: "Vamos ser honestos: eu era um jovem arrogante, achava que era um gênio. Eu não ouvia ninguém."

As pérolas de sabedoria de Ries são base do seu livro, lançado em 2011, e parte também de um movimento que foi além das montanhas californianas, segundo o qual novas firmas e projetos dentro de empresas devem ser tratados como experimentos: é preciso testar seus produtos da forma mais rápida e real possível para consertar erros no meio do caminho (e não ao final da corrida).

"Fracassar não é o problema. O problema é fracassar o caminho inteiro", afirma. "É preciso testar sua estratégia antes. Se cem consumidores odiarem seu produto, o que será dos mil consumidores atingidos no grande lançamento?"

As filosofias de "A Start-Up Enxuta" (empresas iniciantes, geralmente de base tecnológica) reverberam pelas palestras do "FailCon" em um grande salão no topo de um edifício no centro da cidade. Cass Phillips, uma das cofundadoras da convenção, concorda que, sem querer, o tema acabou voltado para desenvolvimento de produtos.

"Os empresários perceberam que conseguir investimento é difícil e um problema para todo mundo. Então, em vez de reclamar, o foco é fazer um produto melhor, mais rápido, mais enxuto", explica Phillips à Folha.

Embora o foco esteja nas pequenas firmas de tecnologia que se multiplicam na região, as dicas são facilmente transferidas para qualquer negócio. "Parece óbvio, mas pensar que eu poderia ser um robô, trabalhar dia e noite, foi meu primeiro erro", diz Erin Mckean, 41, fundadora do site Wordnik, nova forma de dicionário on-line, em uma palestra chamada "Meus Cinco Maiores Erros como Presidente-Executiva de Start-Up".

Ela também cita "se livrar dos idiotas" e "fazer muitas perguntas, mas para as pessoas certas" como outras lições que aprendeu na marra.

"Pessoas sarcásticas podem ser ótimas amigas, mas não são boas para se trabalhar. Identifique-as logo", avisa Mckean.

Histórias pessoais também servem de apoio, e até arrancam algumas lágrimas, como em uma das palestras mais comentadas do dia, de Chip Conley, 52, que fundou aos 26 anos a rede de hotéis de luxo Joie de Vivre. Na recessão de 2008, seu melhor amigo se matou e seu filho foi preso. Ao mesmo tempo, seu negócio com mais de 3.000 funcionários ia mal das pernas.

"Eu era prisioneiro da minha própria empresa. Não queria mais ser presidente-executivo. Ninguém fala sobre emoções nos negócios, mas precisei recomeçar", diz Conley, que vendeu o grupo em 2011 e hoje se dedica a escrever livros.

O clima do "FailCon" é bem informal: há cookies e café numa antessala, à espera dos participantes que usam os intervalos para trocar experiências e cartões. Entre uma apresentação e outra, uma das organizadoras pega o microfone para colocar ordem na casa.

"Levante a mão quem já tentou abrir uma empresa e faliu?", diz Diane Loviglio no palco, atendida prontamente por mais da metade da plateia. Na sequência, a empresária pede para cada um começar a conversar com seu vizinho de cadeira e contar um erro que já cometeu.

Meu vizinho é um norueguês vestido elegantemente, que toma notas de cada apresentação e me diz que já fundou quatro firmas, incluindo uma consultora de serviços de armazenamento on-line.

"Não dá para dizer que todas foram um sucesso, mas como medimos sucesso, não é?", brinca Hans Gallis, que está prestes a se mudar para a Califórnia para começar uma nova companhia.

"Queria conhecer pessoas e aprender sobre como os americanos abraçam seus erros quando desenvolvem produtos", continua. "A cultura por aqui é diferente. Na Noruega, não é comum falar disso", conclui Gallis.

De fato, nem nos Estados Unidos é comum dar espaço aos empresários derrotados, a não ser que eles deem a volta por cima. Cass Phillipps, que criou o "FailCon" ao lado de Loviglio, diz que o hábito de falar abertamente sobre fracasso é mais comum na Costa Oeste do país.

"Nova York e a Costa Leste estão chegando lá, e o Meio-Oeste ainda tem pavor disso", ela afirma. "Mas, quando o fundador está no meio da lama, perdendo dinheiro, ninguém quer ouvir, dar apoio. Não sabemos o que dizer. Gostaria de trabalhar nisso no próximo ano."

Phillips e Loviglio lançaram o evento há quatro anos, cansadas da mesmice que permeava as convenções da indústria. Hoje, há filiais do "FailCon" em diversos países, como França, Alemanha, Austrália e até Brasil, numa edição que aconteceu na semana passada em Porto Alegre (leia texto ao lado).

Depois do primeiro "FailCon", em 2009, as duas tentaram abrir um negócio, mas faliram. Phillips, que antes também era produtora de eventos de start-ups, desenvolveu com dois amigos uma tecnologia chamada Trogger, para unificar identidades em fóruns de debate na internet. "Mas as pessoas não querem começar do zero uma nova tecnologia, e os fóruns gostam do clima de comunidade fechada. Nós não escutamos nossos usuários. Foi nosso erro", conta.

E como identificar problemas como esse antes de eles acontecerem? A pergunta de um milhão de dólares vem de alguém do público para Berkun, palestrante responsável pela parte mais teórica do dia. "Reze", responde o escritor. "Nossa percepção do presente é cheia de falhas. A melhor coisa a fazer é confiar nas pessoas à sua volta, no seu time."

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.