Índice geral Ciência
Ciência
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Estudo traça chegada da malária à América

Diferentes rotas de tráfico negreiro dividiram o parasita causador da doença em duas "famílias" no continente

Dados sobre variações genéticas do parasita podem dar pistas sobre resistência da malária aos medicamentos

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

O mais letal dos parasitas causadores da malária, o Plasmodium falciparum, foi introduzido no Brasil e em outros países da América do Sul por meio do sangue de escravos trazidos da África, e as diferentes rotas do tráfico negreiro desenharam duas "famílias" do protozoário.

É o que indica o mais novo estudo sobre a questão, comparando material genético coletado em 17 países da África, da América do Sul, do Oriente Médio e da Ásia.

A malária é causada por cinco espécies de protozoários do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada de mosquitos. Há consenso de que o Plasmodium falciparum tenha surgido na África e dali se disseminado nas migrações humanas -voluntárias ou não (caso dos escravos).

A dúvida era saber quando isso aconteceu. Teriam os protozoários embarcado no sangue humano quando o homem moderno migrou da África para a Ásia 60 mil anos atrás, e chegado às Américas pelo estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca?

Ou teriam eles se espalhado há 6.000 anos, por conta do aparecimento de sociedades sedentárias e mais populosas, o que facilitou a transmissão pelo mosquito?

Os 35 pesquisadores, de países como França e EUA, mas também Irã, Angola e Gabão publicaram os resultados da análise genética na edição de hoje da revista "PNAS". Eles também usaram dados de uma pesquisa publicada em 2000 na "Molecular Biology and Evolution".

Com o acréscimo dos dados do trabalho anterior, os dados genéticos representavam 33 localidades de 23 países, incluindo o Brasil; o estudo de 2000 tinha amostras do parasita coletadas em Rondônia pelo pesquisador Marcelo Urbano Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

O Brasil, claro, tem papel de destaque na interpretação dos resultados. "Cerca de 40% dos escravos africanos terminaram suas vidas no Brasil", escreveu a equipe.

Apesar disso, as amostras do parasita brasileiro foram apenas as do estudo de 2000. "O Brasil torna extremamente difícil a exportação de amostras biológicas", disse à Folha um dos líderes do estudo, Francisco Ayala, da Universidade da Califórnia.

Mas os dados foram suficientes para provar que os tipos de Plasmodium falciparum encontrados no Brasil e na Bolívia são semelhantes.

Os dados genéticos refletiram a história do tráfico de escravos nas Américas. O império colonial espanhol importava escravos de regiões diferentes da África em relação ao português. Eles eram desembarcados principalmente no Caribe mas também na Colômbia. Já no império português, boa parte dos escravos entrava pela Bahia.

Estudos têm demonstrado que a disseminação dos parasitas resistentes a drogas resulta da combinação de diferenças genéticas, ambientais e farmacológicas, por isso a análise da variabilidade genética pode dar pistas sobre o combate à doença.

Mas o Plasmodium falciparum não é o único causador da malária nas Américas; o Plasmodium vivax é também muito importante. De onde teria vindo? "Outras espécies vão ter que esperar por estudos futuros", diz Ayala.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.