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Gripe espanhola castigou Marinha do país

Estudo analisou impacto da epidemia nos navios brasileiros durante a Primeira Guerra, no início do século 20

Infecção matou cerca de 10% da tripulação de embarcações que participaram de missão durante o conflito

Reprodução
Oficiais do Cruzador Bahia, em foto sem data; comandante teve a gripe espanhola
Oficiais do Cruzador Bahia, em foto sem data; comandante teve a gripe espanhola

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Um vírus microscópico matou mais marinheiros brasileiros do que os torpedos alemães na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Uma análise recente do impacto da epidemia de gripe espanhola em navios da Marinha do Brasil indicou que o episódio envolveu um "índice excepcionalmente alto de mortalidade". Foram 125 mortes em que a gripe foi confirmada como causa, isto é, mais de 8% dos cerca de 1.500 tripulantes morreram por causa da gripe, que atingiu 90% dos marinheiros.

O caso rendeu informações que podem auxiliar as autoridades de saúde pública a lidar no futuro com essas epidemias globais ou "pandemias". A gripe espanhola foi uma devastadora epidemia de vírus que aconteceu logo no final da Primeira Guerra.

Houve 9,2 milhões de mortos em combate entre 1914 e 1918 em todo o mundo; já a epidemia de 1918-1919 matou um número incerto, mas estimado entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas.

"Ainda hoje são desconhecidas muitas das condições agravantes das pandemias", disse à Folha o principal autor do estudo, o brasileiro Wladimir Alonso, da divisão de epidemiologia internacional e estudos de população, do Centro Internacional Fogarty, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA.

"Portanto, esse tipo de informação é valioso não só como dado histórico mas como subsídio para nos prepararmos melhor para possíveis futuros eventos."

O estudo de Alonso e mais três colegas foi publicado agora na revista científica "Influenza and Other Respiratory Viruses", e está sendo divulgado neste mês em uma conferência científica na Turquia ("influenza" é outro nome para gripe).

FROTA MARINHA

A flotilha brasileira foi constituída em 1918 por dois cruzadores (Bahia e Rio Grande do Sul), quatro destroieres (Parahyba, Rio Grande do Norte, Piauhy, e Santa Catarina, também chamados contratorpedeiros), um navio-tênder de apoio (Belmonte) e um rebocador de alto mar (Laurindo Pitta), chamada DNOG (Divisão Naval em Operações em Guerra).

Um desses navios existe ainda hoje; o Laurindo Pitta é usado pela Marinha para realização de passeios turísticos pela baía da Guanabara.

O Brasil entrou na guerra pelo mesmo motivo que os Estados Unidos no mesmo ano, 1917: o afundamento de navios mercantes por submarinos alemães. A DNOG foi enviada para a África Ocidental para patrulhar os mares da região contra essa ameaça, liberando navios britânicos para patrulhar o setor mais estrategicamente importante do Atlântico Norte.

A caminho de Dacar, no Senegal, então colônia francesa, "a divisão foi atacada por um submarino no dia 25 de agosto, por volta das 20h15", escreveu outro coautor do estudo, o comandante Francisco Eduardo Alves de Almeida, em artigo anterior na "Revista de História da Biblioteca Nacional".

"Por sorte, o torpedo passou a cerca de 20 metros da popa do tênder brasileiro", continua Almeida.

Os navios brasileiros reagiram, mas não houve certeza de que causaram danos ao submarino alemão. Problemas maiores começaram a partir do dia seguinte, quando a DNOG fundeou em Dacar. Em poucos dias a gripe contaminou a quase totalidade das tripulações dos navios brasileiros; perto de 90% em alguns navios.

"O surto que assolou essa frota incluiu a mais alta taxa de mortalidade da gripe em qualquer navio de guerra relatada até hoje. Quase 10% das tripulações morreram, com taxas de mortalidade atingindo 13% a 14% em dois destróieres", escrevem os autores na revista.

Além de Alonso e Almeida, o estudo foi assinado por Cynthia Schuck Paim, da empresa de consultoria em saúde Origem Scientifica, e Dennis Shanks, do Instituto de Malária do Exército Australiano.

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