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Projeto quer 'naturalizar' peixes exóticos no Brasil

Proposta que está na Câmara quer autorizar criação em tanque de hidrelétrica

Para cientistas, redes não impedem que espécies estrangeiras escapem para rios e causem estragos

CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA

"John, o tipo de controle que você busca é impossível. Se há uma coisa que a história da evolução nos ensinou é que a vida não pode ser contida. A vida se liberta."

Na passagem acima, o matemático John Malcolm, de "Jurassic Park", tenta alertar o milionário John Hammond sobre a futilidade de seus esforços para evitar a proliferação de dinossauros sanguinários na ilha que os abriga.

Biólogos brasileiros estão usando o mesmo argumento hoje em relação a um projeto de lei já aprovado em três comissões da Câmara dos Deputados. Ele pode causar um impacto devastador em rios e lagos brasileiros ao liberar, nessas águas, a criação de animais aparentemente mais inofensivos: carpas e tilápias.

O Projeto de Lei 5.989/09, do deputado Nelson Meurer (PP-PR), prevê a "naturalização" de peixes exóticos (não nativos), que poderiam ser criados dentro de redes em reservatórios de hidrelétricas.

O texto altera a Lei da Pesca e Aquicultura, de 2009, que proíbe a criação de espécies exóticas em águas continentais brasileiras -limitando-as a tanques fechados ou a rios onde essas espécies já estejam estabelecidas.

Segundo o deputado, o objetivo é fomentar a geração de renda nas regiões dos reservatórios, como Sul e Sudeste, onde as barragens levaram a pesca local ao colapso.

"Nós temos imensos lagos onde pode ser produzido peixe", disse Meurer à Folha.

Num artigo na próxima edição da revista científica "Natureza e Conservação", um grupo de cientistas liderado por Ângelo Agostinho, da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, argumenta que a aprovação da lei fará mais mal do que bem. O grupo está conduzindo uma petição pública contra o projeto, que já conta com mais de mil assinaturas de cientistas.

As cinco espécies da proposta de Meurer estão entre as cem piores pragas invasoras do planeta. E, como os dinos do filme, elas seriam contidas pelas redes de criação.

"Criar em tanque-rede é o mesmo que na água. Sempre há escape", diz Agostinho.

COMPETIÇÃO

Apesar de não serem predadores, esses peixes causam estragos competindo por comida com espécies nativas, comendo seus ovos e piorando a qualidade da água.

"As tilápias agitam muito os sedimentos do fundo e excretam muito fósforo", afirma Fernando Pelicice, da Universidade Federal do Tocantins, coautor do artigo. Isso reduz o nível de oxigênio da água, tornando-a tóxica.

Outro risco é a introdução de espécies indesejadas, como vermes e fungos que causam doenças nos peixes.

Pelicice admite, contudo, que não há evidências de impactos ambientais sérios já causados por esses peixes em rios brasileiros.

O deputado paranaense vê exagero na preocupação dos cientistas. "Eles são ressabiados em tudo", afirma. Segundo Meurer, as tilápias já estão estabelecidas "em 100% dos rios" do sul do país.

Ele aposta na fiscalização dos Ministérios do Meio Ambiente e da Pesca -que, segundo o substitutivo em análise na Câmara, serão responsáveis pela lista de espécies passíveis de naturalização.

Afirma também que há uma solução técnica para os escapes: criar nos tanques indivíduos de apenas um sexo.

O problema, diz Agostinho, é que há sempre indivíduos que trocam de sexo espontaneamente -como os dinos de "Jurassic Park", que inutilmente eram fêmeas para evitar sua multiplicação.

Procurado pela Folha, o ministro da Pesca, Marcelo Crivella, não respondeu à solicitação de entrevista.

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