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Rato não tem feriado

Alguns experimentos não podem ser abandonados ou adiados para depois das festas, o que obriga muitos cientistas a passar o fim de ano no batente

Gabo Morales/Folhapress
Os cientistas Marcos Vinicius Mendes Silva, Caroline Winck, Silvia Lima e Jeniffer dos Santos, em laboratório na USP
Os cientistas Marcos Vinicius Mendes Silva, Caroline Winck, Silvia Lima e Jeniffer dos Santos, em laboratório na USP

GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO

Células se reproduzem, vírus se multiplicam e camundongos ficam com fome independentemente da época do ano. Para não deixar a ciência parar, muitos pesquisadores não podem se ausentar de suas bancadas nem mesmo durante o Natal.

"A visita ao laboratório já é tradição. A família até já se acostumou, mas tem sempre alguém que reclama", diz Patrícia Beltrão Braga, geneticista da USP.

A pesquisadora comanda um grupo que estuda células-tronco reprogramadas -conhecidas como iPS- buscando avanços contra o autismo e outras transtornos.

Embora profissionais de outras áreas também fiquem no batente, é na biomédica que os laboratórios estarão mais cheios no feriado.

"A gente até consegue se programar um pouco para diminuir o ritmo, mas algumas experiências simplesmente são contínuas. O início de uma cultura de células, por exemplo, é delicado. Não dá simplesmente para congelar e retomar depois do Ano-Novo", diz a cientista.

MOTIVAÇÃO

A pós-doutoranda da USP Graciela Pignatari diz que a ideia de ajudar uma pessoa doente a se recuperar ajuda -e muito- na hora de se desapegar de coisas como feriado, praia e recesso.

"Nós lidamos muito com crianças doentes. É bastante egoísmo um cientista ter condições de fazer algo imediatamente para melhorar a vida de uma criança sofrendo e, simplesmente, deixar para depois porque quer passar uns dias descansando sem preocupações", afirmou a pesquisadora.

Além da vontade de ajudar e da necessidade de acompanhamento constante de alguns experimentos, o plantão natalino nos laboratórios do Brasil muitas vezes tem um motivo bem menos nobre: disponibilidade de material.

Importar insumos para pesquisa no país é um processo burocrático, que envolve pilhas de papeis, muitas assinaturas e, não raro, meses de espera.

PROGRAMAÇÃO

"Nosso calendário normalmente se baseia na presença do reagente. Quando nós o conseguimos, não dá para esperar", diz Beltrão Braga.

No mundo das células-tronco, o trabalho também está muito atrelado à doação de material, como dentes de leite e placenta, que têm tempo certo para serem usados.

No ano passado, um dente de leite foi disponibilizado bem no dia 23 de dezembro, fazendo Pignatari trabalhar ainda mais no Natal. "Mesmo assim, compensa. Faria de novo", disse.

O coordenador da divisão de Farmacologia e Toxicologia da Unicamp. João Ernesto de Carvalho, também já se acostumou a passar o fim do ano no batente. E ele avisa: no Carnaval, também não é muito diferente.

"Além das pesquisas, temos também o trabalho de orientação. A avaliação de muitos estudantes cai bem nessa época de Carnaval. Ou seja, não tem como fugir", diz o cientista.

Apesar de tanto esforço, é comum que os profissionais lidem com a brincadeira de colegas de outras áreas.

"Quando você fala que faz pesquisa, as pessoas logo perguntam: 'Mas é só isso? E trabalhar, quando você começa?' São perguntas comuns", diz Pignatari.

"Um pouco mais de reconhecimento seria um bom presente de Natal", resume.

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