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Russos estão prestes a começar estudo de lago "alienígena"

Perfuração na Antártida deve atingir o lago, a 3.600 metros de profundidade, isolado há ao menos 14 milhões de anos

Mais parecida com o ambiente encontrado em lua de Júpiter, água subterrânea pode ter organismos vivos

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Após duas décadas de ensaios, pesquisadores russos vão iniciar a exploração do mais alienígena dos lagos terrestres. Contudo, a falta de contato com colegas americanos por seis dias deixa todos apreensivos. Poderia ter dado algo errado?

Não, não é a abertura de mais um episódio da série de televisão "Arquivo X". Fato é que os cientistas estão no mais inóspito ambiente da Terra -o interior do continente antártico. E as águas que eles pretendem estudar ficam sob 3,6 km de gelo.

Estima-se que o lago Vostok, mantido em estado líquido pela pressão e pelo calor interno da Terra, esteja isolado do resto do planeta há pelo menos 14 milhões de anos.

Daí o interesse por ele: sabe-se lá que criaturas podem ter sobrevivido e prosperado num ambiente tão diferente.

Imagina-se que o lago tenha mais semelhança com o ambiente encontrado em Europa, uma das luas de Júpiter, do que com a Terra.

"É tentadora a analogia entre o Vostok e o oceano subsuperficial de Europa", afirma Eduardo Janot Pacheco, astrônomo do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP.

Verificar o que existe vivo no Vostok é uma forma de especular sobre a possibilidade de haver vida em luas geladas como Europa. Isoladas da luz solar, as criaturas que habitam esses ambientes têm de viver dos poucos nutrientes que ali existem.

Os russos têm perfurado o gelo que cobre o Vostok há muito tempo. Mas em 1998, a cem metros de onde começa a água, eles foram obrigados a interromper o trabalho.

A preocupação da comunidade internacional era a de que a perfuração contaminasse o lago com microrganismos de fora, eliminando o potencial para descobertas e prejudicando o ecossistema que pode existir lá.

Só em 2010, após desenvolverem um novo protocolo de segurança, os russos puderam prosseguir.

Na semana passada, a equipe liderada por Valery Lukin reportou a colegas americanos, por e-mail, que estava nos 20 a 30 metros finais. O último contato entre russos e americanos aconteceu na segunda-feira.

Desde então, a equipe antártica tem mantido silêncio, o que gera apreensão no resto do mundo.

O QUE PODE DAR ERRADO

Há a pequena possibilidade de que a súbita liberação da pressão do lago gere um gêiser gigante. Além disso, os cientistas correm contra o tempo: as perfurações só podem ser feitas durante o verão antártico, que está no fim. No inverno, as temperaturas inviabilizam os trabalhos.

Tudo faz parte de um aprendizado que pode ser útil para explorar recantos inóspitos do Sistema Solar.

"Esse é um grande ensaio técnico para perfurar capas de gelo em Europa", diz Cassio Leandro Barbosa, astrônomo da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), em São José dos Campos (SP).

O interesse maior da pesquisa, no entanto, diz respeito à biologia e à evolução da vida. "As formas de vida que estão para ser descobertas se isolaram do mundo há 20 milhões de anos", afirma. "De lá para cá, como evoluíram? Esses seres serão o paradigma a ser procurado em ambientes extraterrestres."

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