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Marcelo Gleiser

Criaturas do Sol

A imagem da nossa estrela como uma plácida bola de fogo no céu tem pouco a ver com o seu aspecto real

É DIFÍCIL não pensar no Sol nestes dias. Ao menos aqui onde trabalho, no norte dos Estados Unidos (Estado de New Hampshire), temos um início de primavera que já virou algo que lembra o verão, coisa que nunca vi ocorrer por aqui.

O Sol exerce uma espécie de efeito alquímico, transformando o humor das pessoas, que passaram os últimos quatro meses no frio. Ao mesmo tempo, ouvimos relatos de tempestades Solares que jogam bilhões de toneladas de plasma no espaço e, volta e meia, sobre a Terra.

Essas ejeções de massa coronal (ou seja, vindas da coroa, a "atmosfera" do Sol) tendem a aumentar em frequência em torno do período chamado de máximo Solar, que ocorre a cada 11 anos, aproximadamente. Estamos entrando num desses períodos de intensificação das tempestades solares neste ano.

A imagem do Sol como uma plácida bola de fogo no céu não tem nada a ver com a coisa real.

Imagens próximas revelam um verdadeiro inferno, no qual a temperatura na superfície chega a 6.000 graus Celsius, um incessante borbulhar de matéria e campos magnéticos de enorme intensidade.

Tempestades solares nos lembram que não devemos supor que o Sol continuará fazendo o seu trabalho todos os dias, sempre do mesmo jeito, mesmo que tenha sido assim por bilhões de anos.

O Sol irradia por segundo cerca de 400 trilhões de trilhões de watts, isto é, 1 seguido de 26 zeros, equivalente a 100 bilhões de bombas nucleares de um megaton cada. Essa potência toda vem de reações de fusão nuclear que ocorrem no centro do Sol, onde o hidrogênio se transforma em hélio. O Sol, agora em sua meia-idade, está passando por uma fase relativamente estável. Ninguém precisa começar a ter pesadelos achando que será frito amanhã.

Nos seus 4,5 bilhões de anos de vida, o Sol converteu apenas cerca de 5% de sua massa total em hélio.

Com o passar do tempo, mais hidrogênio vai sendo convertido, e a luminosidade solar, isto é, a energia total emitida pelo Sol, também aumenta. Em 1,1 bilhão de anos, a luminosidade será 10% maior e, em 3,4 bilhões de anos, 40% maior. Esse aumento de energia terá sérias consequências para o clima terrestre. Primeiro causando um "efeito estufa úmido", depois um efeito estufa descontrolado. A vida, ao menos como a conhecemos no momento, será impossível aqui.

Dado que a vida era impossível durante o primeiro bilhão de anos de existência da Terra -devido ao incessante bombardeio de cometas e asteroides- vemos que ela só é viável aqui por um período relativamente curto da existência do Sol, correspondendo a só 5 bilhões dos seus 10 bilhões de anos. Cada espécie que viveu e viverá na Terra é um fenômeno passageiro, parte do ciclo de vida e morte do Sol.

Sendo um otimista, tendo a acreditar que, ao vencermos nossos desafios climáticos mais imediatos (ligados aos combustíveis fósseis) e aprendermos com eles, conseguiremos encontrar uma outra casa para os seres vivos da Terra, ao menos para os que sobreviverem ao que andamos fazendo por aqui.

Posso até imaginar uma espécie de Arca de Noé espacial, transportando as formas de vida terrestre pelo espaço interestelar, em busca de um novo lar planetário.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI

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